MARCELLA FERNANDES
05/07/2015
Onze projetos de lei propostos por comissão parlamentar de inquérito aguardam para serem votados no Congresso.
Dois anos após a conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito de Violência Contra Mulher, poucas das recomendações presentes no relatório final saíram do papel. Dos 13 projetos de lei propostos, 11 estão parados no Congresso. Um deles propõe a criação do Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, uma fonte de recursos fixos para combater o crime. O dinheiro seria usado para prevenir atos violentos e fortalecer a rede de serviços especializados, como Delegacias da Mulher, Casas Abrigo e unidades judiciais como promotorias e juizados.
Os serviços são previstos pela Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, porém têm alcance limitado no país. Apenas 70 municípios (1,3%) contam com Casas Abrigo, locais que oferecem atendimento integral a mulheres vítimas de violência doméstica em situação de risco de morte. Delegacias especializadas estão presentes em 362 cidades (5%) e juizados especializados em 32 (0,6%), de acordo com dados mais recentes compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em informações da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).
As agressões são recorrentes. Em 2014, o Disque 180, da SPM, ouviu 52.957 relatos de violência, sendo os mais comuns violência física (51,68%) e psicológica (31,81%). A regulamentação desse serviço e a criação de uma comissão parlamentar permanente sobre o tema foram os únicos projetos de lei propostos no relatório da CPMI já aprovados. Para a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), que presidiu a comissão e coordena a bancada feminina na Câmara, a pouca presença feminina no Legislativo é um dos entraves para que os líderes partidários incluam o tema na pauta do plenário. “Essa não é uma pauta prioritária da maioria dos partidos. Das 28 legendas há 11 que não têm uma mulher na bancada. Isso é agravado por um clima conservador que existe nessa legislatura”, afirma ela, numa referência à resistência a propostas de direitos humanos.
De acordo com a parlamentar, a criação do fundo “daria mais agilidade para os convênios que as prefeituras e programas das cidades realizam, incluindo parcerias com organizações não governamentais”. Além de reforçar a rede de atendimento incipiente, os recursos seriam usados para implantação de medidas pedagógicas e campanhas, e para financiar programas de pesquisa relacionados à temática da violência doméstica. “Em tempos de ajuste, os temas que não são compreendidos como essenciais para a vida humana são esquecidos. O fundo está no fundo da gaveta da tramitação da Casa”, critica Jô Moraes.
Segundo a SPM, a ministra Eleonora Menicucci “não tem medido esforços para mostrar essa importância aos deputados e deputadas. Durante as agendas de articulação para que o PL 7371/2014 entre na pauta da Câmara, a ministra obteve como resposta do presidente Eduardo Cunha uma sinalização de votá-lo em breve”. Ainda não há uma estimativa em valores das dotações do Fundo. De acordo com a secretaria, as formas de captação serão esclarecidas em regulamentação posterior à aprovação e sanção da lei. As fontes de recursos previstas no projeto de lei serão designadas pela lei orçamentária, além de doações, convênios e outros rendimentos. A pasta tem um dos menores orçamentos da Esplanada. Com o contingenciamento, o valor previsto para 2015 passou de R$ 236 milhões para R$ 133 milhões.
Avanços
A aprovação do feminicídio é o principal avanço recente na área. A lei sancionada em março torna o assassinato de mulheres condição agravante em casos de homicídio. O projeto prevê ainda aumento da pena em um terço se o crime acontecer durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, se for contra maiores de 60 anos ou menores de 14 anos; ou se a vítima tiver alguma deficiência. Medidas de prevenção, com a inclusão de conteúdos de gênero, contudo, enfrentam resistência do Legislativo, como foi observado nos planos de educação municipais e estaduais no último mês. Outra iniciativa de destaque, a criação da Casa da Mulher Brasileira, apresenta falhas. Atualmente há duas unidades dos centros de assistência especializada, uma em Mato Grosso e outra no Distrito Federal. O programa previa inicialmente a inauguração de uma casa em cada capital até o fim do ano passado. Em junho, o governo assumiu como novo prazo 2018 para concluir o programa.
Falhas no dia a dia
Além da demora na aprovação de novas leis, a atuação do Judiciário e do Executivo no enfrentamento à violência contra mulher também deixa a desejar. Apesar da visibilidade que o tema ganhou com a aprovação da Lei Maria da Penha, o efeito ainda é limitado na execução de políticas públicas, na avaliação de especialistas no tema. O foco em medidas punitivas, como a aprovação da lei do feminicídio em detrimento de ações preventivas, como a inclusão da discussão nas escolas, também é uma crítica recorrente.
“A punição é uma resposta muitíssimo limitada e que não é capaz de resolver o conflito nem de contribuir para a construção da igualdade entre homens e mulheres”, ressalta Fernanda Matsuda, socióloga, advogada e consultora do Instituto Patrícia Galvão. A falta de dados é outro entrave. Apesar de previsto na Lei Maria da Penha, o Sistema Nacional de Informação sobre Violência contra a Mulher não foi implementado. Com ele, seria possível reunir informações em áreas distintas como saúde e segurança, de diferentes esferas do governo, o que poderia aprimorar a aplicação de medidas adequadas para cada local e tipo de violência contra mulher. Atualmente são poucas as Secretarias de Segurança Pública e Ministérios Públicos que disponibilizam ao público dados divididos por gênero.
Para Carmen Hein de Campos, doutora em ciência criminais e consultora na CPMI encerrada em 2013, o Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres é especialmente importante devido ao cenário de crise orçamentária. “É inaceitável que ainda não tenha sido aprovada pelo parlamento. O contingenciamento é muito ruim para a política de enfrentamento às violências contra as mulheres”, critica.