Valor econômico, v. 16, n. 3796, 11/07/2015. Brasil, p. A2

 

Política fiscal é âncora para as expectativas

 

Por Angela Bittencourt

O mercado financeiro manda um recado ao governo: a política fiscal é, hoje, o principal instrumento de ancoragem das expectativas de inflação. A política monetária foi alforriada de sua intensa atividade há 15 dias, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) reduziu o intervalo de tolerância da meta de inflação de 2 pontos percentuais para 1,5 ponto. Esse é o quanto o indicador pode variar - para cima e para baixo - da meta central mantida em 4,5% para 2017. Automaticamente, o teto da banda de inflação recuou de 6,5% para 6% ao ano, o que foi interpretado como uma renovação do compromisso do BC com o controle dos preços e sem que a instituição fosse acusada de mudar as regras no meio do jogo.

O mercado dispensou ao BC uma avaliação tão séria quanto essa, quando a política monetária foi acionada para erguer a Selic da mínima histórica de 7,25%, e o juro real de um fantasioso 2%. Dois anos depois, a mesma taxa ensaia valer quase o dobro e a margem que supera a inflação é quatro vezes maior. E dificilmente poderá subir ainda mais sem que a economia, já combalida, sofra um colapso.

Esse juro parrudo credencia o Brasil como um dos destinos preferidos do dinheiro sem pátria que busca a multiplicação com o 'carry trade', ainda que neste momento a Rússia seja mais atraente, como relata José de Castro, na página C2. Essa operação, em que investidores tomam financiamento com juro mais baixo para aplicar em países com taxas mais altas, é um achado para o capital estrangeiro, mesmo com a interminável contagem regressiva para o início da elevação dos juros nos EUA. Por ora - talvez por muito tempo - qualquer remuneração acima de zero leva os investidores ao delírio, porque nas economias maduras o dinheiro ainda vale zero ou até taxa negativa.

Repatriação de capital está na pauta do Congresso

A satisfação dos investidores - também um sintoma do uso da política monetária ao exagero - tem sido bancada, porém, por tantos desequilíbrios na economia brasileira, que já não espanta a fatura bilionária que o juro nominal pendura nas contas do governo. Em 12 meses encerrados em maio, essa conta chegou a R$ 408,8 bilhões, ou 7,22% do PIB, e explicou (obviamente) quase todo o déficit nominal do setor público, de R$ 447,2 bilhões ou 7,9% do PIB no mesmo período.

Esse custo absurdo justifica a inquietação do setor privado, e não só do mercado financeiro, com a disciplina das contas públicas. Os resultados dessas contas não sugerem melhora à vista mesmo em quase sete meses do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e de sua equipe econômica chefiada por Joaquim Levy, ministro da Fazenda. No resultado do setor público não transparece o ajuste fiscal proposto pela equipe, que antes da posse, em janeiro, preocupava-se em anunciar metas de superávit primário de 1,2% do PIB para 2015 e 2% do PIB para 2016 e 2017. Essas metas eram críveis naquele momento.

Ninguém diz, mas é um alívio que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) tenha apresentado uma emenda para reduzir a meta fiscal deste ano para 0,4% do PIB. Essa mudança reduz, de R$ 66 bilhões para R$ 22 bilhões, a economia exigida do governo para pagamento de juros, mas falta dinheiro, que se não for providenciado, poderá levar agências de classificação de risco de crédito a tomar do Brasil o selo de "bom pagador". Risco que não dá para correr, porque o crescimento da economia depende de investimentos pesados e de prazos longos, que interessam muito aos estrangeiros. Mas esses investidores emprestam para quem paga.

Meio ano passou e, nesta semana, o Congresso Nacional faz um esforço concentrado para votar projetos e medidas provisórias pendentes. A reforma política é prioridade para os parlamentares. O pacto federativo é prioridade de governadores. A equipe econômica tinha como prioridade a votação do projeto de lei que propõe reduzir a desoneração da folha de pagamento de 56 setores da economia. O país não pode prescindir de bilhões de reais em arrecadação de impostos. A votação do projeto ficou para agosto, depois das férias dos deputados e senadores.

Para ter sossego entre 18 e 31 de julho - período de recesso estabelecido na Constituição - o Congresso precisa aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), acolheu a sugestão de uma agenda feita pelo senador Walter Pinheiro (PT-BA). Hoje, segunda-feira, terça e quarta serão dias dedicados à votação de projetos. E a quinta-feira, dia 16, já tem sessão reservada para deliberar sobre os vetos que Dilma cravou em algumas propostas aprovadas e que foram encaminhadas pelo parlamento.

Entre os projetos que serão votados, possivelmente amanhã, tem um que interessa particularmente ao mercado por defender a repatriação de capital que brasileiros têm no exterior para que o país possa enfrentar este momento crítico - crítico também por falta de dinheiro. É bom lembrar. O projeto do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) prevê a taxação do capital em 17,5% de Imposto de Renda e mais 17,5% de multa.

Isso feito, o dono do dinheiro fica quites com o Fisco e os 35% arrecadados (do total repatriado) será o primeiro aporte para o fundo de compensação aos Estados que tiverem perdas com a centralização de alíquotas do ICMS - outra proposta a ser apreciada pelo Congresso.

Três gestores baseados em Nova York conversaram sobre a 'repatriação' com a coluna, na sexta-feira. Dois entendem que a medida faria muito sentido, se as condições da economia brasileira fossem similares a 2009/2010. "Sem perspectiva de melhora econômica, e com a moeda se desvalorizando, o interesse pela repatriação não deve ser alto", disse um dos executivos. O terceiro diz que a medida seria bem-vinda. "O Brasil já autorizou repatriação no passado. Pagar 35% ao governo pode ser um alívio para o investidor. Para o governo, uma demonstração de maturidade. Desde que, a repatriação não se torne instrumento de perseguição a esses brasileiros."

Estima-se que brasileiros tenham R$ 200 bilhões no exterior, o que daria R$ 70 bilhões ao 'Fundo do ICMS'. Um bom dinheiro.

Angela Bittencourt é repórter especial.

E-mail: angela.bittencourt@valor.com.br