Título: Salvar os meios de subsistência para salvar vidas
Autor: Diouf, Jacques
Fonte: Correio Braziliense, 25/08/2011, Opinião, p. 21
Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
A tragédia humanitária no Chifre da África não deve nos cegar para o fato de que uma catástrofe ainda maior é iminente, a menos que os governos nacionais, em parceria com a comunidade internacional, atuem para combater as causas fundamentais da crise.
O mundo tem a responsabilidade coletiva de responder com urgência às necessidades alimentares dos milhões de pessoas passando fome na região. No entanto corremos o risco de que a situação de outros milhões de pessoas piore amanhã, se não atuarmos com a mesma urgência e de forma simultânea à resposta de emergência para garantir os meios de subsistência da população para que ela possa produzir os próprios alimentos.
Em termos concretos, trata-se de garantir que agricultores e pequenos criadores de gado ¿ que representam 80% da população do Chifre da África ¿ possam manter seus animais vivos e semear em outubro para a próxima colheita. Para isso, eles precisam receber sementes, insumos básicos, ração animal e assistência veterinária. Caso contrário, nos arriscamos a condená-los a uma crise mais profunda.
Não resta muito tempo, temos cerca de seis semanas. Por essa razão, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) organizou uma reunião operativa de alto nível em 18 de agosto para analisar os planos existentes e exemplos de sucesso entre as ações já em curso que poderiam ser aproveitados e ampliados, se tiverem financiamento.
Mas também é necessário fortalecer a resistência das famílias pobres diante de futuras secas e emergências. Para isso é preciso implantar políticas públicas, criar melhores sistemas de alertas antecipados e de resposta a catástrofes, apoiar a gestão sustentável dos recursos naturais, melhorar os sistemas de irrigação e desenvolver variedades resistentes à seca. Devemos, portanto, apoiar os governos da região na implementação de planos de médio e longo prazo no marco do programa geral para o desenvolvimento da agricultura na África, promovido pela União Africana.
Até agora, a resposta dos doadores para a ajuda agrícola destinada a mitigar a crise no Chifre da África tem sido lenta. A FAO, outros organismos e as ONGs receberam cerca de um terço dos recursos de que precisam. É urgente eliminar o quanto antes esse deficit se quisermos salvar os meios de subsistência da população e, portanto, vidas.
De fato, se a comunidade internacional tivesse atuado mais rapidamente e com mais generosidade, a fome, que agora ameaça propagar-se do sul da Somália ao resto do país, e inclusive além, poderia ter sido evitada. Envergonha-nos que hoje 12,5 milhões de pessoas sejam vítimas de uma calamidade que poderíamos ter evitado.
Em outubro de 2010, a FAO, Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a ONG Oxfam propuseram um plano de ação para o Chifre da África. Esse plano nunca foi implementado por falta de recursos. No ano 2000, eu já havia presidido um grupo de trabalho interinstitucional da ONU que elaborou, em conjunto com os governos da região, um plano de ação para eliminar a insegurança alimentar no Chifre da África, com recomendações que continuam válidas hoje.
Embora não haja desculpas para o ocorrido, há importantes lições a serem aprendidas. A principal delas é que é infinitamente mais barato, em termos financeiros e humanos, para os governos nacionais e a comunidade internacional prevenir situações de emergência humanitária em vez de lidar com elas no meio de uma crise, como agora estamos obrigados a fazer.
A prevenção se consegue contribuindo com os recursos necessários a tempo, muito antes que as fotos de crianças esqueléticas e de barriga inchada cheguem à televisão. E requer o atendimento das necessidades a médio e longo prazo ¿ salvaguardar os meios de subsistência, assim como as vidas.
Dito isso, agradeço a iniciativa da União Africana em convocar uma conferência de alto nível de líderes africanos e agências humanitárias a fim de arrecadar recursos para responder à emergência. A decisão mostra que os países diretamente prejudicados, acompanhados por toda a comunidade africana, lideram a resposta diante da crise, como confirmado na reunião ministerial de emergência organizada pela FAO em 25 de julho, em Roma, a pedido da presidência francesa do G20.
Tenho esperança de que os doadores se mostrem generosos com a Somália e os outros países afetados. E rezo para que essa tragédia sirva para estimular a comunidade internacional a mobilizar seus enormes recursos para eliminar, de uma vez, a palavra fome do vocabulário moderno.