Valor econômico, v. 16, n. 3793, 08/07/2015. Política, p. A6

Presidente sofre guinada opositora no TCU

 

Por Murillo Camarotto, Vandson Lima e Raphael Di Cunto | De Brasília

A análise das contas da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU) vai ficar para agosto, embora estivesse sendo esperada para 22 de julho. É que o prazo dado pela Corte para o governo apresentar sua defesa expira somente no dia 23, quando se completam 30 dias da notificação oficial. A decisão de abrir espaço para a defesa do governo foi anunciada pelo TCU em 17 de junho.

Ainda assim, o tribunal poderia, em tese, emitir seu parecer final na sessão plenária de 29 de julho, mas os ministros querem avaliar com calma os argumentos do governo. "Levar rapidamente ao plenário significaria desconsiderar a defesa. Por isso, na melhor das hipóteses, será em 5 de agosto", afirmou ao Valor um ministro do tribunal.

 

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Ambiente relativamente tranquilo para o governo petista nos últimos anos, o TCU passou recentemente a dar algumas dores de cabeça ao Planalto. As auditorias sobre a compra da refinaria de Pasadena e sobre as chamadas "pedaladas" fiscais, por exemplo, já demonstraram uma postura bem mais dura do tribunal.

A análise das contas do governo referentes a 2014 evidenciou esta tendência. Diante da iminente reprovação das contas pela maioria do plenário, alguns ministros um pouco mais alinhados com o governo conseguiram convencer os colegas a estabelecerem um prazo para a defesa de Dilma.

Até então, a contabilidade governista considerava os apoios de Benjamin Zymler, Walton Alencar e José Múcio para a aprovação das contas - mesmo que com ressalvas. Pela rejeição estavam Augusto Nardes, Raimundo Carreiro, Bruno Dantas, Vital do Rêgo e Ana Arraes. Presidente do TCU, Aroldo Cedraz só votaria em caso em de empate, possivelmente a favor do governo.

Após alguma negociação, chegou-se à uma posição consensual pela abertura de prazo para a defesa de Dilma. A postura foi elogiada pela opinião pública e nas últimas semanas os ministros passaram a articular um novo consenso, provavelmente pela rejeição das contas. O entendimento é de que Dilma não conseguirá convencer os ministros de que as irregularidades apontadas pela área técnica do tribunal estavam equivocadas.

Mesmo que ocorresse em julho, o julgamento não teria efeito prático. Apesar de ser encarregado da análise das contas, o TCU apenas emite um parecer ao Congresso Nacional, que é o responsável por aprovar ou não os números. O Legislativo entrará em recesso no próximo dia 17 e só retomará as atividades em 1º de agosto.

Ainda assim, o governo já iniciou a ofensiva para evitar uma derrota no Congresso. Ontem, os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União) se reuniram com a bancada do PT na Câmara para defender a legalidade das manobras fiscais do governo. "Todas as operações estão segundo o que manda a lei", disse Barbosa aos deputados federais.

Também ontem, o Senado aprovou um convite para que Barbosa e Adams expliquem, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), as "pedaladas" fiscais, manobras contábeis feitas para melhorar artificialmente o resultado das contas públicas.

Além dos ministros, serão convidados o presidente do TCU, o procurador do Ministério Público junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira e o auditor do TCU Antônio Carlos d'Ávila. Líder do governo e presidente da CAE, Delcídio Amaral (PT-MS) prometeu ontem que a audiência ocorrerá antes do recesso parlamentar.

Parte da oposição aposta na rejeição das contas para embasar uma ação de impeachment de Dilma. A simples rejeição, entretanto, não tem esse poder. Será preciso encontrar elementos que responsabilizem diretamente a presidente. No processo das contas do governo pesam contra Dilma duas acusações principais: descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Como as contas passíveis de rejeição se referem ao mandato anterior da presidente, há quem acredite que Dilma não pode mais ser responsabilizada. Outra corrente, porém, entende que o instituto da reeleição configura uma ligação natural entre os dois mandatos, permitindo a responsabilização da mandatária.

 

Economia pode atenuar efeito da crise política

 

Por Fernando Taquari | De São Paulo

A decisão da presidente Dilma Rousseff de conceder uma entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" um dia depois da convenção nacional do PSDB dividiu a opinião de cientistas políticos ouvidos pelo Valor PRO, serviço em tempo real do Valor. Os intelectuais, no entanto, concordam que a melhor saída para enfrentar a crise política passa pela recuperação da economia, embora as perspectivas não sejam positivas para o curto e médio prazo.

Professor emérito da UFMG, o cientista político Fábio Wanderley Reis acredita que Dilma agiu de forma estratégica ao adotar, na entrevista, uma postura mais beligerante em relação ao PSDB no momento em que os partidos de oposição debatem abertamente a possibilidade de um impeachment ou afastamento da presidente e do vice, Michel Temer.

"Com uma postura afirmativa, Dilma decidiu partir para a briga, o que vejo com bons olhos diante de um comportamento irresponsável e surpreendente do PSDB, seja no Congresso, ao votar contra as medidas de ajuste fiscal e a favor de projetos que aumentam as despesas da União, ou na disposição de debater e jogar com 'tecnicismos' jurídicos que visam a derrubada do governo, com uma certa áurea golpista", afirmou Reis, ressaltando que a presidente poderia ter aproveitado a oportunidade para também enquadrar o PMDB.

Já o cientista político Carlos Melo, professor de sociologia e política do Insper, avalia que a petista precipitou-se ao conceder a entrevista um dia depois da convenção tucana. As declarações de Dilma, afirmou Melo, alimentaram o debate sobre a crise política, explorada pelo PSDB no evento partidário, e não resultaram na apresentação de uma agenda positiva para o governo. "A presidente caiu numa armadilha ao ficar presa na pauta da oposição. O seu raciocínio tampouco se fecha. Não tem começo, meio e fim. Ela não justifica, por exemplo, por que não vai cair".

Assim como Reis, Melo também questiona as posições adotadas pelo PSDB ao declarar que os tucanos agem de forma oportunista em meio a crise política enfrentada pelo governo petista. Como exemplo, cita a decisão da legenda de votar pelo fim do fator previdenciário e da reeleição, dois instrumentos criados no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). "Votaram ainda pelo aumento de despesas, numa contradição a cartilha do partido. Trata-se de uma postura oportunista, que ignora o seu DNA e o seu passado", disse.

Os dois cientistas políticos afirmam que a presidente deve concentrar os esforços no ajuste fiscal para resgatar a confiança do empresariado, elevar os investimentos e garantir o crescimento da economia. "Dilma precisa investir na retomada econômica. Uma melhora das contas pode atenuar o quadro político e ajudar na recomposição da base aliada", observou Reis. "Até porque não vejo nenhum trunfo político à vista", acrescentou. Melo adverte que, apesar das condições precárias, a economia representa a única alternativa para contornar o cenário de turbulência, além de afastar especulações sobre um impeachment.

 

Do quadrado de Dilma não sai uma única ideia redonda

 

Por Maria Cristina Fernandes | De São Paulo

Na entrevista concedida ao jornal "Folha de S.Paulo", a presidente Dilma Rousseff perdeu a oportunidade de alvejar as bases de onde partem as ameaças de impeachment que voltam a rondar seu mandato.

Indagada sobre as urdiduras de pemedebistas, a presidente teve a chance de lembrar que os lotes ocupados pelo partido do vice-presidente - Articulação Política, Minas e Energia, Agricultura, Aviação Civil, Turismo e Pesca, apenas para ficar nos numerados - fazem do PMDB um sócio da empreita ameaçada. Poderia ter embalado o momento do partido nos ditames da governabilidade ou da responsabilidade compartilhada de poder. Optou por uma inconvincente definição do PMDB: "É ótimo".

Os discursos tucanos do fim de semana ofereceram leituras para todos os gostos, mas a presidente, ao se defender, recusou-se a explorar as divisões de seus opositores. "Convescotes partidários costumam inflamar discursos. Eu prefiro ficar com o que escreveu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no domingo, 'A responsabilidade das oposições'. Vocês leram?".

Era a resposta óbvia à provocação dos jornalistas. Mas Dilma, a citar o artigo de FHC no jornal "O Estado de S.Paulo", preferiu repetir a toada petista do golpismo.

Para cativar um leitor que parece seduzido pela ideia de vê-la fora do poder, bastaria lembrar uma convenção que mostrou o senador Aécio Neves ciclotímico em sua guerra aberta com o governador Geraldo Alckmin pela liderança do partido. Um dia rejeita os movimentos que pedem seu apoio ao impeachment. Noutro, sobe ao palanque para vaticinar um governo abreviado. Parece não militar no mesmo partido do senador José Serra que, na mesma convenção, criticou 'loucuras fiscais irreversíveis' como a aprovação, com o voto do PSDB, do fim do fator previdenciário.

Não são apenas as bolas levantadas pela oposição que a presidente custa a cortar. Instada a comentar as críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ajuste, Dilma limitou-se a repetir que não fala mal do seu antecessor. Nem precisava fazê-lo. Bastava lembrar o quanto a medida anunciada naquele dia - o Programa de Proteção ao Emprego - além de oferecer um colchão para o ajuste, atendia aos reclamos de Lula. Mais do que uma marionete, soaria como uma governante capaz de absorver críticas e lhes oferecer respostas.

Não importa que a medida, contra a qual seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, parece ter se insurgido, seja água no moinho de Lula. A presidente arriscou-se a se abespinhar com um mercado já insatisfeito pelo ajuste mitigado e deixou de faturar a medida tanto com a torcida quanto com artilharia do fogo amigo.

A presidente acabara de voltar da viagem aos Estados Unidos com o epíteto de 'global player' conferido pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao corrigir uma repórter brasileira depois de ouvi-la se dirigir a sua convidada como uma 'liderança regional'. A viagem é um tema ausente da entrevista. Dilma poderia ter usado a pergunta sobre a Grécia para fazer um balanço da mudança de rumo da política externa petista brasileira, que vai agrado de arautos do impeachment. O que se viu uma presidente perdida numa resposta vazia e carente do significado político do referendo: "A saída [da União Europeia] não é boa para a Grécia nem para a União Europeia". Soou como uma trivialidade de burocrata e esteve perto de desmentir Obama.

A entrevista, por fim, serviu para demonstrar, mais uma vez, que a presidente, ao contrário do que diz, custa a aprender com seus erros. Uma semana depois do episódio em que usou sua experiência com a tortura na ditadura para desmerecer a delação premiada, Dilma voltou a falar das situações limites que passou na vida para dizer que não será derrubada.

Indagada sobre as medidas que pode vir a tomar para fechar as contas do ajuste, voltou a banalizar as táticas de sobrevivência que usava na ditadura: "Você faz um quadrado (desenha), ai de ti se sair deste quadrado, você está lascado. Então, se eu não quiser falar de que tipo [de medida] eu não falo, não tenho técnica para isto. Treino".

Qualquer diretor de empresa sob a mira de jornalistas é submetido a simulações, macaqueadas como 'midia training', para testar reações e refinar argumentos. É capaz de se submeter a uma dieta radical mas custa a ser treinada para uma entrevista. Pretende convencer que pensa fora da caixinha embora diga que seu treino é o quadrado. O do Planalto é um bunker envidraçado. Dele não sai uma única ideia redonda.