Youssef diz que levou propinas a casa de ex-ministro

 

 O doleiro Alberto Youssef afirmou ontem, em depoimento à Justiça Federal, que entregou propinas na casa de Mário Negromonte quando ele era ministro das Cidades da presidente Dilma Roussef. Negromonte, segundo ele, era um dos líderes do PP que passaram a repartir a propina destinada ao partido, proveniente da Petrobras, depois da morte do deputado José Janene, em 2010.

RUY BARON/VALOR/18-10-2005Delator. Maior volume de recursos foi pago em 2010, diz

Negromonte foi líder do PP na Câmara dos Deputados de 2006 a 2010. Em dezembro de 2010, assumiu o Ministério das Cidades, onde permaneceu até fevereiro de 2012. Atualmente, é conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) da Bahia. Mário Negromonte não foi localizado pelo GLOBO para comentar a acusação.

— Eu entregava os valores na casa do líder do PP ou na casa do, na época, ministro Mário Negromonte, e eles dividiam as propinas entre eles — afirmou Youssef.

O maior volume de recursos, disse Youssef, foi pago durante a campanha de 2010, quando os líderes do PP recebiam entre R$ 200 mil e R$ 700 mil por mês cada um. Apenas para o ex-deputado Pedro Corrêa, segundo ele, foram pagos R$ 7,5 milhões em 2010.

O doleiro afirmou que recebiam propina João Pizzolati (PP-SC), Pedro Corrêa (PP-PE) e Nelson Meurer (PP-PR). Todos são réus em ações na Operação Lava-Jato. Uma briga interna do partido teria provocado um racha e a propina passou a ser depositada também para outros políticos do PP, que são investigados pelo Supremo Tribunal Federal.

O doleiro voltou a afirmar que o pagamento de propina ao PP foi feito devido à indicação de Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da Petrobras, e que o valor correspondia a 1% do total dos contratos, incluindo aditivos. Do total da propina, 60% iam para o partido, 30% para o então diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, 5% para o próprio Youssef e 5% para João Genú, ex-assessor do PP.

O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto, que negociou o acordo de delação, foi contratado pelo ex-vereador petista Alexandre Romano, preso na 18ª fase da Lava-Jato. A expectativa é que ele também tente um acordo.

 

Dirceu já atuava na Petrobras quando ainda era ministro

 

Preso desde o último dia 4 na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o ex-ministro José Dirceu começou a intermediar negócios na Petrobras por volta de 2003 e 2004, quando ainda era ministro da Casa Civil do governo Lula, afirmou o delator Milton Pascowitch. Em depoimento à PF, Pascowitch disse que o grupo político de Dirceu naquela época se aproximou de empresas para estabelecer “relacionamento comercial” com a Petrobras por meio do então diretor de Serviços da estatal, Renato Duque.

Pascowitch contou que, antes do mensalão, o pagamento de propina era feito diretamente ao grupo político. Depois do escândalo, segundo o delator, foi instituída pelo grupo ligado a Dirceu a figura de operadores, que repassavam as propinas aos representantes políticos.

É com base no depoimento de Pascowitch que o Ministério Público Federal afirma que Dirceu instituiu o esquema de corrupção instalado na Petrobras. Quando o ex-ministro teve prisão decretada na Operação Lava-Jato, o procurador Carlos Fernando Lima afirmou que a investigação buscava “José Dirceu como o instituidor do esquema Petrobras ainda no tempo da Casa Civil, ainda no tempo do governo do ex-presidente Lula”.

No depoimento, Pascowitch afirmou que, quando surgiu o escândalo do mensalão, a área política “se afastou dessas demandas” e instituiu como interlocutor o operador Júlio Camargo, outro delator da Lava-Jato. Foi então, segundo ele, que Camargo passou a receber valores da Hope, uma das empresas com que Dirceu tinha “relações comerciais”. Cabia a Camargo distribuir dinheiro a funcionários da Petrobras e políticos.

Pascowitch disse que, por volta de 2008 ou 2009, recebeu Duque e Fernando Moura em sua casa. Moura, representante de Dirceu, reclamou a Duque que não estava recebendo os valores devidos por tê-lo indicado ao cargo na Petrobras. Segundo o delator, os problemas com Camargo levaram Duque a pedir que assumisse a intermediação de distribuição de propina da Hope e da Persona Service. A Hope teria suspendido os pagamentos em 2013 e a Personal, segundo Pascowitch, pagava R$ 100 mil mensais até o início da Lava-Jato.

O delator afirmou ainda que, em 2013, houve uma reunião em sua residência, da qual participaram José Dirceu e seu assessor Roberto Marques; o então tesoureiro do PT João Vaccari; e Renato Duque, que havia deixado o cargo de diretor de Serviços. O grupo teria discutido a necessidade de que alguém intercedesse junto ao novo diretor da Petrobras José Eduardo Dutra para que fossem licitados novos contratos de terceirização de mão de obra. Pascowitch diz que não sabe quem intercedeu, mas afirmou que houve nova licitação e as mesmas empresas — Hope e Personal — ganharam os contratos, embora não tenha conhecimento se o pagamento de propina voltou a ocorrer.

OAB CASSA INSCRIÇÃO DE DIRCEU

Ontem, a Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), cassou a inscrição de advogado de José Dirceu por 78 votos contra dois. A votação aconteceu em sessão secreta e a ampla maioria dos conselheiros entendeu que o ex-ministro não tem idoneidade para continuar advogando. Dirceu teve o registro na OAB cassado devido à sua condenação no mensalão, em 2012, a 7 anos e 11 meses de prisão. A prisão na Operação Lava-Jato, no último dia 3 de agosto, não foi levada em conta pelos conselheiros, pois nesse caso Dirceu ainda não foi julgado.

 

Nas planilhas de doleiro, políticos eram ‘bandidos’

 

Por mais que os advogados de envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras trabalhem para provar a inocência de seus clientes, quem estava à frente da distribuição de propinas já tinha um veredito. Nas planilhas do doleiro Alberto Youssef e de seu braço direito, Rafael Ângulo, políticos eram tratados como “bandidos”. Ontem, os dois disseram ao juiz Sérgio Moro que era dessa forma que identificavam aqueles que recebiam pagamentos ilegais. Quando o magistrado pediu para que Ângulo explicasse a anotação “band” em uma das planilhas, tiveram início diálogos esclarecedores.

— Talvez o senhor fique constrangido ao relatar isso, mas eu li no seu depoimento um relato da expressão “band’’. Você pode relatar o fato? — cobrou Moro.

— Era uma brincadeira, era bando ou bandido, algo tratado entre Alberto, eu e mais alguém lá — contou Ângulo.

Youssef reforçou a “condenação prévia”.

— A gente tratava (os políticos) como bandidos — afirmou o doleiro.

Não foi a primeira vez que Youssef usou códigos e apelidos para identificar envolvidos no esquema. Nas planilhas, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto era o “Moch” — uma referência à mochila que sempre levava aos encontros, segundo o doleiro.

O hábito de dar apelidos para integrantes do esquema não estava restrito ao núcleo do doleiro. O próprio Youssef era chamado pelo presidente da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, de “Primo”. O ex- gerente da Petrobras Pedro Barusco era o “Romântico”. Ele usava o nome de uma canção imortalizada por Frank Sinatra, “My way’’, para se referir ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, seu chefe e parceiro no esquema.

VIAGENS PARA DISTRIBUIR DINHEIRO

Os depoimentos foram colhidos por Moro durante a audiência da ação contra o ex-deputado Pedro Corrêa na 13ª Vara de Curitiba. Ângulo detalhou como pagava propinas a políticos e explicou que, por orientação de Youssef, evitava fazer depósitos em contas bancárias.

Ângulo contou que fazia os pagamentos em três lugares: no escritório do doleiro em São Paulo; no apartamento funcional do exdeputado em Brasília ou na casa de Corrêa em Recife. Segundo ele, eram repasses mensais de cerca de R$ 200 mil, efetuados interruptamente entre 2007 e 2014.

De acordo com Ângulo, quando Pedro Corrêa não estava em um de suas residências, orientava o braço direito de Youssef a deixar o dinheiro no escritório.

— Eu tirava (o dinheiro) das pernas e colocava numa gaveta da escrivaninha dele — disse Ângulo.

O delator afirmou que o ex-deputado tinha uma relação de contas para receber parte das propinas. Para evitar suspeitas, Ângulo contou que fazia depósitos abaixo de R$ 10 mil.

— Eu viajava até três vezes por mês para transportar dinheiro. Levava entre R$ 15 mil e R$ 230 mil reais no corpo, em meiões.

Perguntado por Moro sobre a origem dos valores, Ângulo desconversou:

— Se havia algum comentário, era na sala do senhor Alberto. Era só entre eles.