O tabuleiro da guerra deflagrada por Cunha

18/07/2015
PAULO DE TARSO LYRA, JULIA CHAIB E JACQUELINA SARAIVA
 
O gesto ousado e incisivo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de anunciar o rompimento oficial com um governo do qual nunca foi aliado confiável e incondicional agitou a primeira sexta-feira do recesso parlamentar. Se, por um lado, ele tem poderes para perturbar o Planalto, com a criação de CPIs — como a dos Fundos de Pensão e a do BNDES — e com a prerrogativa de acelerar pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff; por outro, não recebeu o aval da cúpula do próprio PMDB, pode perder o apoio de parte de sua base congressual e não tem a certeza de uma aliança com a oposição ao Palácio do Planalto. Por ora, os opositores veem com cautela a guerra deflagrada por Cunha e temem que uma crise institucional agrave os problemas que o país enfrenta.

Eduardo Cunha espumava ao anunciar, no fim da manhã de ontem, o rompimento com o governo. “Estou indignado. O governo nunca me engoliu, me tem como inimigo. E está em conluio com o Ministério Público para me constranger. Vou defender, no congresso do PMDB de setembro, que o partido saia do governo. A partir de agora, sou oposição ao Planalto”, vociferou. O presidente da Câmara revoltou-se com o depoimento do delator Júlio Camargo, executivo da Toyo Setal e lobista. À Justiça Federal do Paraná, Camargo disse que Cunha recebeu US$ 5 milhões de propina relativas a um contrato para a compra de dois navios-sonda da Petrobras, em um negócio de R$ 1,2 bilhão.

“Essa lama, em que está envolvida a corrupção da Petrobras, cujos tesoureiros do PT estão presos, essa lama eu não vou aceitar”, disse Cunha, acrescentando que existe um “bando de aloprados” no Palácio do Planalto. Ele ainda questionou as razões para ainda não haver uma denúncia contra o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. “Não há uma doação dessa empresa para o PMDB, só há para o PT. Existem dois pesos e duas medidas nesse processo”, reclamou.

A revolta de Cunha, que transbordou na quinta-feira, motivou uma reunião, à noite, com o vice-presidente da República, Michel Temer, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para queixar-se que estava sendo perseguido. Apesar da movimentação, o PMDB não comprou a tese do correligionário. O partido divulgou nota na qual ressalta que a decisão de Cunha é “pessoal”, e que a legenda ainda precisa deliberar sobre o assunto (leia mais na página 3).

Tampouco os deputados endossaram a atitude do presidente da Câmara. “Cunha errou ao personalizar essa briga. Isso desgasta a Câmara e o próprio PMDB”, disse, ao Correio, Danilo Forte (PMDB-CE). O deputado é um dos desafetos de Cunha por ter se sentido “atropelado” durante o processo de eleição do líder da bancada, que culminou com a vitória de Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Outro integrante da bancada, que preferiu não se identificar, duvida que haja um apoio maciço a Cunha na Câmara. “O primeiro instituto de um deputado é o de sobrevivência. Ninguém morre pelo outro aqui, nem por gratidão nem por ideologia.”

Apoio
Apesar das manifestações de reprovação de correligionários, Eduardo Cunha ainda conta com uma tropa de choque fiel. No momento do anúncio, estava presente o líder do PSC na Casa, deputado André Moura (CE). O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Arthur Lira (PP-AL), consultou juristas para avaliar como seria uma possível tramitação de pedidos de impeachment na Casa. Líder do PTB na Câmara, o deputado Jovair Arantes (GO) disse que, ao se pronunciar contra os exageros da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal e do Ministério Público, Cunha agiu como magistrado e defensor da Câmara, o que pode lhe angariar a simpatia de muitos pares. “Mas ainda preciso reunir a bancada para uma avaliação mais precisa”, completou.

No Planalto, a avaliação é de que, ao romper em definitivo, Cunha tem mais a perder do que a ganhar. De acordo com interlocutores da presidente Dilma Rousseff, os movimentos para aprovação das pautas bombas já estão “precificadas” desde o início do ano. Além disso, o PMDB governista não vai desembarcar da base. “Os aliados dele vão se afastar”, aposta uma fonte palaciana.

Artilharia pesada
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Impeachment
» Cabe ao presidente da Câmara dar prosseguimento aos pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Sejam com base em um processo vindo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por crime eleitoral, seja referente a processo analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por causa das pedaladas fiscais.
CPIs
» O presidente da Câmara deve acelerar a instalação de comissões parlamentares de inquérito que desagradam ao governo. É o caso das CPIs dos Fundos de Pensão e do BNDES.

Convocação de ministros
» Cunha também deve aumentar a pressão pela convocação de ministros, como o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, para a CPI da Petrobras, que o Planalto conseguiu evitar ao permitir a convocação do titular da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Pautas bombas
» O peemedebista pode pautar projetos que comprometam ainda mais os já combalidos cofres públicos. Um deles, é o que altera o índice que reajusta o FGTS.

“Estou indignado. O governo nunca me engoliu, me tem como inimigo. Vou defender, no congresso do PMDB de setembro, que o partido saia do governo. A partir de agora, sou oposição ao Planalto”
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara

Análise da notícia
Agressividade em alto grau

» Leonardo Cavalcanti

Na política, os melhores jogadores atuam de forma suave, principalmente quando estão com a partida na mão. É assim em períodos eleitorais e durante os momentos de tensão, como os atuais. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mostrou uma agressividade poucas vezes vistas por um cacique experiente no Congresso. Como um animal acuado, o peemedebista iniciou um movimento dos mais arriscados — em vez de desqualificar o consultor Júlio Camargo, como todos os envolvidos têm feito, Cunha foi para cima de Rodrigo Janot, o procurador-geral, e Sérgio Moro, o juiz.

Onde vai chegar, ainda é cedo para dizer, mas há algumas considerações. É pouco provável que exista um vencedor nessa guerra entre Cunha e o governo Dilma Rousseff nos próximos meses. Enquanto o peemedebista terá de testar uma força diária no Congresso, buscando apoio entre parlamentares solidários apenas nas vitórias, a presidente tem pouco a ganhar, mesmo com um eventual enfraquecimento do deputado. E terá muito a perder caso Cunha se fortaleça de alguma forma, longe da Lava-Jato. Por ora, fica a imagem de um Cunha agressivo, se movimentando a partir da emoção. Um político nada suave.
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Planalto rebate declarações
 JULIA CHAIB E PAULO DE TARSO LYRA
Poucas horas depois do anúncio, o rompimento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) com o governo e o ataque desferido por ele contra investigadores da Operação Lava-Jato ecoaram na Praça dos Três Poderes. Após a entrevista concedida pelo presidente da Câmara, o Palácio do Planalto emitiu nota, na qual afirma esperar que as decisões do parlamentar sejam pautadas por “imparcialidade” e “impessoalidade”. Já o PMDB tratou de explicar que foi Cunha quem partiu para a oposição, e não a legenda. Também citado pelo peemedebista, o juiz Sérgio Moro rebateu as acusações de que pensa ser “dono do país”.
 
Por meio de nota, o governo diz esperar “que essa posição não se reflita nas decisões e nas ações da presidência da Câmara, que devem ser pautadas pela imparcialidade e pela impessoalidade”. Segundo Cunha, as matérias de interesse do Executivo “serão pautadas normalmente para garantir a governabilidade”. Mas, ainda ontem, ele autorizou a abertura de duas CPIs: uma para apurar os empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outra para investigar os desvios de recurso nos fundos de pensão, pautas negativas para o governo.
 
O documento divulgado pelo Executivo reforça que os Poderes devem conviver com harmonia e que, no momento atual, “de desafios”, eles devem “agir com comedimento, razoabilidade e equilíbrio na formulação das leis e das políticas públicas”. O texto exalta a importância do PMDB, do vice-presidente da República, Michel Temer, e de ministros da legenda, destacando que Cunha tomou uma decisão de “cunho estritamente pessoal”.PMDBO discurso palaciano encontrou suporte no próprio PMDB, que, minutos depois da entrevista do presidente da Câmara, divulgou nota rechaçando que a posição de Cunha fosse a mesma da legenda. “A manifestação de hoje (ontem) do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é a expressão de uma posição pessoal, que se respeita pela tradição democrática do PMDB”, diz texto. “Entretanto, a presidência do PMDB esclarece que toda e qualquer decisão partidária só pode ser tomada após consulta às instâncias decisórias do partido: comissão executiva nacional, conselho político e diretório nacional.” Ainda ontem, a bancada da sigla na Câmara informou que vai pedir uma reunião para definir a posição da legenda na Casa tão logo termine o recesso parlamentar, no fim do mês.
 
Acusado por Cunha de ter levado “o STF para Curitiba”, o juiz Sérgio Moro rebateu a declaração. Segundo o presidente da Câmara, “juiz de primeiro grau não poderia ter conduzido depoimentos daquela maneira. Ele violou o procedimento de foro privilegiado, ao qual eu tenho acesso”.
 
Em resposta, Moro afirmou que não pode silenciar testemunhas. “A 13ª Vara de Curitiba conduz ações penais contra acusados sem foro privilegiado em investigações e processos desmembrados pelo Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao juízo silenciar testemunhas ou acusados na condução do processo.”“A presidência do PMDB esclarece que toda e qualquer decisão partidária só pode ser tomada após consulta às instâncias decisórias do partido”Nota divulgada pelo PMDBResposta presidencialConfira trechos da nota divulgada pelo Planalto“Desde o governo do presidente Lula e durante o governo da Presidente Dilma Rousseff, o PMDB vem integrando as forças políticas que dão sustentação a esse projeto que vem transformando o país.
 
Tanto o vice-presidente da República como os ministros e os parlamentares do PMDB tiveram e continuam tendo um papel importante no governo.”“O presidente da Câmara anunciou uma posição de cunho estritamente pessoal. O governo espera que essa posição não se reflita nas decisões e nas ações da presidência da Câmara que devem ser pautadas pela imparcialidade e pela impessoalidade. O Brasil tem uma institucionalidade forte.
 
Os Poderes devem conviver com harmonia, na conformidade do que estabelecem os princípios do Estado de direito. E, neste momento em que importantes desafios devem ser enfrentados pelo país, os Poderes devem agir com comedimento, razoabilidade e equilíbrio na formulação das leis e das políticas públicas.”“O governo sempre teve e tem atuado com total isenção em relação às investigações realizadas pelas autoridades competentes, só intervindo quando há indícios de abuso ou desvio de poder praticados por agentes que atuam no campo das suas atribuições. A própria Receita Federal esclarece que integra a força-tarefa que participa das investigações da Operação Lava-Jato, atuando no âmbito das suas competências legais, em conjunto com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, seguindo determinações dos órgãos responsáveis pelas investigações.”