Sabatina durou mais de dez horas; chefe do Ministério Público contou que delator omitiu acusação de pagamento de propina a Eduardo Cunha e depois mudou depoimento porque tinha sofrido ameaças
Por 59 votos a 12, o Senado aprovou ontem a recondução de Rodrigo Janot ao cargo de procurador-geral da República, dando respaldo às investigações da Lava-Jato. Antes da votação em plenário, a Comissão de Constituição e Justiça tinha sido quase unânime: 26 votos a favor de Janot e apenas um contra. A sabatina durou mais de dez horas, com elogios à atuação do procurador- geral na apuração do escândalo e ataques do senador Fernando Collor (PTB), um dos 11 investigados pela Lava-Jato que compareceram à sessão. Janot defendeu o instrumento da delação premiada e afirmou que a multa do lobista Júlio Camargo foi aumentada por ele ter omitido, num primeiro depoimento, acusação de pagamento de propina ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Segundo o procurador, a revelação só foi feita em depoimento posterior porque o delator estava sob ameaça. -BRASÍLIA- Após 10 horas de uma sabatina marcada pela presença de 11 dos 13 senadores investigados na Operação Lava-Jato, pela disposição ao ataque do senador Fernando Collor (PTBAL) e por um forte embate político, a recondução de Rodrigo Janot ao cargo de procuradorgeral da República foi aprovada numa rápida votação no plenário do Senado com 59 votos a favor, 12 contrários e 1 abstenção. Um pouco antes, Janot tinha sido aprovado por 26 votos a um na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A tranquila recondução dá respaldo a Janot para continuar as investigações da Lava-Jato. Na sabatina, o procurador-geral negou a existência de qualquer “acordão” com o governo Dilma Rousseff para deixar de investigar determinadas autoridades e defendeu o trabalho feito pelo Ministério Público Federal.
Janot foi o mais votado da lista tríplice elaborada pela Associação do Ministério Público e indicado ao cargo por Dilma. Precisava de pelo menos 41 dos 81 votos para ser mantido no cargo. A aprovação dá a Janot mais dois anos à frente do MPF e das investigações envolvendo dezenas de autoridades com foro privilegiado na Lava-Jato.
Na sabatina, com exceção do embate com Collor, primeiro senador denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por conta das suspeitas de desvios da Petrobras, não houve incômodos maiores a Janot. As investigações da Lava-Jato monopolizaram o debate e as perguntas dos senadores. Tramitam no STF inquéritos para investigar 13 senadores, 22 deputados e 12 ex-deputados. Uma nova lista de políticos investigados será revelada. Janot enviou ao STF pedidos de abertura de inquérito para autoridades citadas pelo delator Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC.
Na CCJ, os oito senadores titulares que são investigados no STF participaram da votação secreta na sabatina. São eles: Romero Jucá (PMDB-RR), Valdir Raupp (PMDB-RO), Edson Lobão (PMDB-MA), Benedito de Lira (PP-AL), Ciro Nogueira ( PP- PI), Humberto Costa ( PTPE), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Antonio Anastasia (PSDB-MG). Collor, suplente, registrou seu voto, mas este acabou não sendo computado porque os titulares de seu bloco parlamentar também votaram. Lindbergh Farias (PT-RJ) e Gladson Cameli (PP-AC) participaram da sabatina, sem votar. Dos senadores investigados, apenas Renan Calheiros (PMDB-AL), e Fernando Bezerra (PSB-PE) não foram à sabatina.
A seguir, os principais temas tratados:
SEM “ACORDÃO” COM DILMA
O procurador-geral negou “veementemente” a existência de “acordão” com o governo Dilma e chamou esse tipo de acusação de “factoide”.
— Acho engraçado como esses factoides aparecem. Eu nego veementemente a possibilidade de qualquer acordo que possa interferir nas investigações.
Ele afirmou que, para fazer um eventual “acordão”, teria de tratar do assunto com 20 colegas procuradores que o auxiliam no gabinete e com os delegados da Polícia Federal que investigam políticos com foro privilegiado.
— Isso aí é uma ilação impossível.
INVESTIGAÇÃO DA PRESIDENTE
O senador Aécio Neves (PSDB-MG), derrotado na disputa presidencial em 2014, cobrou de Janot investigação sobre atos da presidente Dilma. O procurador-geral já havia deliberado, nos primeiros pedidos de abertura de inquéritos da Lava-Jato no STF, que a presidente não pode ser investigada por atos anteriores ao exercício do mandato. Na mesma ocasião, Janot decidiu não pedir abertura de inquérito sobre Aécio.
O senador sugeriu que o MPF investigue Dilma normalmente e, se houver crime, deixe para responsabilizá-la quando acabar o mandato:
— A jurisprudência mais moderna do STF é no sentido de que não pode haver investigação, pois ela se destina exclusivamente à responsabilização. Além disso, o prazo prescricional fica suspenso, e não há prejuízo para as investigações, que são técnicas e não se deixam contaminar por fatores políticos — respondeu Janot.
DELAÇÕES NA LAVA-JATO
Janot defendeu o instrumento da delação premiada e disse que um delator “não é um dedo-duro, um x-9, um alcaguete”. A pergunta sobre a delação partiu do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator na CCJ da indicação do procurador- geral. O parlamentar criticou Dilma por ter dito que “não respeita delator” e por ter comparado esse tipo de colaborador com delatores na ditadura militar.
— O colaborador não é um dedo-duro, um x-9, um alcaguete. Ele tem de reconhecer a prática do crime, confessar a prática do crime e dizer quais são as pessoas que estavam também envolvidas na prática daqueles delitos. A lei é sábia e aprendeu com atos normativos estrangeiros que dizem que, caso se impute falsamente acusação a terceiros, o delator comete um crime — disse Janot.
Segundo procurador-geral, o “mero depoimento” não pode ser utilizado como prova:
— O que temos de fazer é comprovar aquelas circunstâncias e a vinculação das pessoas. Compete ao Ministério Público fazer essas comprovações. Aí sim o depoimento do delator ganha força. A delação tem a vantagem de acelerar as investigações. Investigação é tentativa e erro. Se você não encontra o caminho, você arquiva. Se encontra, denuncia. Os depoimentos tornam mais célere o instrumento penal. É um instrumento poderoso a delação premiada.
“MEGAESQUEMA DE CORRUPÇÃO”
— Concordo que a Petrobras foi e é alvo de um megaesquema de corrupção, um enorme esquema de corrupção — disse Janot. — Eu, com 31 anos de Ministério Público, jamais vi algo precedente. Esse esquema de corrupção chegou a roubar nosso orgulho. Por isso que a gente investiga a fundo.
O procurador-geral disse não haver futuro se houver condescendência com a corrupção:
— Não há país possível sem respeito à lei. O que tem sido chamado de espetacularização da LavaJato nada mais é do que a aplicação de princípio fundamental da República: todos são iguais perante a lei. Pau que dá em Chico dá em Francisco.
TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
Questionado pelos senadores se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se enquadraria na Lava-Jato com base na teoria do domínio do fato, Janot respondeu em tese que é necessário ter provas da participação da pessoa no crime.
— A teoria do domínio do fato não dispensa prova. Ela permite se alcançar a pessoa que não é o executor, que é o mentor do delito. Mas tem que haver prova. Não pode haver prova transitiva. A investigação está seguindo. Os processos no Supremo Tribunal Federal (STF) começaram em março. A Lava-Jato dura cerca de 500 dias. Inúmeras denúncias foram oferecidas. O procurador explicou os impedimentos: — A teoria do domínio do fato, como ideia geral, é sobre uma pessoa que pode comandar um esquema criminoso ou pode impedir a realização do crime. Depende de prova, e não é de aplicação meramente transitiva — disse.
“PEDALADAS FISCAIS”
Janot afirmou que está em andamento na PGR um procedimento sobre eventual implicação penal das pedaladas fiscais, a partir de uma representação da oposição. Disse que, nesse momento, aguarda resposta da Presidência da República sobre o tema. Ressaltou, porém, que esse processo na PGR não depende da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o tema.
— Realmente não precisa aguardar a investigação do TCU. Nossa investigação é técnica e não se deixa contaminar por qualquer aspecto político.
PROCURADOR ELEITORAL
O procurador-geral rebateu questionamentos sobre a atuação do vice-procurador-geral eleitoral Eugênio Aragão, que o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) disse ser simpático ao PT.
— Esse colega foi indicado por mim e merece minha confiança. Toda a atuação no TSE é feita perante o Judiciário. Quem decide é o Judiciário. O Ministério Público atua de forma autônoma e independente — disse.
JÚLIO CAMARGO E EDUARDO CUNHA
O procurador-geral afirmou que a multa aplicada ao lobista Júlio Camargo foi elevada porque ele inicialmente omitiu, em sua delação, o envolvimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Não houve punição maior porque a Lava-Jato acreditou na nova versão.
— Teve como consequência o agravamento da pena de multa. Não teve nenhuma outra consequência porque nós nos convencemos que ele estava em estado de ameaça. Não falou antes porque tinha receio por sua própria vida. Nessa retificação que ele faz, a espontaneidade dele é visível. “Eu temo pela minha vida”, ele disse. “Só voltei agora porque a investigação chegou a um ponto que minha omissão está clara, mas continuo temendo pela minha vida”, ele disse.
Eles ficaram frente a frente por mais de três horas. De um lado, o senador Fernando Collor (PTB-AL) — disposto a constranger o adversário. De outro, o procurador Rodrigo Janot. Suplente na CCJ, Collor se sentou na primeira fileira, de onde podia encarar o sabatinado. Quando chegou sua vez de perguntar, o senador questionou contratos feitos pela Procuradoria Geral da República com empresa de assessoria de imprensa e o aluguel de um imóvel; afirmou que Janot protegeu, em 1995, um parente que era procurado pela Interpol, escondendo-o em uma casa em Angra dos Reis; e acusou Janot de ter advogado para uma empresa contra os interesses da União.
Mas o senador não ficou só nas perguntas. Voltou a xingar o chefe da PGR. Segundo testemunhas, Collor sussurrou, sem ter o som captado pelo microfone, as palavras “calhorda” e “filho da puta”, durante uma das repostas de Janot.
Collor afirmou que o procuradorgeral da República é "catedrático" no vazamento de informações. Rodrigo Janot reagiu, negou todas as acusações e acabou dizendo que não é um “vazador contumaz”.
— Sobre vazar informações, estamos diante de um catedrático. Vazar informações que correm em segredo de Justiça e violar o segredo de Justiça. Quem está dizendo quem vaza não sou eu. O ministro Teori Zavascki já afirmou que o vazamento ocorreu na ProcuradoriaGeral da República — disse Collor, que foi denunciado por corrupção na semana passada.
— Alguns veículos de comunicação deram nomes da “lista de Janot”. Alguns acertaram nomes, outros erraram nomes. Não se vaza nomes que não estão na lista. Eu sou discreto, não sou um vazador contumaz — respondeu Janot.
Para pôr em dúvida a discrição do procurador, Collor lembrou episódio em que Janot se deixou fotografar com um cartaz levado por manifestantes no qual estava escrito que ele é a “esperança do Brasil”.
O senador também disse que Janot ajudou a esconder na sua casa um parente que era procurado, com alerta vermelho, pela Interpol. Collor afirmou que o fato ocorreu em 1995. Janot respondeu que se tratava de um irmão dele, que era acusado na Bélgica, e que não atuou no caso. Afirmou que não se aprofundaria porque o irmão já morreu:
— Em respeito aos mortos, meu irmão é falecido há mais de cinco anos, não participarei dessa exumação pública de um homem que não pode se defender.
Collor questionou ainda a contratação da empresa Oficina da Palavra para fazer assessoria de imprensa da PGR. Ele disse que os contratos e aditivos totalizam R$ 940 mil. Questionou também o fato de o jornalista Raul Pilati, que atuava na Oficina da Palavra, ter sido contratado posteriormente como secretário de Comunicação na PGR. O senador leu um ofício encaminhado a Janot por servidores da PGR questionando a contratação da empresa e perguntando se o objetivo era vazar informações.
Janot defendeu a regularidade das contratações da empresa e do jornalista. Ao fim do embate, Collor saiu sem falar com a imprensa.