O globo, n. 29894, 12/06/2015. Economia, p. 22

Entusiasta do avião nacional com sotaque de gringo

Empresário comanda crescimento vertiginoso da Azul, que em menos de dez anos abocanhou 16,6% do mercado doméstico. Receita do sucesso inclui bom trânsito com investidores e governos, além de adoção de jatos da Embraer

- BRASÍLIA E RIO- O controlador da Azul e vencedor do leilão da TAP, David Neeleman, de 55 anos, é filho de americanos, mas nasceu em São Paulo, onde morou até os sete anos. Mórmon, voltou ao Brasil como missionário e chegou a pregar nas comunidades carentes do Rio e em capitais do Nordeste. O executivo começou a carreira nos EUA, como vendedor de pacotes turísticos. Antes de criar a Azul, em 2008, fundou outras duas empresas, a canadense WestJet e a americana Jet Blue Airways.

No Brasil, a aérea comandada por Neeleman teve crescimento vertiginoso. Baseada em Viracopos ( Campinas), a empresa começou voando para três cidades — hoje são cem. Comprou a Trip, ganhou espaço em Congonhas, considerado o filé mignon dos aeroportos, e conquistou a terceira posição no mercado doméstico, atrás apenas de TAM e Gol. Em abril, tinha 16,6% de participação, seguida por Avianca, com 9,3%. TAM e Gol tinham 36,6% cada, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil ( Anac).

O segredo do sucesso de Neeleman mistura, além de visão estratégica, um bom trânsito no mercado financeiro e um dom especial para se relacionar bem com governos locais. Somando sua participação e as dos investidores que representa — pesos- pesados como o grupo Bozano e o fundo Gávea, do ex- presidente do Banco Central Armínio Fraga — o empresário tem 67% das ações ordinárias ( com direito a voto) da Azul.

— A confiabilidade dos investidores foi fundamental para o sucesso da Azul. E também na disputa pela TAP — diz Percy Rodrigues, consultor e ex- presidente da Rio Sul Linhas Aéreas.

Rodrigues avalia que a compra da TAP vai abrir mercado para a Embraer na Europa. Na avaliação do especialista, os jatos 190 da Embraer, usados nas rotas de médio curso, são os candidatos a atravessarem as fronteiras europeias para serem incorporados à frota da Portugália, o braço de aviação regional da TAP.

— À frente da Azul, Neeleman fez encomendas à Embraer — diz Rodrigues.

Pai de nove filhos e torcedor do Corinthians, Neeleman vem ao Brasil a cada 15 dias, quando despacha na sede da Azul em Barueri ( SP). E aproveita as viagens de negócios para sondar clientes da Azul sobre a qualidade do serviço. Com português carregado, pega o microfone da cabine, apresenta- se como o dono da Azul e ouve elogios e reclamações — algo que conhece bem. Em 2007, não só ouviu muitas delas como teve que pagar milhares de dólares em indenizações após passageiros ficarem presos por até 11 horas em aeronaves da Jet Blue paradas num aeroporto dos EUA devido a numa nevasca. O episódio afetou a reputação da empresa no mercado americano e foi um dos motivos para o afastamento do executivo da companhia.