Dia de pesadelo nas Bolsas

“Um problema maior de desaceleração na China deixa vulneráveis os países emergentes, que já estão frágeis e têm um peso importante para o crescimento global” José Mauro Delella Superintendente de Private Banking do Santander

Temor de que a economia chinesa pise no freio derruba mercados. Ações caem 8,5% em Xangai, arrastando Europa e EUA. No mundo, pregões perdem US$ 4,8 trilhões. No Brasil, Bovespa recua 3,03%. Recessão, juros altos e déficit fiscal reduzem blindagem brasileira

O temor de que a economia chinesa vá sofrer um freio mais intenso do que o previsto derrubou os mercados globais. A Bolsa de Xangai caiu 8,5% e arrastou os pregões europeus, que sofreram perdas de mais de 4%. Nos EUA, a Bolsa de Nova York despencou 6,6% na abertura do pregão, e fechou em queda de 3,94%, num dia apelidado de “segunda-feira de pesadelo”. No mundo, evaporaram US$ 4,8 trilhões das Bolsas. Analistas afirmam que a piora no cenário global deve agravar a crise no Brasil, pois ocorre num momento em que o país enfrenta recessão, inflação elevada, juros altos e fragilidade fiscal. A Bovespa fechou em queda de 3,03%, após chegar a cair até 6,5% de manhã. O dólar subiu 1,63%, para R$ 3,552. Em Washington, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o Brasil “está preparado” para enfrentar turbulências. Mas não descartou aumento de impostos em 2016. -SÃO PAULO, RIO E LONDRES- Os temores sobre a economia da China voltaram a derrubar as Bolsas globais ontem, transformando a segunda-feira em um pesadelo para os investidores. O dia começou com um tombo de 8,5% na Bolsa de Xangai, que se disseminou pelo resto do mundo, afetando as cotações de moedas e commodities. Em Wall Street, o índice de referência Dow Jones levou um tombo de mais de mil pontos nos primeiros dez minutos de operação, a maior queda já registrada durante um pregão em seus 120 anos de história. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) abriu despencando 6,5%, intensidade que não se via desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Como o dólar disparava enquanto as ações caíam, o valor da Bolsa cotado na moeda americana caiu abaixo do registrado durante a crise global de 2008, voltando aos patamares de 2005. Em apenas um dia, os mercados globais perderam US$ 4,8 trilhões em valor de mercado.

— Em 2008, nós tínhamos uma situação gravíssima, mas havia uma orquestração de todas as políticas globais para contê-la. Assim, via-se que o problema era uma coisa pontual — explica Rogério Freitas, sócio na Teórica Investimentos. — Hoje, há um questionamento sobre o crescimento da China que não existia naquela época, há o fim do ciclo das com

modities afetando os mercados emergentes e, no Brasil, um problema político-econômico que parece ser algo duradouro. Então a sensação hoje é que esse cenário negativo vai durar por mais tempo.

Na sexta-feira, a Bolsa de Xangai havia caído 4,57%. A expectativa dos investidores chineses era que Pequim anunciasse medidas de estímulo à economia durante o fim de semana, o que não ocorreu. Michael Pettis, professor de Finanças da Escola Guanghau de Administração da Universidade de Pequim, afirma que as medidas tomadas pelo governo chinês até agora não conseguiram estabilizar o mercado. E ele ressalta, ainda, que na China os dados econômicos divulgados pelo governo, usados como base para a tomada de decisões pelos investidores, não são necessariamente precisos ou transparentes.

— Os mercados não são orientados por fundamentos (da economia) e nunca foram. Trata-se de um mercado especulativo. A única maneira de ver os investidores voltarem é se houver eventos que criem um consenso capaz de convencê-los a isso — afirma Pettis. — Eles só investem quando os preços estão muito, muito baixos. Acho que ainda vamos ver muita gente vendendo.

Para o professor da Universidade de Edimburgo Richard Harrison, a falta de transparência da China azedou um cenário que já não era o ideal desde que o crescimento econômico do país abandonou o patamar dos dois dígitos. Para este ano, a projeção está em torno de 7%.

TEMOR SOBRE ECONOMIA CHINESA

Em São Paulo, o índice de referência Ibovespa fechou em queda de 3,03%, aos 44.336 pontos, o menor patamar desde desde os 44.181 de 8 de abril de 2009, em plena crise financeira global. Na pontuação em dólar, que inclui o impacto da variação cambial no índice, o Ibovespa chegou a 12.523 pontos, o menor nível desde 8 de setembro de 2005.

Após reduzir suas perdas a 0,59%, Wall Street voltou a piorar no fim dos negócios, pressionando a Bovespa mais uma vez. O Dow Jones encerrou em queda de 3,57%, enquanto S&P 500 recuou 3,94% e Nasdaq, 3,82%.

Na Europa, o DAX, de Frankfurt, perdeu 4,70%, e o CAC, da Bolsa de Paris, caiu 5,35%. No caso do FTSE, de Londres, a queda foi de 4,67%. Na Ásia, Hong Kong recuou 5,2%, na sétima queda consecutiva, e Tóquio caiu 4,61%.

— Essa forte queda em Xangai preocupa porque sugere que a economia chinesa pode estar perdendo força mais rapidamente do que o imaginado. Para o Brasil, é mais um fator pesando contra — diz Luciano Rostagno, estrategista do Mizuho Bank.

No câmbio, o dólar ganhou força ante as moedas de emergentes, uma vez que o preço das derretia com a expectativa de um freio maior na economia chinesa — esses países são grandes exportadores de matérias-primas, e a China é um dos maiores compradores. No Brasil, a moeda americana encerrou a R$ 3,552, alta de 1,63% ante o real, renovando a máxima em mais de 12 anos — a maior cotação de fechamento desde os R$ 3,554 de 5 de março de 2003.

— Foi um grande movimento de contágio. Um problema maior de desaceleração na China deixa vulneráveis os países emergentes, que já estão frágeis e têm um peso importante para o crescimento global. E se há um problema que abale a situação dos emergentes, isso tem uma implicação nos países desenvolvidos — explica José Mauro Delella, superintendente de Private Banking do Santander.

Ele lembra ainda que há um certo desconforto entre os investidores pelo fato da economia chinesa não reagir, apesar de todos os estímulos que já foram dados pelo governo de Pequim.

— Há uma leitura de que os instrumentos usados até agora não estão surtindo efeito. Ainda assim, a China tem muita reserva e pouca dívida, então tem espaço para continuar atuando — afirmou Delella, acrescentando que essa incerteza deve ser levada em conta pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o que reduziria as chances de alta de juros a curtíssimo prazo.

ÁSIA ABRE NOVAMENTE EM BAIXA

O dólar subiu contra 17 entre 24 moedas de países emergentes, mas, contra as dez principais divisas do mundo, recuou 0,97%, segundo o índice Dollar Spot, da Bloomberg. Isso porque a turbulência nos mercados reduz as expectativas de que o Fed irá subir os juros americanos em setembro. O dólar caiu ao seu menor valor contra o euro e o iene em sete meses.

Na Bovespa, as perdas foram generalizadas. Das 66 ações do índice, 64 fecharam em queda. Apenas Natura (alta de 2,18%) e Hering (1,17%) escaparam. As ações da Petrobras, seguindo a queda dos preços internacionais do petróleo, recuaram 6,50%, cotadas a R$ 7,76 (as preferenciais, PN, sem direito a voto) e 5,43%, a R$ 8,70 (ordinárias, ON, com voto).

No caso da Vale, a queda foi de 7,95% nas PNs e de 7,78% nas ONs, devido ao preço do minério de ferro, cuja tonelada caiu 5,03%, a US$ 53,28. A China é o maior consumidor global do produto.

As siderúrgicas registraram as maiores quedas: Metalúrgica Gerdau caiu 12,46%, e Usiminas, 10,42%.

Os juros futuros, os DIs, dispararam. O contrato com vencimento em janeiro de 2017, por exemplo, avançou 260 pontosbase, de 13,81% para 14,07%. A forte volatilidade fez com que o Tesouro Nacional, pela manhã, suspendesse os negócios no Tesouro Direto.

E não há sinais de que as perdas ficarão no patamar registrado ontem. Na abertura dos mercados asiáticos desta terça-feira (hora local), Xangai perdia 5,8%. Tóquio abriu em queda de 1,99%, mas logo ampliou as perdas, para 3,5%.

 

Pequim está à vontade com crescimento menor

 

Como explicar o que está acontecendo no mercado de ações da China?

A principal questão é que estamos testemunhando uma transformação significativa na economia da China. O governo está se movendo tanto na direção da “mercadificação” de um número crescente de segmentos da economia quanto na da liberalização dos mercados financeiros. Esperava-se que o apoio do governo para esse processo fosse retirado gradualmente. Mas parece que o governo está disposto a retirá-lo mais rápido do que se esperava, pelo menos no que diz respeito à liberalização dos mercados financeiros.

É isso que está gerando tanta incerteza?

Estamos vendo uma bolha no mercado de ações se romper sem muita intervenção governamental. Como a expectativa era a de que o Estado interviria, o que não ocorreu, muitos investidores entraram em pânico, exacerbando, consequentemente, a corre-

ção no mercado acionário.

Os fundamentos da economia chinesa justificam a reação dos mercados?

O governo disse algumas vezes, nos últimos anos, que um crescimento de 6%a 7% éo novo normal, na medida em que a economia se move para um modelo mais voltado ao consumo. A experiência histórica com outras economias emergentes nos mostra que é assim mesmo. Mas parece que muitos investidores, dentro da China, inclusive, ainda não se deram conta de que esse é o caso. A mensagem do governo está clara, e suas ações indicam que ele está confortável com o crescimento menor e um modelo menos intervencionista.

O Partido Comunista permitiu que fundos de pensão invistam em ações. Isso não deveria ter ajudado o mercado acionário?

Os fundos de pensão tendem a montar estratégias de investimento de longo prazo. Por isso, eles não necessariamente precisam correr para investir em um mercado de ações cuja tendência é de queda.