O globo, n. 29894, 12/06/2015. Economia, p. 24

Sinais Desencontrados

Fernando Eichenberg

Dilma diz que brasileiros têm que ‘ continuar consumindo’ e culpa dólar pela inflação. Mas BC sinaliza que subirá juros para frear consumo e conter alta dos preços. E reduz ação no câmbio

PARA COPOM, AVANÇO NO COMBATE À INFLAÇÃO
AINDA É INSUFICIENTE BC DIMINUI A VENDA DE MOEDA AMERICANA NO MERCADO FUTURO
NA CRISE, É NORMAL HAVER CONTRADIÇÕES,
DIZEM ANALISTAS APÓS LIMITAR CRÉDITO IMOBILIÁRIO, BANCO INCENTIVA CARROS

Diante da escalada da inflação, a presidente afirmou que a alta de preços tem de ser atacada, mas disse que a população precisa “continuar consumindo”. Ela culpou o dólar e a seca pela inflação. E disse que a “marolinha” de 2008 virou uma onda. - BRUXELAS- No mesmo dia em que o Banco Central sinalizou que pretende aumentar mais os juros básicos — para conter o consumo e segurar a inflação —, a presidente Dilma Rousseff pediu que os brasileiros não deixem de consumir. A inflação foi um tema dominante ontem. E isso porque, na véspera, o IBGE informou que o IPCA nos últimos 12 meses encerrados em maio chegou a 8,47%, o mais alto desde 2003. Para a presidente, os aumentos dos preços preocupam, mas são uma “inflação atípica”.

AP Inflação atípica Para Dilma, a alta de preços no país é causada por fatores como seca e câmbio e não deve ser motivo para mudança nos hábitos de compras dos brasileiros

— Preocupam bastante, porque a inflação é um objetivo que nós temos de derrubar, e derrubar logo. O Brasil não pode conviver com uma taxa alta de inflação. Não pode, e não vai — disse Dilma, depois de participar da Cúpula União Europeia Comunidade de Estados Latino- Americanos e Caribenhos ( Celac), na capital belga.

Para a presidente, porém, a população não deve alterar seus hábitos de consumo para conter a pressão inflacionária.

— Não acho que a população tem que consumir menos, pelo contrário, tem que continuar consumindo. Nós continuamos ainda com dois problemas. Um deles é a seca, que atingiu de forma atípica o Brasil. Nós estamos no terceiro ano de seca violenta no Nordeste. Isso afeta os preços dos alimentos. E se está também com um desempenho baixo, da última vez que vi, no Sul do país — afirmou.

CULPA DA ALTA DO DÓLAR

Como segundo fator de aumento da inflação, Dilma apontou as consequências do ajuste cambial. E citou a alteração do patamar de câmbio de US$ 1 para R$ 1,60 em 2012, passando para R$ 2,50 em 2014, até os R$ 3,15 atuais:

— Este ajuste cambial não fomos nós que provocamos, nós sofremos o efeito dele. É sabido que ajuste cambial provoca essas oscilações, é passado para o preço. Esta passagem para o preço não acontece todos os dias, mas quando está essa flutuação. Sabe- se que o mundo vai ter outro processo que é a variação no juros americanos.

Em Brasília, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reafirmou o empenho do governo para controlar a inflação:

— O Banco Central está vigilante e deverá continuar vigilante para que nós possamos trazer a inflação em 2016 para 4,5%.

Para a presidente, o Brasil está “extremamente preparado” pra enfrentar o momento de crise.

— Não temos uma bolha de crédito. O Brasil não tem um sistema financeiro com problemas, nós não tivemos nenhuma situação que caracterize desequilíbrio estrutural. Nós temos de fazer agora nosso ajuste, porque houve uma queda no crescimento. Nós fizemos de tudo: reduzimos impostos, ampliamos créditos, subsidiamos taxa de crédito, e agora esgotou nossa capacidade fiscal. E tem que recompor a capacidade fiscal e continuar.

Segundo Dilma, o país não passa atualmente por um momento de austeridade:

— Nós fazemos um ajuste, mas nós não temos um desequilíbrio estrutural. Nós continuamos com US$ 370 bilhões de reservas. Temos um sistema financeiro absolutamente sem bolha. O Brasil não tem um desequilíbrio fiscal estrutural. Nem os salários, pelo menos na União, têm um peso muito significativo.

Ela confirmou as palavras do ex- presidente Lula, que em 2008 afirmou que a crise econômica mundial, se chegasse no Brasil, seria uma “marolinha”.

— Para nós, naquele momento, foi sim. Mas depois a marola se acumula e vira uma onda. Por que ela vira onda? Porque o mar não serenou. Se a economia americana tivesse, de fato, tido uma crise em V, ou seja, cai e depois sobe. Mas não foi isso. Agora é que está se curvando.

Dilma alegou que a situação do Brasil frente a atual crise, é “completamente diferente”.

— Agora, todos os países, quando sofrem as consequências de uma crise desta proporção, têm de fazer os seus ajustes.

Para a presidente, apesar da lenta recuperação da Europa, os emergentes voltarão a crescer.

— Apesar de o Banco Mundial dizer que tem problemas estruturais que levaram a uma recuperação mais lenta, vamos ter a partir do ano que vem um processo de recuperação nos emergentes.

 

___________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Copom sinaliza que alta de juros veio para ficar

Gabriela Valente
 

- BRASÍLIA- A probabilidade de conter a alta de preços e fazer com que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo ( IPCA) alcance a meta de 4,5% já no fim do ano que vem aumentou, indica a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária ( Copom), divulgada ontem pelo Banco Central. Mas, o documento também alerta que os “sinais de avanços” ainda não são suficientes — e mais altas de juros podem vir por aí.

A ata ainda não reflete a alta surpreendente da inflação em maio, mas mostra que os perigos para inflação neste ano são vários, com destaque para o encarecimento de 41% na conta de luz — contra 38,3% estimados anteriormente. No mesmo documento, o Copom observa que o aumento do desemprego, causado pelo freio na economia, já começou, o que contribui para o alcance da meta. Com menos dinheiro, as pessoas compram menos e, com vendas fracas os preços não sobem.

Diminuir o ritmo da atividade é o remédio do BC para controlar os preços. Na semana passada, o Copom aumentou os juros básicos para 13,75% ao ano, a maior taxa desde janeiro de 2009.

“(...) O Copom avalia que o cenário de convergência da inflação para 4,5% no final de 2016 tem se fortalecido. Para o comitê, contudo, os avanços alcançados no combate à inflação — a exemplo de sinais benignos vindos de indicadores de expectativas de médio e longo prazo — ainda não se mostram suficientes. Nesse contexto, o Copom reafirma que a política monetária deve manter- se vigilante”, diz o texto.

SEM PREVISÃO PARA FIM DO CICLO

Em um outro trecho do documento, o Banco Central reforça que, para combater a elevação dos preços, novos aumentos de juros devem vir. O Copom simplesmente repetiu o mesmo comunicado usado nas reuniões anteriores. Isso indica que o BC continuará com o arrocho monetário mesmo com a economia em recessão para tentar recuperar a credibilidade perdida, sinal agora confirmado pela ata divulgada ontem. O BC não sinalizar que o ciclo de elevação dos juros iniciado em outubro do ano passado estaria no fim surpreendeu o mercado.

___________________________________________________________________________________________________________________________________

 

BC reduz atuação no câmbio, mas dólar cai

Rennan Setti

- RIO E BRASÍLIA- Após o Banco Central ( BC) anunciar que iria reduzir sua atuação no câmbio, o dólar comercial chegou a subir 1,5% ao longo do dia de ontem, atingindo a cotação de R$ 3,17. Mas, apesar do avanço, a divisa acabou cedendo e fechou em queda de 0,22%, cotada a R$ 3,10. Na quarta- feira à noite, o BC informou que reduziria o ritmo da rolagem dos contratos de swap cambial, uma operação que equivale à venda de dólares no mercado futuro. Assim, em vez de rolar os 7 mil contratos com vencimento em julho, como vinha fazendo, a autoridade monetária passará a rolar apenas 6,3 mil. Caso mantenha esse ritmo até o fim de junho, o BC só terá rolado US$ 6,5 bilhões, ou 75% dos US$ 8,7 bilhões que vencem neste mês.

Segundo Ítalo Abucater, gerente de câmbio Icap do Brasil, houve entrada de moeda estrangeira no país na tarde de ontem, o que acabou ajudando na queda do dólar. Além disso, segundo analistas, agentes financeiros se desfizeram de dólares, antecipando a entrada de divisas com captações externas recentemente anunciadas por grandes empresas brasileiras, como Oi e Embraer.

Para Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora, as captações e o fluxo positivo de dólares para o país permitiram ao BC reduzir seu estoque de contratos de swap:

—É o único instrumento que o BC tem para influenciar o dólar. Olhando esse movimento, o BC quer forçar o dólar a ficar entre R$ 3,10 e R$ 3,20.

A decisão do BC de reduzir o ritmo de atuação no câmbio foi motivada, internamente, pela avaliação de que diminuiu a demanda, no mercado financeiro, pelos contratos de swap, que funcionam como mecanismos de proteção cambial. Por isso, os técnicos do BC acreditam que a medida não deve pressionar o câmbio no momento. Há ainda a avaliação de que seria um erro o BC usar o câmbio para controlar a inflação no momento em que a equipe econômica tenta recuperar a credibilidade. Afinal, oficialmente, o único instrumento para conter os preços é a taxa de juros. Além disso, a cotação maior da moeda americana favorece a volta do equilíbrio nas contas externas e também a retomada do crescimento da indústria exportadora.

 

___________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Parte do jogo do ajuste econômico

Lucianne Carneiro

Longe de uma direção clara, o noticiário econômico de ontem apresentou sinais contraditórios. Em um momento de inflação pressionada, o Banco Central indicou que mais altas de juros podem vir por aí. Enquanto isso, em Bruxelas, a presidente Dilma Rousseff sugeriu que a população deve continuar consumindo e atribuiu ao câmbio parcela de culpa pela alta da inflação. Ao mesmo tempo, o mercado financeiro ainda digeria o anúncio de que o BC vai reduzir sua ação no câmbio, o que tende a contribuir para uma alta de dólar.

E ainda teve anúncio da Caixa de que está reduzindo juros do financiamento de veículos. Não parece, mas é a mesma Caixa que aumentou as taxas e piorou as condições para o crédito habitacional. Os dois tipos de financiamento ( imobiliário e de automóveis), porém, usam fontes de financiamento distintas —e a dificuldade maior da Caixa é a captação de poupança, que financia a casa própria.

— Os sinais serão sempre trocados em momentos de ajuste. É parte do jogo. Aconteceu no governo Fernando Henrique Cardoso, no governo Lula e muitas outras vezes. Todo ajuste é traumático. A presidente tem obrigação de dizer em público para as pessoas consumirem mais, embora não necessariamente seja este o discurso do governo — diz o professor da PUC- Rio Luiz Roberto Cunha.

Para o ex- diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas, o pedido para a população consumir mais “na prática é impossível”, diante da alta dos juros e da piora no emprego. Mas ele não vê contradição na decisão do BC no câmbio:

— A alta do dólar é ruim para a inflação, mas é boa para a atividade econômica. Se já existe uma alta de juros que vai agir sobre a inflação, é possível deixar o dólar subir.

___________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Caixa baixa juros para compra de veículos

Ana Paula Machado

Em uma tentativa de aquecer o setor automotivo, taxa de 1,15% cai para 1,09% ao mês para clientes do banco

- SÃO PAULO- A Caixa Econômica Federal anunciou ontem redução de juros do financiamento de veículos novos, numa tentativa de reanimar o setor, que vem amargando quedas recordes nas vendas. Durante o “Salão Auto Caixa”, de 18 e 20 deste mês, a taxa mínima para aquisição de veículos por clientes do banco vai cair de 1,15% para 1,09% ao mês. A promoção também terá a participação do Banco Pan ( que tem participação da Caixa), para oferecer crédito a correntistas de outros bancos. Neste caso, os juros ainda não estão definidos.

Segundo o Banco Central, a taxa média na aquisição de veículos foi de 1,85% em abril, percentual que considera também os juros praticados na compra do carro usado. A expectativa é liberar até R$ 1 bilhão em financiamentos durante o feirão, mesmo valor registrado na edição de dezembro do ano passado. Um terceiro salão está previsto para novembro. No mês passado, a Caixa aumentou as taxas para a compra da casa própria pela segunda vez este ano, por causa da queda nos depósitos na caderneta de poupança, principal fonte de recursos para financiar compra de imóveis.

Durante o anúncio da promoção, Luiz Moan, presidenta da Anfavea, associação que reúne as montadoras, disse que o governo deve publicar neste mês medida provisória que instituirá um programa de proteção ao emprego para setores estratégicos da economia, entre eles o de automóveis. O programa prevê redução da jornada de trabalho, com redução proporcional de salários Parte desse corte salarial, será bancada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador ( FAT). É uma proposta que altera um pouco o modelo já existente de suspensão temporária do contrato de trabalho, o chamado lay- off.

— Vamos, em conjunto com os sindicatos, ao Congresso pressionar para que a medida seja aprovada — disse Moan.

Nesta semana, a Fiat iniciou parada técnica na fábrica de Betim, que vai até o dia 15. Já a General Motors anunciou que vai conceder férias coletivas a seus funcionários em todas as unidades de produção.