Desnutrição, o outro mal do Alzheimer

28/07/2015


PALOMA OLIVETO 

Estudo britânico alerta para problemas de carência alimentar e desidratação em pacientes com demência em geral. Deficiências podem agravar a enfermidade e até mesmo provocar a morte dos doentes.

Tudo começa com os lapsos, que progridem para um esquecimento severo. Geralmente, a pessoa se torna mais agressiva e irritadiça que o habitual, podendo, também, ficar depressiva e se isolar socialmente. Esses são os sinais mais evidentes e conhecidos do Alzheimer, doença degenerativa caracterizada pela perda gradual de neurônios. Contudo, há outras comorbidades que podem ser tão graves quanto, mas acabam despercebidas frente aos sintomas devastadores que atingem pacientes, cuidadores e familiares.

Uma delas merece atenção especial, pois não só pode agravar a enfermidade quanto ajudar a encurtar a vida dos doentes: a desnutrição. “Quem conhece um paciente de demência, não só de Alzheimer, já deve ter percebido que, muito frequentemente, acontece uma perda de peso substancial, aparentemente sem explicação”, observa a enfermeira Jane Murphy, pesquisadora do Burdett Trust for Nursing, organização não governamental britânica que financiou um estudo da Universidade de Bournemouth sobre o estado nutricional dos pacientes com demência. O resultado foi apresentado na Conferência Internacional Americana de Alzheimer, na semana passada.

Durante dois anos, Murphy avaliou o índice de massa corporal (IMC) e os prontuários de 150 moradores de casas de repouso da cidade de Dorset que sofrem algum tipo de demência. Houve uma variação muito grande de IMC, cálculo que leva em consideração a altura e o peso dos indivíduos. Ela constatou que 40% dos idosos estavam abaixo do peso ideal. Enquanto alguns pacientes ingeriam 3 mil calorias por dia, outros só recebiam 700 calorias, uma quantidade extremamente baixa — a Organização Mundial da Saúde recomenda, no mínimo, 1.200 calorias para que os órgãos consigam funcionar normalmente. A ingestão de líquidos também não era suficiente: 372ml a 2.025ml, com algumas pessoas longe de tomar os 1.500ml necessários.

A enfermeira também lançou mão de um monitor de atividade física, que determina o gasto energético, a duração do sono e a intensidade de atividades físicas, de forma não invasiva. Alguns idosos chegavam a passar inacreditáveis 23,7 horas sem qualquer tipo de movimento — e não se trata de pacientes acamados, observa Murphy. “A demência é uma condição extremamente complexa, por isso, cuidadores precisam fornecer um suporte muito especializado”, afirma. “A nutrição e a hidratação dos pacientes demandam atenção especial, devido às características desses pacientes. Na maior parte das vezes, eles exibem problemas de coordenação motora ou podem se sentir cansados rapidamente, enquanto outros perdem o apetite devido à dificuldade para mastigar e engolir. À medida que a demência progride, muitos perdem o senso de sede e não percebem que estão desidratados”, afirma.

Negligência

“Infelizmente, essa parte da nutrição é bastante negligenciada quando se trata de pacientes com demência”, observa Emiliano Albanese, pesquisador da Universidade de Gênova e um dos maiores estudiosos sobre nutrição e Alzheimer. “É preciso prestar muita atenção nesse problema. Alguns estudos que revimos quando elaboramos o manual Nutrição e demência, do Alzheimer’s Internacional Disease, indicavam que de 20% a 45% dos pacientes com demência perdiam uma quantidade significativa de peso ao longo de apenas um ano, e que metade daqueles vivendo em casas de repouso tinham ingestão alimentar inadequada”, diz.

Por enquanto, há poucas evidências sobre a relação entre nutrientes, como vitaminas, flavonoides e ômega-3, e função cognitiva. Contudo, já são bem conhecidas as consequências da desnutrição em pessoas com demência. “De forma geral, o impacto da perda de peso e da carência nutricional é significativa no curso da doença, tanto no que se refere aos sintomas cognitivos quanto funcionais”, afirma Albanese. Além disso, o prognóstico geral piora bastante pela perda de massa corporal, aumentando, por exemplo, o risco de quedas, fraturas e infecções. “Pessoas mal nutridas com demência podem precisar ser internadas precocemente e por períodos mais longos e frequentes”, lembra o especialista.

Albanese destaca, ainda, que a taxa de sobrevivência é menor entre pacientes que, além da deterioração neurológica, sofrem de perda rápida de peso e desnutrição. Uma pesquisa publicada no jornal da Sociedade Americana de Geriatria, por exemplo, indicou que a combinação de demência e dificuldade de se alimentar estava associada a 27% dos óbitos ocorridos ao longo de nove meses nas casas de repouso investigadas. Embora a subnutrição seja um fator de risco para qualquer pessoa, ele lembra que, devido às dificuldades motoras e de comunicação impostas pela demência, esses pacientes são os mais prejudicados.

O problema é grave, mas pode ser evitado de formas simples, garante Martin Prince, pesquisador do Observatório Global de Envelhecimento e Demência do King’s College London. “Em primeiro lugar, temos de fazer um diagnóstico simples, incluindo o grau de desnutrição, os hábitos alimentares, as causas potenciais da baixa ingestão calórica, os comportamentos de aversão à comida e o grau de necessidade de assistência para comer”, diz. No caso de pacientes que não têm um nível muito grave de comprometimento cognitivo e motor, ele diz que suporte nutricional básico pode ser suficiente. Mas, independentemente do estágio da demência, Prince alerta que familiares e enfermeiros precisam ser educados para aprender a lidar com as dificuldades e deficiências do paciente. “Educá-los e treiná-los pode melhorar os impactos negativos da doença e a qualidade de vida”, defende.