Brasil em situação frágil para enfrentar crise

 

O choque externo causado pelos desarranjos na China atinge o Brasil num momento desconfortável — no qual a economia está em recessão, inflação e juros se mantêm altos, e a área fiscal se mostra fragilizada. E as consequências, afirmam especialistas consultados pelo GLOBO, podem ser uma desvalorização ainda maior do real, além de uma saída de investidores internacionais, mais avessos a ativos de países emergentes. Outra ameaça vem da hipótese de uma queda maior nas exportações de commodities — justamente quando a balança comercial começou a ganhar força. Mas, o ponto forte para enfrentar a turbulência são as reservas internacionais, US$ 379 bilhões, que podem ser usadas para evitar uma desvalorização cambial mais forte se a crise chinesa se amplificar.

FERNANDO DONASCIContágio. Funcionário da BM&F em dia de queda no pregão: analistas temem que crise cause saída de investidores

— Sofrer um choque externo num momento de recessão e com uma situação fiscal ruim, justamente de seu maior parceiro comercial, é uma situação muito desconfortável. O ponto positivo são as reservas cambiais, que dão uma margem boa para acomodar esse novo choque — diz o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências.

A balança comercial vinha dando sinais de recuperação. Até a terceira semana de agosto, o saldo estava positivo em US$ 6,7 bilhões — frente a um déficit de US$ 600 milhões no mesmo período do ano passado. Mas a crise chinesa pode afetar esse ritmo de recuperação, uma vez que o Brasil exporta principalmente commodities para a China. Segundo o professor Roberto Dumas Damas, especialista em economia chinesa do Insper, as exportações de minério de ferro para a China já caíram 58% entre o primeiro semestre de 2015 e o mesmo período de 2014, em termos de volume. Em valores, esse recuo foi de 7,5%.

— O mercado reage negativamente porque precificou os ativos como se a China fosse crescer 7% ou 8% nos próximos anos. Se crescer entre 5%e 5,% está ótimo — diz o especialista, lembrando que a queda de exportações do Brasil para a China já era esperada.

DIFERENTE DA CRISE DE 2008

Para o professor de Economia Rodrigo Zeidan, da Fundação Dom Cabral, o Brasil tem a vantagem de possuir uma economia diversificada e pode aumentar as exportações em outras frentes, como máquinas e têxteis, se as com

modities recuarem. Seria um efeito positivo do ajuste cambial, capaz de servir, ainda, como um atrativo para investidores que procuram ativos baratos para investimento direto. Ele lembra que o investimento estrangeiro direto ainda se mantém num patamar elevado, embora tenha recuado um pouco nos últimos 12 meses. Foram US$ 45,9 bilhões no primeiro semestre de 2015 frente aos US$ 30,9 bilhões no primeiro semestre deste ano.

— O governo precisa dar sinais positivos para mudar as expectativas negativas em relação ao Brasil. Mas, hoje, temos um quadro em que o fator político impede estes sinais. Quanto mais isso se arrastar, menos investimento teremos — explica Zeidan.

O quadro fiscal também ajuda a reforçar essa percepção ruim dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil. O economista Thiago Biscuola, da RC Consultores, nota que dívida bruta do setor público está em alta e passou de 55% do PIB, em junho de 2014, para 63% do PIB, em junho passado. O resultado nominal do setor público, nos últimos 12 meses, também piorou. O déficit era de 3,4% do PIB em junho de 2014 e saltou para 8,12% em junho passado. Para ele, quanto mais demorar o processo de ajuste fiscal, mais custoso será para o país:

— Esse cenário cria um comportamento de aversão nos investidores internacionais, que tendem a sair dos ativos e moedas de emergentes e correm para se proteger no dólar e para os títulos do tesouro americano. E o dólar mais forte pesa sobre a inflação e adia a queda dos juros por aqui.

Biscuola pontua que é difícil saber até onde a crise chinesa pode chegar. Mas, como trata-se de um mercado sobre o qual o governo chinês tem total controle, os riscos são mitigados.

— É uma crise mais isolada, diferente da crise de 2008 que se espalhou pelo mundo — observa Biscuola, afirmando que, mesmo assim, o problema chinês não deixa de trazer incerteza e insegurança ao cenário global.

 

‘A retração poderá ser maior que a prevista’

 

Segundo Benito Berber, estrategista para a América Latina do Nomura Securities, em Nova York, com a desaceleração da China, há o risco de o preço das commodities ficar em patamar baixo por um longo tempo, afetando os países exportadores desses produtos. Ele ressalta que isso pode fazer com que a retração do PIB brasileiro em 2016 fique acima do 0,2% esperado pela instituição.

Como a atual situação da economia chinesa afeta os mercados emergentes, mais especificamente a América Latina?

Temos alguns argumentos. O primeiro é a preocupação com o crescimento mais fraco da China. Isso tem uma implicação enorme para as commodities e seu consumo. Há um risco de uma queda adicional no preço das

commodities e há sinais de que eles permaneceriam baixos por um longo período de tempo. O segundo ponto é que a economia global pode entrar em um compasso de baixo crescimento. Isso porque há um impacto do preço das matérias-primas em outras economias, e não só nas exportadoras.

Uma desaceleração mais forte na China pode piorar a situação da América Latina?

A América Latina em geral, e o Brasil de forma mais específica, são grandes exportadores. Uma desaceleração na China irá afetar o crescimento do Brasil para além das atuais projeções. No próximo ano, a retração poderá ser ainda maior. Trabalhamos com queda no PIB de 2% para este ano e 0,2% para 2016. Se a perda de ritmo na China for maior que a esperada, isso pode resultar em uma retração do PIB do Brasil de 0,5% (no ano que vem), ou até mais perto de 1%.

Quais são os riscos para a região?

O investidor global vai querer liquidar as suas posições na região. Deve haver um fluxo negativo de recursos.