Título: Cabeça a prêmio
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 25/08/2011, Mundo, p. 22

Rebeldes oferecem anistia a quem capturar ou matar Muamar Kadafi, enquanto executivo dará R$ 2,5 milhões

Muamar Kadafi vale 2 milhões de dinares líbios (cerca de R$ 2,5 milhões). Vivo ou morto. A recompensa é prometida por um empresário da cidade de Benghazi (leste), o bastião do Conselho Nacional de Transição (CNT). O organismo rebelde revelou ontem que concederá anistia a quem entregar o ditador líbio ou o seu corpo. "Qualquer um do círculo próximo que mate Kadafi ou que o capture terá anistia ou perdão por qualquer crime que tenha cometido", afirmou Mustafa Abdel Jalil, presidente do CNT.

O anúncio foi feito horas depois que Kadafi divulgou nova mensagem de áudio, por meio do canal de tevê sírio Arrai. "Caminhei incógnito, sem que as pessoas me vissem (pelas ruas de Trípoli)", disse. "Convoco os habitantes de Trípoli, os jovens, os idosos a sair às ruas e limpar Trípoli dos ratos", acrescentou, referindo-se aos rebeldes. Foi a segunda declaração do ditador em menos de 24 horas. Durante a madrugada, ele falou à emissora síria Al-Rai e descartou se render. "Estamos resistindo com todas as nossas forças. Vamos vencer ou nos tornar mártires, se Deus quiser", alegou Kadafi, ao classificar a retirada do complexo residencial de Bab Al-Aziziya ¿ tomado pelos insurgentes anteontem ¿ como uma "mudança tática".

Para o norte-americano Richard Falk, especialista em direito internacional pela Universidade de Princeton, o fato de o CNT ter anunciado a anistia a quem matar Kadafi praticamente sela o destino do ditador. "É provável que a "justiça" seja administrada pelos próprios líbios. Nesse caso, a pena de morte seria quase uma certeza", afirmou ao Correio, por e-mail. "O CNT parece temer que Kadafi figure como uma ameaça a suas ambições", emendou. Em 27 de junho, o Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia (Holanda), expediu ordens de prisão para o ditador, para seu filho Saif Al-Islam e para Abdullah Al-Senussi, chefe da inteligência militar. "O TPI não tem autoridade legal para impor a pena de morte ao crime de genocídio. A mais provável sentença a Kadafi seria a prisão perpétua, dada a clareza das evidências sob as quais se apoiam as acusações de ataque deliberado a civis", comenta Falk.

Professor de direito internacional da University of Leicester, o britânico Malcolm N. Shaw QC aposta que Kadafi será condenado pelo TPI a 15 ou a 25 anos de prisão. "Se for capturado, tenho certeza de que o CNT tentaria julgá-lo na Líbia, mas haveria uma forte pressão internacional para que se cumpram os procedimentos legais de um julgamento justo", afirmou, por e-mail. Shaw acha possível que o TPI e o CNT negociem as bases de um tribunal na Líbia. "O TPI não estaria preparado para aceitar a pena de morte, mas os rebeldes poderiam passar por cima da jurisdição de Haia."

Outra forma de julgamento dependeria de uma petição perante a ONU. De acordo com Jens David Ohlin ¿ professor de direito da Cornell University (em Ithaca, EUA) ¿, o novo governo líbio poderia criar um tribunal híbrido ad hoc, formado por juristas líbios e de outros países. "Os advogados estrangeiros forneceriam a expertise e os recursos, enquanto os promotores da Líbia ajudariam a estabelecer a legitimidade da Corte", opina. Os três especialistas consultados pela reportagem veem um exílio de Kadafi como pouco provável. Ohlin explica que a questão é saber se outras nações se importam o bastante com o ditador para carregá-lo nos ombros e sofrer sanções internacionais. "A amizade se torna volúvel quando vale seu dinheiro", brinca.

Símbolo da autocracia de Kadafi, o quartel-general de Bab Al-Aziziya tem sido palco de festa desde sua "queda", na terça-feira. Rebeldes podiam ser vistos com os pés sobre a cabeça de uma estátua do líder, enquanto outros se deixavam fotografar sob as tendas que o ditador usava para receber convidados. O líbio Guma El-Gamaty, coordenador do CNT no Reino Unido, prefere que Kadafi seja capturado vivo e vê o destino do ditador ligado aos juristas líbios. "Se for julgado pelo TPI, ele só responderá pelos crimes cometidos nos últimos seis meses. Na Justiça líbia, seria levado a júri pelos crimes dos últimos 42 anos", admitiu, por telefone. Ele revelou que o CNT anistiará Kadafi se o ditador declarar-se publicamente que não é mais o líder da Líbia.

Quatro jornalistas sequestrados Um grupo leal ao ditador Muamar Kadafi capturou quatro jornalistas italianos, de acordo com Bruno Tucci, presidente da Ordem de Jornalistas em Roma. Os repórteres ¿ dos jornais Corriere della Sera, La Stampa e Avvenire ¿ iam da cidade de Zawiya para Trípoli, quando foram sequestrados. Diplomatas italianos fizeram contato com interlocutores na Líbia, que afirmaram "trabalhar" no tema.