Valor econômico, v. 16, n. 3793, 08/07/2015. Brasil, p. A2

 

BC prepara fim do ciclo monetário

 

Por Cristiano Romero

A maioria dos integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) está convencida de que até a sua próxima reunião, no fim deste mês, novos indicadores mostrarão a debilidade da atividade econômica. A expectativa é que a projeção de inflação do Banco Central (BC) para 2016, no chamado cenário de referência, caia mais um pouco - de 4,8%, como apareceu no Relatório de Inflação (RI) divulgado no fim de junho, para 4,6% ou 4,7%, ficando mais próxima, portanto, da meta de 4,5%.

O compromisso do Copom é levar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para a meta no fim de 2016. Quando a projeção chegar a 4,5% ou ficar próxima disso, o Copom vai parar de elevar a taxa básica de juros (Selic), hoje em 13,75% ao ano, uma das mais altas do planeta.

Apesar de todos os discursos severos feitos nos últimos meses, o BC prepara o mercado para o fim do ciclo de aperto monetário iniciado em maio de 2013. A linguagem mais dura, especialmente a usada no RI trimestral de junho, sugeriu que, na reunião do Copom marcada para o dia 29 deste mês, a taxa Selic subiria 50 pontos-base, indo para 14,25% ao ano.

Copom pode pisar no freio já na reunião do fim deste mês

No RI, documento cujo texto final é tarefa do diretor de Política Econômica, Luiz Awazu Pereira da Silva, está dito: "(...) Nesse contexto - agravado pelo caráter indexador ainda prevalecente na formação de preços no país -, reitere-se a necessidade da determinação e perseverança no âmbito da política monetária, com o propósito de circunscrever a 2015 os efeitos de segunda ordem dos ajustes de preços relativos, continuar o processo de ancoragem de expectativas que já mostra resultados positivos nos prazos médios e colocar a inflação na meta em dezembro de 2016".

Os termos "determinação e perseverança" indicam a continuação do ciclo de alta dos juros. É bastante provável, porém, que, no próximo encontro, o Copom aumente a taxa Selic em apenas 25 pontos-base, elevando-a para 14%. Sinalizações nessa direção serão dadas nas próximas semanas. De qualquer forma, se a decisão do Comitê for promover mais uma elevação de 50 pontos-base, o comunicado deverá sinalizar que o ciclo está perto do fim ou já acabou.

Para integrantes do Copom, o hiato do produto está se ampliando, diminuindo a necessidade de continuidade do aperto. O hiato do produto, como atestam documentos do BC, é um conceito central nas discussões sobre política monetária. É um conceito que permite inferir se a economia está ou não crescendo acima do seu potencial. O valor positivo do hiato indica, por exemplo, a necessidade de a autoridade monetária elevar os juros para conter as pressões de demanda.

"Temos que sinalizar que realmente estamos chegando muito perto do fim, dado o que está acontecendo com o hiato", advoga uma fonte.

A tese, propalada em discussões internas no governo, é que, embora venha surpreendendo para cima, o IPCA "mais salgado" não estaria mudando muito a estimativa sobre qual é a tendência subjacente da inflação. "É ruim, mas não piorou. A gente está caminhando para colocar a projeção de inflação confortavelmente na meta, com alguns passos adicionais de política monetária", observa uma fonte.

 

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Não se deve esperar que a Selic chegue a 15%. O BC trabalha hoje com a ideia de que a inércia, um elemento historicamente relevante na inflação brasileira, é menor hoje do que no passado. Esta é uma tese polêmica. Basta ver o que tem ocorrido nos últimos meses - inflação efetiva acelerou e a mediana das expectativas do mercado projeta IPCA de 9,04% em 2015.

O argumento de alguns formuladores é que o choque de inflação bate no primeiro momento, mas o choque de política monetária e fiscal chegará à economia mais no fim do ano. A tarefa do BC, como Awazu deixou claro no RI de junho, é evitar os efeitos secundários dos choques de preços ocorridos agora.

"Estamos chegando perto de casa", comemora uma fonte, referindo-se aos 4,5% da projeção do BC para o IPCA no ano que vem. No último RI, a projeção ainda era de 4,8%, mas o número teria decorrido de um arredondamento vindo de 4,7%. Ademais, o próprio mercado já prevê inflação em torno da meta em 2017 e 2018, o que indica de fato melhora da confiança no trabalho do BC, embora ainda haja ceticismo quanto a 2016 - no último boletim Focus, a expectativa estava em 5,45%.

Integrantes do Copom justificam o discurso mais duro dos meses recentes como necessário para desfazer a percepção do mercado de que os juros começariam a cair já no fim deste ano ou no início de 2016. "Por causa disso, o BC não estava conseguindo melhorar as expectativas de inflação. O momento adequado para cortar juros será quando houver plena ancoragem das expectativas em todos os prazos e a projeção do BC ficar abaixo da meta. Isso deve ocorrer em algum momento de 2016. É improvável que seja neste ano", explica uma fonte.

O juro real efetivo segue num dos patamares mais altos dos últimos seis anos. O gráfico abaixo mostra que, desde o início do atual ciclo monetário, ele mais do que triplicou. Mesmo assim, de lá para cá a inflação não parou de subir. O elemento confiança no BC é crucial para entender o descasamento entre juro e IPCA.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

E-mail: cristiano.romero@valor.com.br