Valor econômico, v. 16, n. 3805, 24/07/2015. Finanças, p. C1

 

Corte da meta fiscal abate confiança dos investidores

 

Por Silvia Rosa, José de Castro e Talita Moreira | De São Paulo

A redução maior que a esperada pelo mercado da meta de superávit primário para este ano e o corte da previsão do esforço fiscal para 2016 e 2017 abalaram a confiança dos investidores na política econômica. Tal percepção se refletiu mais fortemente ontem nos preços dos ativos. O dólar subiu mais de 2% e chegou a bater a máxima do ano durante a sessão. O Ibovespa perdeu a marca dos 50 mil pontos, enquanto os juros futuros avançaram e passaram a embutir chance um pouco menor de o Banco Central (BC) reduzir o ritmo de aperto monetário na semana que vem.

O menor esforço fiscal aumentou as dúvidas sobre o ajuste das contas públicas e reduz o espaço para a autoridade monetária desacelerar o passo na sua política de juros, como vinha sinalizando.

"O anúncio do corte da meta tem um efeito deletério no curto prazo, mas, além disso, diminui a credibilidade na política econômica do governo atual e tem impacto na confiança dos investidores e no investimento", diz Gustavo Rangel, economista-chefe para América Latina do ING.

 

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A redução do esforço fiscal para pagamento de juros de 1,1% para 0,15% do PIB para este ano, e revisão para baixo das metas fiscais para 2016 e 2017 aumentaram o risco de o país perder o grau de investimento, o que pesou na bolsa. O Ibovespa caiu 2,18% para 49.807 pontos, pior marca desde 16 de março e passou a acumular perda de 0,40% no ano. Já o dólar subiu 2,15% para R$ 3,2939, chegando a romper a máxima do ano de R$ 3,2941 durante o pregão. Esse é o maior nível desde 19 de março.

O aumento da aversão a risco levou à alta não só dos juros futuros de longo prazo, como impulsionou os contratos mais curtos. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2016 subiu de 13,98% para 14,11%, enquanto o DI para janeiro de 2017 avançou de 13,33% para 13,64%. Já o DI para janeiro de 2021 subiu de 12,47% para 13%.

Embora as taxas na BM&F ainda embutam maior chance de desaceleração do ciclo de aumento de juros, a probabilidade de uma alta de 0,25 ponto percentual Selic na semana que vem caiu de 89% para 72%, segundo cálculos da gestora Quantitas. Vale lembrar que pelas estimativas dos analistas ouvidos na pesquisa Focus do BC, a hipótese do aperto menor nunca foi cogitada e as projeções prevalecem em uma elevação de 0,5 ponto percentual do juro básico.

Para Rangel, do ING, o esforço fiscal menor do governo diminui o espaço para o BC reduzir o ritmo de aperto na reunião de julho.

O BC, segundo o economista do ING, já vinha se mostrando satisfeito com a trajetória da inflação e estava próximo de encerrar o ciclo de aperto monetário. Mas com o anúncio fiscal e o câmbio perto de R$ 3,30, o cenário para inflação piorou. "Se o BC aumentar a Selic em 0,25 ponto vai contribuir ainda mais para a perda de credibilidade", diz Rangel, que espera elevação de 0,5 ponto da taxa básica, com o autoridade monetária encerrando o ciclo de alta de juros em julho.

No meio do caldeirão fiscal, o real apresentou ontem a pior performance ante o dólar entre as principais divisas emergentes "O declínio do real tem se intensificado nos últimos dias com a moeda enfrentando uma tempestade perfeita dada a rápida desaceleração do ritmo de crescimento da economia [diante da forte queda nos preços das principais commodities nas últimas semanas], escândalos de corrupção e deterioração do ambiente externo com o Fed [Federal Reserve, banco central americano] mais perto de subir a taxa básica de juros", aponta o Société Générale em relatório.

Com a deterioração das contas públicas e o fraco crescimento da economia brasileira aumentando o risco de o país perder seu status investimento seguro, o banco prevê que o dólar pode bater a marca dos R$ 3,60 nas próximas oito semanas.

Rangel, do ING, destaca que o que chamou mais a atenção foi a revisão da meta de esforço fiscal para 2016, que caiu para 0,7% do PIB, e para 2017, que passou para 1,3% do PIB, só atingindo 2% do PIB em 2018. "Isso não só deve fazer com que a dívida pública continue aumentando até 2017 como mostra uma falta de ambição do governo em equilibrar as contas públicas", afirma Rangel.

Segundo o UBS, as novas metas fiscais são insuficientes para estabilizar a dívida pública em relação ao PIB até 2018. Com isso, o banco destaca que aumenta a chance de um eventual rebaixamento do rating soberano pela Moody's vir acompanhado de uma perspectiva negativa. "Com a nova trajetória fiscal, a probabilidade da dívida bruta passar de 70% do PIB entre 2017 e 2018 é maior e isso tem sido um importante limite para a Moody's", aponta o UBS em relatório.

Para o estrategista de câmbio para mercados emergentes do banco Brown Brothers Harriman, Ilan Solot, a deterioração da confiança na política fiscal no Brasil é ainda mais preocupante porque o Fed está mais próximo de subir os juros, o que historicamente afeta negativamente as economias emergentes. "Se alguém [de fora] estava pensando em 'comprar' Brasil, à espera apenas do ponto certo de entrada, agora vai esperar mais. Não consigo ver agora um momento claro de quando seria bom 'comprar' Brasil."

O abrandamento do ajuste fiscal também deve adiar os planos de captações das companhias brasileiras no exterior. Segundo um gestor, "não tem clima" para emissões neste momento.

A Cosan, por exemplo, que realizou uma rodada de apresentações a investidores nos Estados Unidos e no Reino Unido entre terça e quarta-feira, ainda não anunciou nenhuma emissão de bônus e a expectativa é que aguarde a situação melhorar antes de levar o plano adiante.

Assim como papéis de outras companhias brasileiras, os bônus da Cosan tiveram queda de preço no mercado secundário ontem. Os papéis com vencimento em 2023 eram negociados a 90,38% do valor de face. Nos últimos dias, estavam acima de 91%. Os títulos perpétuos da companhia, que pagam cupom de 8,250% ao ano e vinham se mantendo acima de 100%, operaram a 99,50% do valor de face ontem.

A entrada de menos recursos no país é um fator a mais para impulsionar a moeda americana. Com a rápida desvalorização do real, os analistas veem a possibilidade de o BC aumentar a rolagem dos contratos de swap cambial. A autoridade monetária tem renovado 6 mil contratos de swap cambial por dia do lote de US$ 10,675 bilhões que vence no mês que vem.

Se mantiver o mesmo ritmo, o BC deverá renovar 56,72% do lote total. Para o economista-chefe para a América Latina do ING, um aumento do volume da rolagem agora teria pouco efeito para conter a disparada do dólar. "Aumentar o volume de rolagem, além de não ter muito efeito, seria um retrocesso", diz Rangel.

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