Valor econômico, v. 16, n. 3797, 14/07/2015. Opinião, p. A10

Combate à lavagem de dinheiro e os pacotes contra a corrupção

 

Por Davi Tangerino e Filipe Batich

Em março de 2015, tanto o Governo Federal quanto o Ministério Público Federal e juízes federais apresentaram diversas propostas visando o combate a atos de corrupção. Aparentemente, todas essas medidas têm como finalidade dar uma resposta à sociedade brasileira. As propostas sugeriam que, uma vez acolhidas as recomendações de alteração na legislação, grandes escândalos envolvendo corrupção de agentes públicos, como os que vêm sendo investigados pela Polícia Federal, seriam drasticamente reduzidos ou facilmente descobertos.

Como sempre ocorreu na história brasileira, tais pacotes legislativos vêm permeados pela criação de novos crimes, aumento de penas e o recrudescimento do processo penal retirando garantias constitucionais dos acusados. Essa fórmula, não só no Brasil, é eficazmente utilizada pelo meio político para angariar resultados eleitorais, na maioria das vezes carentes de substrato empírico que demonstre sua eficácia e não submetidas ao debate necessário sobre sua implementação e impacto no sistema de justiça criminal, já que, normalmente, suas tramitações são submetidas a regime de urgência.

Chama a atenção, entre os diversos projetos de lei apresentados, o 855/2015, que trata da criação de dois crimes específicos: fraude à fiscalização eleitoral e lavagem de dinheiro de recursos eleitorais ilícitos. Sem entrar no mérito sobre a necessidade ou não da criação de tais delitos, percebe-se que as iniciativas de emenda à legislação buscam sancionar eventuais irregularidades na contabilidade dos partidos políticos que, por exemplo, podem vir a receber quantias oriundas de crimes como doações oficiais.

Deve-se criar um sistema nacional de combate à lavagem de dinheiro eleitoral, como ocorre nos demais casos

Em clara contraposição à alardeada eficácia de tal medida, as experiências brasileira e mundial no combate à lavagem de dinheiro demonstram que somente a criminalização desse tipo de conduta é incipiente para o tipo de controle almejado pela sociedade.

Desde o final do século passado, órgãos internacionais responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro, como o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi), emitem resoluções que tratam, principalmente, da imposição a setores privados chave da economia do dever de fiscalização para o combate à lavagem de dinheiro como instituições financeiras, corretoras de valores mobiliários, empresas que comercializam metais preciosos ou obras de arte ou bens de alto luxo (gatekeepers), entre muitos outros.

Resumidamente, as imposições legais para os setores responsáveis pela implementação de medidas de controle e prevenção contra a lavagem de dinheiro no Brasil implicam deveres de: registro de operações, comunicações de operações suspeitas ao Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), atenção para descobrir o real beneficiário da uma operação, e, principalmente, a implementação de uma política de lavagem de dinheiro em empresas, com o treinamento de seus funcionários para detectar operações potencialmente suspeitas. Paralelamente, também deve ser implementado um procedimento especial para o controle de transações que envolvam pessoas politicamente expostas, que são políticos ou funcionários públicos de alto escalão ou pessoas próximas a eles, como familiares.

Caso uma política de lavagem de dinheiro não seja implementada ou não seja eficaz, as pessoas físicas e jurídicas que estão submetidas ao combate à lavagem de dinheiro podem ser penalizadas com pesadas multas ou até mesmo ter suas atividades suspensas.

 

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Entretanto, o projeto de lei 855/2015 apenas trata de um dispositivo que criminaliza eventual lavagem de dinheiro de recursos eleitorais ilícitos, sem criar qualquer tipo de mecanismo de controle e prevenção. Sabe-se que são os mecanismos de controle e prevenção os mais eficazes na descoberta e persecução penal da lavagem de capitais.

Nesse sentido, é de suma importância que durante a tramitação do projeto, seu texto seja emendado para a criação de um sistema nacional de combate à lavagem de dinheiro eleitoral, assim como ocorre para os demais casos de lavagem de dinheiro.

Esse sistema especial de combate à lavagem de dinheiro deve criar rígidos controles de doações, com a adoção de políticas Know Your Sponsor (KYS), devendo-se exigir elaboração de um registro cadastral das pessoas físicas e jurídicas que realizarem doações e a criação de lista de doações tidas como suspeitas, as quais devem ser imediatamente noticiadas às autoridades competentes. A exemplo das pessoas politicamente expostas, dar especial atenção aos recursos advindos pessoas físicas e jurídicas que possuam qualquer relação com o setor público brasileiro, como funcionários públicos, concessionários e de serviços públicos e empresas que prestem qualquer tipo de serviço para a administração pública. Nesta última hipótese, seria necessária a aprovação de alguma autoridade pública para que a doação se realize.

Tais alterações conduziriam à necessidade de os partidos políticos implementarem rígida política de combate à lavagem de dinheiro eleitoral, que não somente deveria punir criminalmente as pessoas físicas nela envolvida, mas sancionar administrativamente os partidos que não a adotassem ou não a implementassem. Como no setor privado, o partido poderia ser sancionado com pesadas multas e suspensão de suas atividades em casos extremos.

É consenso nacional e internacional que não adianta apenas sancionar criminalmente a lavagem de dinheiro envolvendo doações a partidos políticos. A implementação de políticas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro pelos partidos é instrumento de superior eficácia para identificar e auxiliar as investigações dessa infração.

Davi Tangerino é sócio de Trench, Rossi e Watanabe Advogados e professor doutor de direito penal na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Filipe Lovato Batich é advogado associado de Trench, Rossi e Watanabe, mestrando em direito penal na USP e especialista em direito penal econômico pelas universidades de Coimbra (Portugal) e pela FGV-SP.