Renan ataca ajuste e prevê 'meses nebulosos'

18/07/2015

Por Vandson Lima | De Brasília

Recados para a presidente Dilma Rousseff, críticas ácidas ao ajuste fiscal proposto ("um cachorro correndo atrás do rabo, circular e irracional"), previsões de "meses nebulosos" pela frente e elogios à decisão do PMDB de ter candidato próprio ao Palácio do Planalto em 2018.

O que era para ser uma protocolar prestação de contas do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na TV institucional se converteu em uma verdadeira autoentrevista, na qual Renan se pôs ainda como o primeiro cacique da sigla a fazer um desagravo público a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), depois de revelada a denúncia de um dos delatores da Lava-Jato, que declarou à Justiça Federal que o presidente da Câmara dos Deputados exigiu US$ 5 milhões de propina.

Renan, ele próprio também acusado de participação no esquema, aproveitou o espaço para se defender e fez ainda considerações sobre a possível indicação e recondução de Rodrigo Janot à Procuradoria-Geral da República (PGR). Foi Janot quem pediu a abertura de inquérito contra políticos envolvidos na Lava-Jato - Renan incluso.

O presidente do Senado, que na sexta-feira cancelou um evento com jornalistas por conta da entrevista coletiva convocada por Cunha para rebater as acusações, declarou no vídeo ter "excelente relação com o presidente da Câmara" e ressaltou a atuação conjunta dos dois presidentes do Congresso Nacional - normalmente em pautas que contrariam interesses do governo. "Ele tem sido um bom presidente da Câmara, implementando um ritmo de votações. Acho que a atuação dele, sua independência, colaborou muito para este momento do Congresso", pontuou.

"A independência do Legislativo é um caminho sem volta", garante Renan, para quem tal cenário decorre da incapacidade do Executivo de atender as demandas que se apresentam. "Este ativismo não é apenas um desejo unilateral de um dos poderes da República. Os principais atores do país procuraram o Congresso em busca de uma saída para a grave crise que vivemos, para este momento de perplexidade", disse, lembrando "reuniões históricas" com governadores, prefeitos e setor produtivo.

Renan prevê que o próximo semestre será difícil e aponta, em recado velado à presidente Dilma, que o Congresso vai se concentrar " na análise de vetos [presidenciais], CPIs e Lei de Responsabilidade das Estatais", esta última uma medida de sua autoria em parceria com Cunha. Na última sessão antes do recesso, o presidente do Senado indicou que dará celeridade à abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) para investigar os fundos de pensão e o BNDES, que atingem o governo. Cunha também autorizou a criação das mesmas comissões na Câmara. "Não diria que será um agosto ou setembro negro, mas serão meses nebulosos, com certeza, com a concentração de uma agenda muito pesada. Cabe a todos nós resolvê-la".

O ajuste fiscal proposto pelo governo recebeu os mais duros ataques de Renan. "Esse ajuste sem crescimento econômico é cachorro correndo atrás do rabo. Circular, irracional e não sai do lugar. É enxugar gelo até ele derreter", disse. Ele defendeu que "é preciso cortar ministérios, cargos comissionados e ultrapassar, de uma vez por todas, essa prática da boquinha e do apadrinhamento", apontou. "Estamos num momento aterrador de inflação, desemprego e juros acima de dois dígitos. O ajuste fiscal está se revelando como um desajuste social. Ele ameaça as conquistas socioeconômicas obtidas com tanto sacrifício", acrescentou.

Sobre o governo Dilma, Renan apontou que "é triste e nos cabe reverter essa situação, porque vemos que várias portas estão se fechando para o governo", disse. "Temos uma crise política, econômica e de credibilidade porque o sistema é presidencialista", avaliou, sem, no entanto apontar claramente se considera a troca do sistema de governo a saída para o problema. "As medidas são enviadas ao Congresso Nacional e saem daqui com mais impacto financeiro. Na opinião pública, a aprovação popular dispensa comentários. Não tenho oráculo para profetizar o desfecho dessa crise. Mas estamos na escuridão, assistindo um filme de terror sem fim. Precisamos de uma luz indicando que o horror terá fim, o país pede isso todos os dias", disse.

A solução, avaliou, se dará dentro dos limites da legalidade. "Não somos defensores de soluções marginais. Democracia, como forma superior de governo, não se confunde com vassalagem à autoridade. Não praticamos comportamentos políticos ambíguos".

Neste sentido, Renan disse ver "com muita naturalidade a pretensão do PMDB". "A razão de ser de qualquer agremiação partidária é conquistar o poder pelo voto. Vejo com felicidade que o PMDB refuta ser coadjuvante e vai em busca do protagonismo". O vice-presidente Michel Temer, a quem disse já ter apoiado e dele já ter divergido, ganhou um afago, sendo classificado como dotado de "paciência e perseverança, dois atributos inquestionáveis de Temer. É um homem prudente, da conciliação, do diálogo, que está sendo importante neste momento de instabilidade do país".

Sobre a Lava-Jato, Renan disse que "houve excessos, claro [na operação], em vários episódios" e lembrou que a lei brasileira presume a inocência do acusado. "Se alguém deseja mudar a lei, que proponha essa mudança", provocou.

Ao tratar da possível recondução de Janot, que precisa passar pelo crivo do Senado, o presidente foi enigmático. "Indicação é uma faculdade da presidente da República e sua aprovação, ou não, uma prerrogativa dos senadores". Dentre as 54 pessoas que tiveram pedido de investigação encaminhado por Janot ao Supremo Tribunal Federal (STF), há 12 senadores.

Sobrou até para a imprensa. Ao lembrar a aprovação da indicação de Luiz Edson Fachin para o STF, cujas notícias davam conta de que era contrário, Renan garantiu que foi isento no processo e atacou. "Hoje está mais fácil interpretar a realidade nacional nas feiras, shoppings e ruas do que nas manchetes dos noticiários".