Valor econômico, v. 16, n. 3800, 17/07/2015. Opinião, p. A12

 

Enquanto isso o rombo fiscal continua aumentando

 

Por Paulo Feldman

Houve uma nítida deterioração dos principais indicadores que avaliam a economia brasileira nestes últimos seis meses. Cresceram a inflação e o desemprego e ficou ainda mais difícil para o governo acertar suas próprias contas e se desvencilhar da enrascada fiscal em que está metido. Isso tudo apesar dos enormes sacrifícios que foram impostos com cortes que chegam a quase R$ 70 bilhões em programas importantes como os da área educacional. Agora a discussão é sobre se os cortes são corretos, se deveriam ou não onerar os programas sociais e se com eles a economia voltará a crescer em 2016 ou se precisaremos esperar até 2017. Essa discussão é importante mas não deveria ser a questão central neste momento.

Pretendemos mostrar neste artigo que o grande vilão da economia hoje se chama taxa de juros - a Selic- excessivamente alta e isto pelos efeitos perversos que ela provoca sobre o crescimento.

O crescimento econômico não é bom apenas por que gera consumo, produção e empregos mas principalmente por que ele gera aumento da arrecadação para o governo poder pagar suas despesas. O inverso, ou seja, uma recessão, elimina empregos, reduz a atividade econômica e com isso cai a arrecadação. Ou seja, o governo está promovendo dificuldades para si próprio ao forçar a queda na arrecadação dos tributos. Por sinal esta não é a única situação em que o governo dificulta sua própria situação fiscal: quando ele promove o aumento da taxa de juros - a Selic- ele piora suas contas pois ele é o maior devedor e essa taxa de juros incide justamente sobre os títulos e dividas que ele próprio deve honrar.

O aumento da despesa com juro será maior que a economia trazida pelos cortes e isso agravará o rombo fiscal

Reparem que no ano de 2014 as despesas de juros do governo atingiram cerca de 5 % do PIB brasileiro. Isso significa que todo esforço fiscal feito pelo ministro Joaquim Levy ao cortar R$ 70 bilhões - 1,1 % do PIB - nos gastos de 2015 se evapora diante do que se vai pagar com despesas de juros que são quase cinco vezes superiores. Na verdade o valor é ainda maior para 2015 pois a previsão é que com as taxas de juros ainda mais altas, as despesas apenas neste item, superem os R$ 380 bilhões. Não teria sido muito mais fácil abaixar as taxas de juros? Nossas simulações mostram que se essa taxa caísse dos 14 %, onde hoje está para algo em torno de 9 %, o montante a ser pago como juros em 2015 iria para R$ 280 bilhões. Portanto haveria uma economia equivalente a R$ 100 bilhões em despesas de juros, o que já é quase 40 % maior que o resultado esperado pelo pacote de ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy.

Por que então o governo não reduz as taxas de juros? Por que está se baseando em uma doutrina ideológica concebida na Universidade de Chicago nos anos 90 e que já esta completamente desmoralizada por não ter funcionado na grande maioria dos países após ter sido testada ao longo dos últimos 25 anos. Aliás, mesmo no Brasil ela não tem funcionado. Em excelente matéria assinada por Roberta Costa e Aline Oyamada, publicada na edição do Valor do dia 5/3/2015 sob o titulo "Brasil segue na contramão de emergentes" as autoras mostravam que a grande maioria dos países já havia percebido que altas taxas de juros só deterioram ainda mais as contas fiscais dos respectivos governos e que o Brasil estava na companhia da Namíbia, Moldávia, Bielorrússia e Quirguistão como um dos poucos países que insistem em aumentá-las.

O Brasil vive um momento difícil em que o meio empresarial está retraído e preocupado e teme investir no seu próprio negócio. Mas isso se torna ainda mais difícil quando o empresário compara sua possível rentabilidade com o que poderá ganhar com os rendimentos oferecidos pelos títulos do governo. Assim ele opta por investir nestes últimos e por isso a taxa de investimento em nosso país é tão baixa. Este é o grande fator de retração na economia com um impacto ainda maior do que o provocado pelo recente pacote de corte de gastos.

Tão grave quanto o temor do meio empresarial é o receio do consumidor de fazer compras a prazo, postergando o seu consumo por temer dificuldades para honrar as extorsivas taxas de juros, que nesse caso seguem a Selic mas são até muito piores, beirando os 120 % ao ano nas compras no crediário e nas compras a prazo. Esse adiamento do consumo que está visível neste momento no Brasil tem criado as maiores dificuldades para o comércio que acaba impactando diretamente a indústria.

 

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Mas há outro efeito bastante perverso da taxa de juros alta que é o fato dela atrair capitais externos para o nosso país, e que para cá vêm em busca dessa remuneração absolutamente inexistente em outros cantos do mundo. Acontece que essa abundância de capital externo, ou seja, a entrada maciça de dólares cria outro problema que é a valorização da nossa moeda, o real. O real forte foi uma das principais causas para a destruição da nossa indústria de manufatura que perdeu mercados no mundo inteiro pois o produto brasileiro é quase sempre muito mais caro que o dos concorrentes. Ao mesmo tempo o real forte nos trouxe outro problema que foi a invasão de produtos importados, boa parte desnecessária, mas que conseguiram mercado graças ao real artificialmente fortalecido.

A verdade é que nas principais economias do mundo as taxas de juros reais são negativas justamente para suportar a atividade econômica. Essa taxa é negativa no Japão, quase zero nos Estados Unidos e, minimamente positiva na Alemanha e na China.

O ajuste fiscal que está sendo levado a cabo pelo Governo vai, sem dúvida, provocar uma melhora no superávit primário mas esta não adiantará nada. Isto por que o aumento da despesa com juro será muito maior que a economia trazida pelos cortes e com isso vai se agravar o rombo fiscal.

A grande questão que os brasileiros deveriam se perguntar é: a quem serve essa taxa de juros exageradamente alta que só deteriora nossas contas?

Paulo Feldmann é professor de economia brasileira da FEA/USP