Os fiéis aliados de Cunha

 

Deputado conta com o apoio de líderes religiosos para enfrentar denúncias. Por trás do bordão “afinal de contas, o nosso povo merece respeito”, usado nos encerramentos de seus discursos nas igrejas e nos boletins diários na rádio Melodia FM, de programação evangélica, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), construiu uma ampla rede de apoio político no Congresso e no Estado do Rio. Seu grupo reúne parlamentares, líderes religiosos e comunitários. E é com esse capital político que o peemedebista conta para se manter firme no cargo diante da denúncia, apresentada na semana passada ao Supremo Tribunal Federal (STF), de envolvimento nos desvios investigados na Operação Lava-Jato.

MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO CONTEÚDO/8-2-2015Gratidão. Cunha entre Pastor Everaldo e Arolde de Oliveira, e com o deputado Sóstenes Cavalcante (PSD), na Assembleia de Deus, em culto para agradecer eleição à presidência da Câmara

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sustentou que parte da propina destinada ao presidente da Câmara foi paga em doação para uma Assembleia de Deus em Campinas (SP), presidida por Samuel Ferreira, que escreve para o site de Cunha, Fé em Jesus. Samuel é irmão do pastor Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus de Madureira, uma das que o peemedebista frequenta no Rio. A igreja de Campinas recebeu R$ 250 mil das empresas de Júlio Camargo, delator que afirmou que o deputado pediu a ele US$ 5 milhões. O parlamentar nega todas as acusações.

Além das participações nas igrejas e na rádio e da rede de apoios que construiu, Cunha influencia fiéis fora das dependências da Câmara e dos cultos evangélicos. No mundo virtual, o peemedebista é dono de 284 domínios na internet — muitos já desativados, mas ainda em seu nome —, sendo que 175 deles, mais de 60% do total, têm a palavra Jesus no endereço eletrônico.

MUDANÇA RECENTE DE IGREJA

Cunha não é de família evangélica. Entrou na Igreja Sara Nossa Terra há cerca de 20 anos, levado por Francisco Silva, dono da Rádio Melodia FM. Mas trocou recentemente de denominação religiosa, mudança percebida como estratégia para ampliar seu rebanho. Foi para a Assembleia de Deus, maior e mais influente. A igreja reúne cerca de 13 milhões de seguidores, segundo o IBGE. É a maior igreja evangélica do país. A Sara Nossa Terra tem pouco mais de 1 milhão de fiéis.

A mudança de denominação credenciou o peemedebista a buscar votos nos templos da Assembleia de Deus e a conquistar a confiança de nomes como Pastor Everaldo — que se candidatou à Presidência no ano passado — e bispo Manoel Ferreira, um dos principais líderes evangélicos no Estado do Rio. Com a igreja como aliada, Cunha conseguiu mais capilaridade para sua candidatura e garantiu a popularização de seu nome nos rincões do estado.

Durante a corrida eleitoral de 2014, o peemedebista fez intensa campanha nas igrejas evangélicas, principalmente na Baixada e na Zona Oeste. Em seu perfil no YouTube, postou oito vídeos fazendo campanha nelas. Em um deles, do dia 10 de agosto, Cunha e os deputados estaduais Coronel Jairo e Fábio Silva, do PMDB, foram à reunião de obreiros na Catedral das Assembleias de Deus, em Santa Cruz. No encontro, com o templo lotado, o pastor apresentou os três como candidatos oficiais:

— Estou aqui apresentando, como candidato oficial da nossa convenção, nosso candidato a deputado federal, deputado Eduardo Cunha, e os nossos dois candidatos a deputado estadual, que nós vamos trabalhar para fazê-los reeleitos (sic), o coronel Jairo e o deputado Fábio Silva.

O objetivo foi alcançado, e Cunha sagrou-se o terceiro deputado federal mais votado do Rio, com 232,7 mil votos. Melhorou seu desempenho em relação à eleição de 2010, quando teve 150.616 votos e foi o quinto entre os mais votados. Quando se elegeu presidente da Câmara, o deputado foi a um culto na Assembleia de Deus de Madureira agradecer a vitória. Durante os fins de semana no Rio, o peemedebista visita várias igrejas, em vez de ir a apenas uma específica, justamente para circular entre o eleitorado e as lideranças religiosas.

— Ele tem uma rotina muito puxada quando está no Rio. Vai às igrejas e visita obras de aliados — diz o deputado federal Washington Reis (PMDB-RJ).

Apesar da troca, não houve rompimento entre os pastores da Sara Nossa Terra e o presidente da Câmara. O clima continuou amigável, tanto que o pastor Robson Rodovalho, presidente da igreja e ex- deputado, frequenta sem problemas o gabinete do peemedebista em Brasília. Para os religiosos da igreja no Rio e em São Paulo, Cunha buscou se fortalecer, inclusive para levar adiante pautas de interesse do público evangélico.

Alinhado com o público que ajudou a elegê- lo, o peemedebista é defensor das pautas relativas aos “direitos da família". É assim que também mantém o apoio dos líderes religiosos, que veem nele um deputado capaz de engavetar projetos que não lhes agradem e de levar adiante propostas que estejam entre suas demandas.

Ao ocupar o púlpito de igrejas evangélicas ou a tribuna da Câmara, o peemedebista vem afirmando não ter qualquer relação com os escândalos descobertos na Petrobras. Trata as notícias como boatos e mentiras. Mesmo sem falar diretamente sobre o assunto, dá seus recados por meio das mensagens bíblicas. Em sua página no Facebook, posta todos os dias uma delas. Um dia depois de ser denunciado, a passagem da Bíblia foi do livro de Salmos: “Quanto a mim, contemplarei a tua face na Justiça; eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar”. Em 25 de julho, dias após Júlio Camargo ter citado seu nome, postou um texto do livro do Êxodo: “Não admitirás falso boato, e não porás a tua mão como o ímpio, para seres testemunha falsa”.

Em seus boletins diários na rádio Melodia FM, acompanhados durante duas semanas pelo GLOBO, Cunha falou de política e das dificuldades do país e comentou a prisão do ex- ministro José Dirceu na Operação Lava-Jato. A rádio é líder na Baixada Fluminense, onde estão alguns dos maiores colégios eleitorais do Estado do Rio, e a número um entre as emissoras religiosas:

— O Partido dos Trabalhadores, segundo o juízo do Paraná, estaria cometendo no chamado petrolão as mesmas práticas do chamado mensalão. O que o juiz fez com a interpretação dessa prisão foi unir as duas denúncias, como se fosse um crime continuado, e se deu por práticas feitas dessa forma pelo Partido dos Trabalhadores, que estaria comandado por José Dirceu fazendo dessa forma. É uma acusação grave e que certamente terão (sic) outros desdobramentos a partir de agora.

OBJETIVO AMBICIOSO NA INTERNET

Na internet, entre os domínios em seu nome, Cunha mantém o shoppingjesus. net, o jesuschrist. com e o googlejesus. com. br. Outros vários trazem referências à religião, como compradecrente e segurasuabencao. net. br. Só para ter posse dos domínios, ele gasta pelo menos R$ 8.520 por ano. A conta — baseada nos valores cobrados pelo site Registro. br, principal portal de registro de domínios na internet no país, e que cobra R$ 30 por domínios cadastrados pelo período de um ano — equivale a só um quarto de um mês de salário do parlamentar, que é de R$ 33.763 mensais.

A página mais importante do peemedebista é a jesus. com, que tem como nome fantasia Fé em Jesus. O site da Receita Federal mostra que os donos do portal são Cunha e sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, e que ele foi criado em janeiro de 2012. Seis meses depois, na Marcha para Jesus de São Paulo, o peemedebista lançou oficialmente o site.

— Quero criar um mundo evangélico na internet — afirmou ao jornal “Folha de S.Paulo” na época.

Quem entrar no jesus.com não saberá que Cunha está entre os denunciados pelo procurador-geral. De 11 matérias que mencionam a Lava-Jato no site do presidente da Câmara, apenas uma trata de acusações a Cunha, e mesmo assim apresentando apenas uma defesa que o deputado federal escreveu no Twitter para rebater reportagem do GLOBO de 8 de março, que apontou que requerimentos em comissão da Câmara mostraram que aliados dele fizeram pressão sobre as empresas Samsung e Mitsui.

 

De audiências com prefeitos a distribuição de relatorias

 

Com um estilo antigo de fazer política, como definem os aliados, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, abre as portas de seu gabinete para audiências com prefeitos, vereadores e deputados. Durante as campanhas, produz material de propaganda e fecha dobradinhas exclusivas com candidatos a deputado estadual. Em troca das parcerias, influência política e bom tratamento, o peemedebista cobra, de quem aceita a ajuda, fidelidade e apoio às suas decisões.

Uma das estratégias de Cunha, segundo adversários, é oferecer aos aliados o comando de relatorias como forma de aumentar a participação e a influência no Congresso.

— Predomina, em troca de apoio, a distribuição de relatorias e cargos. Só um suplente, por exemplo, tem 12 cargos. Vagas que tornam-se moeda de troca. É dessa maneira que Cunha conduz a Casa — afirma Chico Alencar (RJ), líder do PSOL na Câmara.

Entre os 46 parlamentares da bancada fluminense na Câmara, pelo menos 20 estão na linha de frente do peemedebista. Prefeito de Itaboraí, Helil Cardozo afirma que Cunha estreitou a relação da Câmara com os municípios. Leal a Cunha, Helil diz que conseguiu em seu reduto eleitoral 20 mil votos — a cidade tem cerca de 110 mil habitantes. Fez campanha, pediu votos na rua e teve como recompensa a indicação de ajuda financeira do governo para programas da prefeitura.

— Ele garante emendas parlamentares para as cidades do Rio. Em Itaboraí, R$ 6 milhões foram liberados para obras de pavimentação e R$ 15 milhões, para recuperar o hospital municipal. Não tem como deixar o grupo de Eduardo Cunha. Nenhum outro deputado da bancada do Rio tem essa rede de apoio aos prefeitos — disse Helil.

Apesar da estrutura de apoio no Congresso e no Estado do Rio, há quem diga que o poder de Cunha pode se transformar em castelo de areia com as investigações da Lava-Jato.

— Assim como ajuda e mantém sob seu comando deputados aliados, Cunha conquistou uma longa lista de inimigos — afirmou um deputado federal do PMDB, dizendo que alguns descontentes podem abandonar Cunha caso a situação se agrave.

Embora Cunha tente demonstrar estar impávido diante das denúncias, aliados temem que o cenário piore.

— Aguardo com apreensão (os resultados da Lava-Jato), porque ele está sendo desgastado — diz o secretário estadual de Trabalho, Arolde de Oliveira (PSD).