Rombo no Orçamento

Joaquim Levy, que defendia grande corte nas despesas públicas, saiu derrotado no embate interno e diz que há risco de agências rebaixarem a nota do Brasil, tirando o grau de investimento e agravando a situação econômica

JORGE WILLIAM/ 11- 8- 2015Aposta alta. Dilma e Temer em solenidade há duas semanas: para o Planalto, exposição do déficit terá “efeito pedagógico” sobre o Congresso e poderá evitar novas “pautas- bomba”

A presidente Dilma Rousseff informou ao vice Michel Temer que vai enviar ao Congresso, hoje, o projeto de Orçamento de 2016 com uma previsão de déficit nas contas públicas. Com isso, ela transfere aos parlamentares a tarefa de decidir se cortam despesas ou propõem aumento de receita para cobrir o rombo. E espera que a exposição do déficit tenha “efeito pedagógico” sobre um Congresso que já aprovou pautasbomba. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, saiu derrotado porque era a favor do corte de gastos. - BRASÍLIA- Sem conseguir fechar as contas públicas depois de desistir da recriação da CPMF, o governo decidiu enviar hoje para o Congresso o Orçamento de 2016 com uma previsão de grande déficit. Após passar o fim de semana conversando com ministros de Fazenda, Planejamento e Casa Civil, a presidente Dilma Rousseff informou sua decisão ao vicepresidente Michel Temer ontem à tarde. O governo aposta que a exposição do déficit nas contas terá “um efeito pedagógico” sobre o Congresso. À noite, o tamanho do déficit ainda não estava definido.

A expectativa é que deputados e senadores ajudem a encontrar soluções para equilibrar as contas públicas, e não deem seguimento às chamadas pautasbomba. O Congresso terá de indicar de que forma vai cortar as despesas do governo ou aumentar a receita.

O Palácio do Planalto desistiu anteontem da volta da CPMF depois da reação negativa de parlamentares, empresariado e até de governadores. A avaliação foi que o novo imposto não seria aprovado pelo Congresso, provocando um desgaste desnecessário. Trabalhava- se com uma arrecadação de R$ 60 bilhões com a contribuição, depois de todos os repasses para estados e municípios.

— Mandar a peça do Orçamento com a proposta de criação da CPMF, que teria baixa chance de aprovação, seria a mesma coisa que mandar um Orçamento com déficit — argumentou um integrante da equipe econômica.

O ministro Joaquim Levy ( Fazenda), que discordava frontalmente da apresentação de um Orçamento com déficit, foi novamente vencido no debate interno do governo. Há pouco mais de um mês, ele havia sido derrotado na discussão sobre a meta fiscal, que foi reduzida contra sua vontade. O temor de Levy é que as agências de risco rebaixem novamente a avaliação da economia brasileira e retirem o chamado “grau de investimento” — uma espécie de selo de bom pagador.

O discurso amarrado ontem no governo, no entanto, é que a peça orçamentária está sendo montada de forma realista, e que a discussão aberta sobre a política fiscal a longo prazo deverá ser compreendida pelas agências.

ROMBO NA PREVIDÊNCIA: R$ 125 BILHÕES

Um dos dados mais impactantes do novo Orçamento é a previsão de gastos com a Previdência. As despesas com as aposentadorias vão bater R$ 500 bilhões, e o déficit só com o INSS será de R$ 125 bilhões. É um aumento grande em relação ao rombo atual. O último relatório bimestral de receitas e despesas do governo prevê que o déficit este ano será de R$ 89 bilhões.

O número exato do déficit que será apresentado hoje ao Congresso ainda não estava fechado na noite de ontem. A área econômica trabalhava em cima de uma possível elevação na projeção do PIB ( soma das riquezas produzidas pelo país), o que consequentemente aumentaria a previsão de receitas.

No Orçamento, Levy defendia que fosse feita uma ampla reavaliação de programas e de despesas, para não precisar recorrer a aumento de imposto ou ao déficit. Ontem, ao ser novamente derrotado, o ministro externou claramente seu incômodo para a presidente e para Temer. A partir de agora, mesmo com a peça orçamentária já no Congresso, o ministro da Fazenda ainda acredita que um corte mais profundo nas despesas é necessário para mexer em programas ineficientes.

Na Fazenda, a avaliação ontem era de que, diante da impossibilidade de recorrer a um imposto e de mascarar o Orçamento, seria preciso trabalhar para que o país não perca o grau de investimento. Levy telefonou para o vicepresidente na manhã de ontem e disse que havia dificuldade em fechar o Orçamento. Temer defendeu então que o governo tratasse a questão com transparência e fizesse uma peça realista. A partir daí, peemedebistas passaram a defender publicamente essa solução.

— Eu defendo um Orçamento real. Se não tem receita, tem que fazer Orçamento com déficit. Isso refreia a criação de novas despesas, discute com o Congresso e com a sociedade ações para mudar o jogo. Não adianta maquiar — disse o senador Romero Jucá ( PMDB- RR), que foi relator do Orçamento de 2015.

Para Jucá, diante desse cenário, o Congresso tem que discutir formas de superar o déficit. Ele defendeu aumento de imposto durante um prazo determinado. E minimizou o risco de perda do grau de investimento provocado pelo envio de um Orçamento com déficit:

— As agências de investimento estão acompanhando toda essa realidade. Cada vez que o governo faz uma ação desastrada como a da CPMF, a leitura piora. Não é inflar um número que vai dar garantia aos credores de que vão receber — afirmou Jucá.

Relator- geral do Orçamento de 2016, o deputado Ricardo Barros ( PP- PR) afirmou que o Congresso terá que encontrar uma forma de equilibrar as contas, fazendo cortes de despesas mais profundos do que o governo se dispôs a fazer, ou criando novas receitas:

— O Congresso tem que ter coragem de arrumar as contas, não dar, por exemplo, reajuste aos servidores. Como a iniciativa privada está arrumando suas contas? Demitindo. O servidor público não pode estar fora, tem que dar sua cota de sacrifício.

DIA DE CONVERSAS AO TELEFONE

Ontem, desde o início do dia o Ministério do Planejamento já havia decidido que não haveria espaço para cortes adicionais nos gastos previstos pelo governo para o próximo ano. Isso porque a peça orçamentária já teria vindo com cortes em vários segmentos, e nenhum compensaria integralmente a falta dos recursos da nova CPMF.

A presidente Dilma passou o dia em conversas pelo telefone com os ministros de seu núcleo político e da área econômica. O ministro Nelson Barbosa ( Planejamento) e Levy também tiveram longas conversas com políticos. Barbosa foi no fim da tarde à residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL).

A equipe econômica já tinha contabilizado um corte de cerca de R$ 50 bilhões nas despesas. Ainda assim, diante da desistência de criar um novo imposto, o déficit se tornou inevitável. Dilma se encontrou com os ministros da área econômica no sábado, quando os avisou sobre o recuo em relação à CPMF e ordenou que refizessem os cálculos sem a previsão dessa receita. Depois disso, técnicos trabalharam no Palácio do Planalto em cima desse novo cenário, mas não houve espaço para novos cortes.

 

‘É melhor expor a realidade que pedalar depois’, diz Cunha

Responsável por impor diversas derrotas ao governo Dilma no Congresso este ano, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), disse ontem que não se surpreendeu com a previsão de déficit orçamentário, mas que tem receio de que o déficit real seja ainda maior que o previsto. Segundo ele, cabe agora ao governo enviar para análise dos parlamentares propostas para recuperar a economia. Cunha adiantou que qualquer aumento de imposto não será aprovado.

— Mesmo com déficit no Orçamento, está arriscado o déficit real ser maior do que eles vão prever. E não podem errar de novo. Dar déficit e aumentar esse déficit depois será um desastre fenomenal — disse o presidente da Câmara.

Cunha acrescentou que isso terá um forte impacto sobre o nível de credibilidade da economia, o que aumenta o risco de o Brasil perder o grau de investimento:

—É a realidade do governo. É melhor mandar a realidade do que ficar pedalando depois — disse ele, numa referência às “pedaladas fiscais” que o Tribunal de Contas da União afirma que o governo deu para chegar as contas de 2014.

Para “contribuir” com o governo na tarefa de recuperar as contas, Cunha afirmou que a Câmara deve segurar aumentos salariais de servidores públicos que começaram a ser aprovados na Casa e manter o veto presidencial ao reajuste do Judiciário, por exemplo. O líder do DEM na Casa, Mendonça Filho ( PE), defendeu que o governo faça um corte profundo nas despesas para adequá- las à receita.

—É a consagração do quadro de irresponsabilidade econômica e de descontrole total das contas públicas e de incapacidade de fazer o dever de casa. Tem que cortar na carne, diminuir o tamanho da máquina. A sociedade não aguenta mais aumento de imposto. O Estado está grande demais, sufocando o setor produtivo e os trabalhadores. Tem que cortar cargos comissionados, ministérios, funcionários terceirizados. As agências de risco e o mercado têm sido muito tolerantes com o governo, mas ele está anestesiado, não consegue apresentar nada de solução — defendeu.

EMPRESÁRIO VÊ “CHANTAGEM”

O presidente- executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos ( Abimaq), José Velloso, afirmou que o governo federal faz “chantagem” ao atribuir o déficit no Orçamento de 2016 à falta de novos impostos, especificamente a CPMF. Para ele, a solução passaria, em primeiro lugar, por cortes nas despesas do próprio governo.

— O governo quer terceirizar os problemas dele. É uma chantagem dizer que sem a CPMF não é possível fechar o próximo Orçamento — criticou ele.

Velloso afirmou que, apesar do discurso, o governo não reduziu os gastos correntes. Segundo ele, errou ainda ao apostar numa política econômica que combinou aumento de juros e de impostos. Velloso rechaçou o argumento de que o Brasil poderia perder o grau de investimento:

— O país já perdeu ( o grau de investimento). O principal indicador que as agências levam em consideração é a relação entre dívida ( do governo) e PIB. E esse valor caminha para chegar a 70%. Parece que o governo já se prepara para colocar a culpa em alguém.