Oposição vê no PIB ‘desastre econômico’, ministro Levy se cala

 

Enquanto líderes da oposição classificaram a queda do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de “desastre econômico” e o cenário atual de “terra arrasada”, a equipe econômica silenciou. Procurado, o Palácio do Planalto informou que caberia ao Ministério da Fazenda se manifestar sobre o resultado. Mas, no Rio, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não quis fazer comentários. E, no Ceará, a presidente Dilma Rousseff disse apenas que o país iria superar a crise “sem nadinha de amargura ou de ódio”.

Para o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), a queda do PIB no segundo trimestre traduz o “desastre econômico” em curso no Brasil. “O país cresce menos que quase todos os países do mundo, tem uma das mais altas taxas de inflação entre as economias minimamente organizadas e pratica as maiores taxas de juros do planeta. Quem fingiu não saber da crise, hoje finge que governa”, disse ele, em nota.

‘DERRUBOU ATÉ AGROPECUÁRIA’

Para o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), os dados só confirmam o que os brasileiros já vinham sentindo na pele. Segundo ele, trata-se de um atestado de incompetência do governo Dilma.

“A recessão técnica é apenas a constatação de uma realidade que os brasileiros enfrentam há muito tempo, com redução em suas rendas e perda de seus empregos. E a única reação da presidente Dilma é dizer que não sabia da gravidade da crise e tentar arrancar cada vez mais dinheiro da sociedade. É um governo falido, que em vez de tirar o país da crise, a agrava cada vez mais com sua inoperância e incompetência. É como se o país fosse uma aeronave no meio de uma tempestade, sem rota definida e sem comandante. Os brasileiros não merecem isso”, afirmou Sampaio, também por meio de nota.

Para o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), o resultado é preocupante, principalmente pela agropecuária, que demonstrava vigor mesmo com a crise econômica, mas já apresenta retração de 2,7% quando comparada ao trimestre anterior. “Dilma conseguiu derrubar até a agropecuária, conforme havíamos alertado. O cenário é de terra arrasada para esse e para o próximo ano. Indústria, investimentos, consumo das famílias, tudo ladeira abaixo. E adivinha o que subiu? O consumo do governo. Os avanços dos últimos anos na economia estão seriamente comprometidos e esse governo não tem condições nem capacidade de mudar esse cenário”, avaliou Caiado, também em um comunicado.

Já o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), demonstrou preocupação com a rapidez da desaceleração:

— Essa queda é preocupante. A economia freou rápido demais. É uma frenagem exagerada da economia. Uma desaceleração preocupante.

Em Caucaia, no Ceará, a presidente Dilma Rousseff entregou unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida. Na solenidade pediu “muito amor no coração” para o Brasil vencer as dificuldades.

“O Brasil, hoje, é um país democrático e um país que sabe superar suas dificuldades. Como todos os países do mundo, nós temos a garra de superar as nossas dificuldades. Mas tem uma característica especial: nós superamos isso com muita esperança e muito amor no coração, e com nadinha de amargura ou de ódio. Nós somos um país tolerante, que respeita os outros e que quer ver seus filhos e filhas sendo criados em um mundo de paz”, declarou a presidente.

AGENDA CHEIA, BOCA FECHADA

O silêncio foi ainda mais contundente por parte do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Com agenda cheia no Rio, ele se encontrou com a cúpula da ABInbev no início da tarde e, em seguida, reuniu-se com o presidente da Casa da Moeda. Os encontros foram em seu gabinete no Centro do Rio, onde fica o Ministério da Fazenda. Levy chegou ao Rio por volta das 11h e deixou o ministério às 19h55m. E se recusou a falar com a imprensa.

 

Em meio retração, consumo do governo sobe, mas número não reflete déficit fiscal

Em contraste com todos os outros dados do PIB, o consumo do governo foi o único componente a crescer no segundo trimestre, na comparação com os três meses anteriores. Em ano de ajuste fiscal, o indicador subiu 0,7%. Mas, segundo especialistas em finanças públicas, isso não significa que o governo esteja, necessariamente, aumentando as despesas.

— Contas nacionais compreendem apenas uma parte das contas dos governos. Só trata de salários, custeio, benefícios e investimentos. Logo, não são uma fonte adequada para medir saúde fiscal e eventual ajuste fiscal. É preciso computar outras transações, e resultado fiscal aqui é medido pelo regime de caixa — explica José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV.

DESPESAS COM SERVIÇOS CAEM

Na comparação com igual trimestre de 2014, o indicador recuou 1,1%, depois de cair 1,5% no primeiro trimestre. Segundo Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais do IBGE, a alta trimestral é explicada principalmente pelo aumento da remuneração de servidores. Esses gastos continuam crescendo, enquanto demais despesas, como material e serviços, por exemplo, já recuam em termos reais.

— O gasto com material do governo está caindo em termos reais, o que já não é o caso da remuneração. A remuneração (salários e benefícios) foi o que puxou (a taxa de consumo do governo) para cima, e os outros gastos puxaram para baixo — explica Rebeca.

O professor de Economia da FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, concorda:

— O grosso do gasto do governo é com o pagamento de servidores, e isso não pode ser cortado. Há redução de despesas de custeio e de investimentos, mas há coisas que dependem da população, como, por exemplo, a compra de remédios.

Já a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, afirma que a alta do consumo em ano de ajuste mostra que o governo tem despesas difíceis de cortar, o que torna o controle das despesas públicas mais difícil:

— A expansão reflete a dificuldade que o governo tem por causa da rigidez do nosso Orçamento. Esses gastos estão atrapalhando o setor privado.

SEM IMPACTO NA NOTA DO PAÍS

Se o dado do gasto do governo não é tão preocupante para a saúde das contas públicas, a forte desaceleração da economia é. Isso porque, se o PIB cai, recua também a arrecadação de impostos. No segundo trimestre, o volume de impostos sobre produtos caiu 5,7%, frente a igual período de 2014, devido principalmente a tributos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Importação (II), segundo o IBGE.

— Certamente, o aprofundamento da recessão econômica impacta a arrecadação, tornando mais difícil o alcance da meta oficial — avalia o economista do Santander Rodolfo Margato.

Esse tipo de dado é observado de perto pelas agências de classificação de risco, o que pode levar o Brasil a perder o grau de investimento. Para Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, o resultado do PIB não muda as perspectivas para a avaliação do rating do Brasil pelas agências de risco. Ele lembra que a Moody’s já deixou claro que espera recuo do PIB de 2,5% em 2015 e estabilidade em 2016:

— O que vimos não é novidade para as agências de risco. Os números teriam de ficar piores para haver alguma mudança.