A reforma administrativa preparada pelo governo Dilma Rousseff, com a intenção de enxugar a máquina pública, está gerando turbulência não só por desalojar aliados de seus cargos, mas também pelos planos de fusão ou desmembramento de ministérios e realocação de autarquias. Um desses casos é a transferência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ( Incra), atualmente subordinado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para o Ministério da Agricultura, comandado pela ruralista Kátia Abreu ( PMDB-TO). Tanto o Incra quanto o MDA são feudos petistas.
DIVULGAÇÃOSede da Agricultura. Ministério pode passar a incluir parte do Incra e o Ministério da Pesca— Haverá problemas gravíssimos. O Ministério da Agricultura funciona com o agronegócio, e o Incra, com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). É água e óleo, esses dois não sentam juntos. É juntar o Caiado com o Stédile — disse o líder do PT na Câmara, deputado Sibá Machado (AC), citando o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), da bancada ruralista, e o líder do MST João Pedro Stédile.
A transferência do Incra, em estudo, ocorreria na esteira da junção do Ministério do Desenvolvimento Agrário com o do Desenvolvimento Social, que resultaria no Ministério da Cidadania. Setores do PT defendem que o mais adequado seria passar o Incra para o Ministério da Justiça, também comandado pelo partido.
Uma possibilidade debatida para minimizar o potencial de conflito é desmembrar o Incra. A parte de regularização fundiária ficaria com o Ministério da Agricultura, e a da reforma agrária e assistência aos assentados, com o Ministério da Cidadania. O Ministério da Agricultura deve alojar ainda o Ministério da Pesca, que viraria uma secretaria.
O PT também está insatisfeito com os planos de tirar o status de ministério de secretarias como da Igualdade Racial e de Políticas Para as Mulheres, comandadas pelo partido. Petistas afirmam que a medida seria um retrocesso e citam medidas como a política de cotas para dizer que as secretarias foram bem-sucedidas. Eles afirmam ainda que o fortalecimento dessas secretarias, ao receberem status de ministério, fez com que governos estaduais replicassem a experiência e também criassem suas próprias secretarias para tratar desses segmentos.
‘ESTÁ TODO MUNDO APAVORADO’
O fato de o governo ter anunciado, na última segunda- feira, a intenção de cortar dez pastas, sem especificar quais, gerou um clima de incerteza na Esplanada dos Ministérios.
— Está todo mundo apavorado — disse um ministro da coordenação política.
O ministro Armando Monteiro (Desenvolvimento), do PTB, disse ontem não acreditar que sua pasta incorpore a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, que atualmente tem status de ministério e é comandada por Guilherme Afif Domingos (PSD):
— Eu acho que essa hipótese não está posta, e o governo, na minha avaliação, não pode prescindir da colaboração dele (Afif ), que tem sido muito atuante.
Desde terça-feira, a presidente vem se reunindo com ministros que devem ser afetados pela reforma, seja com a ampliação de suas pastas ou com a incorporação delas por outras mais fortes. Ela já esteve com José Eduardo Cardozo (Justiça), que pode herdar a Secretaria de Direitos Humanos e até as de Mulheres e da Igualdade Racial; com Jaques Wagner (Defesa), que precisa solucionar como se dará a perda de status de ministério do Gabinete de Segurança Institucional; com Aloizio Mercadante (Casa Civil), que deve abrigar a Secretaria de Relações Institucionais; com Kátia Abreu (Agricultura), cuja pasta deve incoporar o Ministério da Pesca; e com Armando Monteiro (Desenvolvimento). Afif, titular da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, também conversou com Dilma.
Depois de dez anos em tramitação na Câmara dos Deputados, foi aprovada ontem à noite em plenário, em primeiro turno, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dá a titulares de cartórios que não fizeram concurso público o direito de permanecer no posto. Apelidada de “trem da alegria”, a PEC dos Cartórios foi aprovada por 333 votos a favor e 133 contra. A emenda ainda terá que ser apreciada em segundo turno e, depois, irá para o Senado.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é contra a PEC. Levantamento feito no ano passado pela Corregedoria do órgão mostrou que, dos 13.785 cartórios do Brasil, 4.576 ainda estão ocupados por interinos não concursados. Se for aprovada pelas duas Casas, a PEC vai assegurar cargo vitalício para quem exerceu as funções durante o período sem regulamentação, de 1988 a 1994.
O lobby em relação a essa emenda sempre foi muito forte por parte dos não concursados, que lotavam o Salão Verde e as galerias pressionando os deputados. Já os titulares lutavam para evitar que a medida fosse aprovada. Todas as vezes que a matéria entrou em pauta até ontem, provocou uma corrida à Câmara. Ontem, Cunha avisou que faria com que a questão fosse finalmente enfrentada.
A emenda foi apresentada em 2005 pelo deputado João Campos (PSDB-GO). Em maio de 2012, um texto que restringia a efetivação dos interinos foi derrotado pelo plenário, mas os que defendiam a PEC original de Campos não tiveram força para aprovar seu texto, devido à repercussão negativa.
A lei que regulamentou a exigência de concursos, de 1994, diz que, quando um cartório fica vago, o Tribunal de Justiça tem seis meses para oferecer o concurso público. Campos diz que a demora de 10 ou 15 anos para realizar o concurso não pode prejudicar os interinos.
Historicamente, os tabeliães eram nomeados por governadores. A concessão do serviço era hereditária. A Constituição de 1988 estabeleceu a necessidade de aprovação em concurso público, mas a regra só foi regulamentada por lei em 1994. Em 2009, o CNJ baixou resolução obrigando os Tribunais de Justiça a abrir concurso para preenchimento das vagas.
Apesar de serem organizações privadas, os cartórios são concessão do poder público. O lucro decorre de taxas cobradas por serviços compulsórios, como registros de firmas, atas, documentos, procurações, casamentos, testamentos e imóveis.
Para permanecer no cargo, os interinos argumentam que têm direito adquirido para exercer a atividade. O CNJ enviou um parecer aos presidentes da Câmara e do Senado alertando para a inconstitucionalidade da PEC. O Executivo tem a mesma posição do Judiciário.
Os sinais estavam lá desde pelo menos junho do ano passado. Vinham muitas vezes de órgãos do próprio governo, como Banco Central e Ministério do Trabalho. O setor privado — instituições bancárias, agências de classificação de risco, institutos de pesquisa — também avisava. Mas, para a presidente Dilma, em agosto de 2014 ainda “não dava para saber” o tamanho da crise na economia. A declaração foi dada por Dilma na última segunda.
Em junho de 2014, relatório do Itaú mostrava que o setor público tinha déficit primário de R$ 11 bilhões em maio, o pior resultado para o mês desde 2002. E destacava que o superávit acumulado no ano (de 1,5% do PIB, abaixo dos 2,4% em 2013) era o menor já registrado na série histórica.
Em agosto, a FGV apontava perdas na indústria da construção (-9,1%) e de transformação (-7,6%) na comparação do 2º trimestre em relação a igual período de 2013. Naquele mês, o apresentador William Bonner, ao entrevistar Dilma, disse que a inflação estava “em 6,5%” e que a economia “encolheu 1,2%”.
No mês seguinte, o FMI informou que o país se tornara, em 2013, a nação emergente com o maior déficit externo. Ainda em setembro, o IBGE mostrou que, em 2013, a taxa de desemprego subira a 6,5%, frente a setembro de 2012. Não crescia desde 2009.