Ameaça no paraíso

26/07/2015 

Warner Bento Filho

 

Região tem uma das maiores biodiversidades do mundo (Haroldo Pallo Jr/Divulgação)

Região tem uma das maiores biodiversidades do mundo

 


A Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul decidiu vai abrir fiscalização para apurar ilegalidades na conversão de áreas do Pantanal em lavouras de soja. Se alguém estiver dentro, vamos autuar, garante a secretária de Meio Ambiente do Estado, Ana Luiza Peterlini.

As lavouras de soja e outros grãos, como o milho, até então restritas às áreas altas que circundam o Pantanal, desceram para a planície, atraídas pelos baixos preços das terras e pela expectativa de criação da hidrovia Paraguai-Paraná. Especialistas alertam para a possibilidade de danos irreversíveis à região, que detém uma das maiores biodiversidades do mundo e é vital para a manutenção de criadouros naturais de peixes, para a purificação de grandes volumes de água e para a regulação dos regimes dos rios.

Uma série de estudos liderada pelo médico toxicologista Wanderlei Pignati mostrou que a conversão de florestas em lavouras na Região Norte do Estado provocou exposição de 136 litros de agrotóxicos por habitante em 2010. Análise feita no município de Lucas do Rio Verde identificou contaminação em 83% dos poços de água da cidade e ainda em 56% das amostras de chuva e em 25% das de ar.

As consequências de contaminação semelhante no Pantanal seriam terríveis, de acordo com Pignati. Podemos esperar um quadro bastante triste, diz.

Um dos epicentros da expansão das lavouras no Pantanal está na região de Cáceres, principal município mato-grossense abrangido pelo bioma, onde a atividade encontra apoio da prefeitura e de grandes empresas dispostas a investir. Uma única empresa, a Grendene, divulga planos para produzir no município 40 mil toneladas de soja nos próximos anos, em propriedade de 45 mil hectares onde a principal atividade é a criação de gado.

Rebanho
Cáceres detém o maior rebanho bovino do Estado cerca de 1 milhão de cabeças de acordo com estudo do economista Sérgio Schlesinger. A expansão das lavouras de soja se dá justamente sobre áreas de pasto degradadas, segundo os produtores. Segundo com Schlesinger, a história da soja em Cáceres conta menos de 10 anos. O plantio, no entanto, vem crescendo nos últimos anos, principalmente sobre as áreas degradadas de pastagem. Uma das razões para isso é o valor da terra. Um hectare naquela região vale cerca de 25% dos preços praticados no município de Sorriso, maior produtor de soja do país.

É para a região de Cáceres, também, que está prevista a construção do porto de Morrinhos, vinculado à implantação da hidrovia, que possibilitará a saída de grandes comboios para o Sul, em direção à Bacia do Rio da Prata. Para o trecho entre Corumbá e Cáceres, estão previstas obras para permitir a navegação de embarcações de maior calado: dragagens, regularização do leito do rio, retirada de rochas e modificações no canal natural do rio. As intervenções podem causar impactos, como o aumento da velocidade das águas e alterações no pulso de inundação do Pantanal.

De acordo com o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), a hidrovia pode reduzir em 25% os custos do transporte da soja na região. Já o Movimento Pró-Logística, que reúne produtores, estima que a redução pode chegar a 34% num raio de 400km de Cáceres, onde a pecuária já está estabelecida. Estimativas oficiais apontam que a hidrovia poderá transportar anualmente 30 milhões de toneladas de grãos produzidos na região.

Os agricultores, no entanto, não pretendem esperar pelas obras do porto de Morrinhos e apostam na construção de uma estação de transbordo em área particular a 80km de Cáceres. O projeto, conhecido como Santo Antônio das Lendas, está pronto e aguarda conclusão de estudo de impacto ambiental, segundo o diretor executivo do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz Ferreira.

De acordo com o diretor técnico da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Nery Ribas, os primeiros resultados das experiências com soja em áreas de pastagens degradadas têm sido fantásticos. Segundo ele, o processo inclui o uso de herbicida na dessecação da pastagem, para a implantação de lavoura de soja ou milho, em geral com variedades transgênicas.

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Pacto pelo futuro

A necessidade de preservar e de recuperar áreas nas nascentes dos rios que abastecem o Pantanal e garantem o seu equilíbrio uniu prefeituras municipais, governo do estado, empresas e organizações não governamentais. O Pacto das Cabeceiras do Pantanal reúne 25 municípios, que se comprometem a desenvolver ações em prol do bioma. 

A região das cabeceiras do Pantanal é vista como o nascedouro e o garantidor do bioma. Estudo liderado pela ONG WWF-Brasil há dois anos disparou o alarme: o paraíso ecológico exigia ações urgentes para garantir a sobrevivência. O Pantanal pode morrer, adverte o responsável pela iniciativa na ONG ambientalista, Glauco Kimura. 

De acordo com o técnico, a área do pacto abrange as principais nascentes que abastecem o Pantanal. O desmatamento, as hidrelétricas e outras obras mudam totalmente a hidrologia da planície inundável, onde o pulso é o processo ecológico que regula a vida. Se o pulso não existir, o Pantanal tampouco existirá, diz Kimura. 

A secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso, Ana Luíza Peterlini, diz que o governo espera, a partir do programa, discutir o uso sustentável da região. Naqueles municípios, a terra vem tendo usos muito intensos. A maior ameaça é a agropecuária. As ações propostas não vão resolver de vez o problema, mas são um começo, diz. 

Depois de formalizar os acordos, os parceiros buscam agora respostas a uma questão fundamental para a implementação das ações: a origem dos recursos. Uma das alternativas estudadas pelo governo do estado é incluir uma taxa na conta de água, a título de pagamento por serviços ambientais. ( WBF