Desaceleração e câmbio reduzem remessa de lucros

30/07/2015

A desaceleração da economia e a desvalorização cambial tiveram impacto fulminante na remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras com investimentos no Brasil. No primeiro semestre totalizaram US$ 9,5 bilhões, 36,5% a menos do que os US$ 14,97 bilhões de igual período de 2014. Esses resultados já levaram o Banco Central a reduzir quatro vezes a previsão para as remessas totais do ano, de US$ 26,5 bilhões inicialmente, para US$ 24,5 bilhões, US$ 22,5 bilhões e a mais recente está em US$ 21 bilhões. Se esse número se confirmar, marcará uma queda de US$ 10 bilhões em comparação com 2014 e será o menor volume de lucros e dividendos remetido ao exterior desde 2006.

Os livros de economia ensinam que o nível de atividades e o câmbio influenciam diretamente as remessas de lucros e dividendos ao exterior. O Brasil vem registrando importantes mudanças nesses dois fatores. Em 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) ficou praticamente estagnado, com crescimento de 0,1%. Neste ano, até o governo já concluiu que a economia vai encolher. No mercado financeiro, há previsões de que a retração pode chegar a 2%. Se o nível de atividades está fraco, os lucros das empresas são prejudicados, afetando as remessas para as matrizes.

Mas o câmbio também é determinante na equação. A apreciação da moeda tende a potencializar a expressão em moeda estrangeira dos lucros obtidos pelas filiais, engordando as remessas de lucros e dividendos. Por outro lado, quando a moeda local se deprecia, como está acontecendo com o real nos últimos meses, os resultados das filiais das empresas estrangeiras também se depreciam em dólar e as remessas diminuem.

Há ocasiões dramáticas em que essas variáveis são relevadas. O auge da crise internacional, em 2008, foi o ano em que as remessas do Brasil atingiram o pico até então histórico de US$ 33,9 bilhões, com as multinacionais raspando o tacho para ajudar as combalidas matrizes no exterior. O forte fluxo para o exterior voltou a se repetir no estouro da crise da zona do euro. As remessas de lucros e dividendos atingiram US$ 30,4 bilhões em 2010 e o patamar recorde de US$ 38,2 bilhões em 2011, encolhendo para US$ 24,1 bilhões em 2012, quando a situação europeia havia amainado. Mesmo assim, a Europa é o destino da maior parte dos lucros e dividendos remetidos pelo Brasil ao exterior, 64,9% em 2014 e 76,5% no primeiro semestre deste ano, até porque mais da metade do investimento estrangeiro no país vem da região.

Entre as empresas estrangeiras que se destacaram na busca de ajuda nas filiais brasileiras na crise internacional estavam as montadoras de veículos. Só em 2008, as remessas para as matrizes nos Estados Unidos e na Europa passaram de US$ 5,6 bilhões, um recorde. Hoje, as montadoras e produtoras de componentes automotivos ficam atrás de meia dúzia de outras atividades na lista dos setores industriais que mais rendem lucro a controladores sediados fora do Brasil. Elas enviaram ao exterior em lucros e dividendos US$ 121 milhões no primeiro semestre, 1,6% do total remetido no período e bem abaixo dos US$ 616 milhões enviados em igual período em 2014. Na verdade, o Valor apurou que a mão até se inverteu e as montadoras e fornecedores de autopeças receberam do exterior US$ 2,36 bilhões em empréstimos corporativos apenas de janeiro a maio, quatro vezes mais que no mesmo período do ano passado (9/6).

Tradicionalmente, as empresas estrangeiras do setor industrial lideram as remessas de lucros e dividendos, com mais da metade do total. No ano passado, ficaram com 54,4%, com o setor de bebidas com 17,9%. O setor de serviços cresce a cada ano, porém, e já praticamente empata, até porque a indústria está sendo mais diretamente afetada pela crise brasileira. No primeiro semestre deste ano, a indústria respondeu por 48,8% do total de dividendos e lucros remetidos pelos investidores estrangeiros do Brasil; e os serviços ficaram com 47,4%, com destaque para telecomunicações, área financeira e serviços públicos como eletricidade.

O arrefecimento da remessa de lucros e a diminuição dos gastos dos brasileiros no exterior estão ajudando a reduzir o déficit em conta corrente do Brasil, que atingiu o nível preocupante de 4,4% do PIB em 2014, pela nova metodologia do BC. A expectativa do mercado é que o déficit caia abaixo de 4% já neste ano, desafortunadamente com a ajuda nada positiva da desaceleração da economia.