Receita não reage e situação é pior que em 2003, diz Rachid
25/07/2015
Por Ribamar Oliveira | De Brasília
Quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência da República pela primeira vez nomeou o funcionário de carreira Jorge Rachid para o cargo de secretário da Receita Federal. Naquela época, o então ministro da Fazenda Antonio Palocci foi obrigado a fazer um duro ajuste fiscal, que resultou em corte de gastos, principalmente de investimentos. Para obter uma meta de superávit primário do setor público de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo precisava também aumentar a arrecadação, em um momento de desaquecimento econômico e de grandes incertezas. A elevação da receita ficou a cargo de Rachid.
"Adotamos algumas medidas e, já no segundo semestre, a receita começou a subir muito", lembrou, em conversa com o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor. "Algumas pessoas perguntavam como é que a receita estava crescendo, quando a economia ainda não tinha se recuperado." Os dois primeiros trimestres de 2003 foram de queda da atividade. Hoje, no mesmo cargo, Rachid avalia que a atual situação é muito diferente daquela de 2003. "Já adotamos uma série de medidas, mas a receita não reage. Nos últimos três meses, tivemos que rever as nossas projeções de receitas, pois vários indicadores que impactam a arrecadação caíram muito."
No fim do ano passado, o governo projetou um crescimento de 0,8% para o PIB neste ano, em sintonia com as previsões de mercado, apuradas pelo boletim Focus do Banco Central. A partir dessa avaliação, a meta de superávit primário do setor público para 2015 foi reduzida para 1,2%, sendo que a receita primária sofreu um corte de R$ 30,7 bilhões.
A lei orçamentária deste ano foi aprovada com a previsão de que a arrecadação dos tributos administrados pela Receita (excluída a contribuição à Previdência) ficaria em R$ 864,6 bilhões. A receita previdenciária foi estimada em R$ 392,7 bilhões. Mas a aprovação do Orçamento só ocorreu em março. Por isso, a primeira revisão nas contas feitas pelo governo ocorreu em maio, no relatório de avaliação de receitas e despesas do segundo bimestre.
No relatório, quase todos os parâmetros da economia foram mudados drasticamente, também em sintonia com as projeções de mercado. A previsão para o PIB passou a ser negativa, de queda de 1,2%. Nesse cenário, a receita administrada foi estimada em R$ 848,3 bilhões e a receita previdenciária em R$ 364,68 bilhões. Ou seja, em maio o governo já tinha reduzido R$ 44,3 bilhões somente nos dois itens. A diminuição total na previsão de receita chegou a R$ 76,1 bilhões porque o governo reduziu também R$ 31,8 bilhões das receitas não administradas (dividendos, concessões, royalties etc.).
Em julho, a situação da economia ficou ainda mais dramática e o governo foi obrigado a refazer as suas estimativas. "Ninguém esperava uma queda tão forte do PIB", disse Rachid. O governo agora trabalha com contração de 1,5% da atividade econômica neste ano. "Nos últimos três meses, vimos que os indicadores econômicos que impactam a receita (PIB, massa salarial, atividade industrial, venda no varejo etc.) estavam muito para baixo e que era necessário rever as nossas projeções", disse.
No relatório de avaliação de receitas e despesas do terceiro bimestre, divulgado na quarta-feira, a estimativa da arrecadação dos tributos administrados foi reduzida para R$ 818,9 bilhões e a arrecadação previdenciária para R$ 350 bilhões. A queda desses dois itens foi de R$ 44,2 bilhões. A redução total, incluindo a estimativa das receitas não administradas, foi de R$ 46,7 bilhões. Isto significa que o governo já cortou R$ 122,5 bilhões da previsão de receita que consta da lei orçamentária de 2015. A receita primária total passou de R$ 1,447 trilhão na lei orçamentária para R$ 1,325 trilhão - uma queda real na comparação com 2014, que ficou em R$ 1,224 trilhão.
A redução da meta de superávit primário do setor público de 1,2% do PIB para 0,15% do PIB decorre dessa realidade da receita. O governo decidiu criar uma "cláusula de abatimento da meta por frustração de receitas específicas" porque boa parte da previsão da receita administrada está condicionada à aprovação, pelo Congresso, de algumas propostas.
Um total de R$ 26,4 bilhões decorre da medida provisória que cria o programa de redução de litígios (Prorelit), do projeto que regulariza a entrada no país do dinheiro enviado ao exterior, de forma ilegal, por brasileiros, e dos projetos de concessão de serviços públicos. "Agora estamos navegando de forma mais segura", disse Rachid, em referência à revisão dos dados de receita e meta.
O secretário da Receita constata, no entanto, que "não está fácil arrecadar". Isso porque a receita obtida no primeiro semestre deste ano ficou abaixo da previsão de arrecadação ajustada ao ciclo econômico. "A diferença maior está ocorrendo no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas [IRPJ] e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido [CSLL]", informou. Houve uma queda real de 9,1% na receita do IRPJ/CSLL de janeiro a junho. Só no mês passado, a queda foi de 22,6%.
Segundo o secretário, as empresas obrigadas ao lucro real, que constituem a maior parte das grandes empresas do Brasil, tipicamente optam pelo recolhimento por estimativa mensal. Isto é, apuram o tributo a pagar com base na receita bruta. Essas empresas podem, no entanto, ajustar seus recolhimentos ao resultado efetivo e expectativas, por meio dos balancetes de suspensão/redução, deixando maior proporção dos pagamentos eventualmente para a declaração de ajuste no fim do período. Na esteira da suspensão, pode-se verificar significativa redução dos impostos pagos. A suspeita é que, devido às incertezas, muitas delas estejam fazendo uma espécie de "balanço defensivo".
O secretário diz acreditar que a postergação dos pagamentos de tributos por parte das empresas reflita também uma expectativa de que haverá, no futuro, um novo Refis, o sistema de parcelamento de dívidas tributárias com vantagens de juros e multas. "Como houve vários Refis nos últimos anos, as empresas ficam esperando o próximo", constatou. "Esse é um mal que decorre dos sucessivos Refis", afirmou.
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"A realidade foi convidada e se impôs"
Por Claudia Safatle | De Brasília
Tratar a revisão da meta fiscal como um problema de divergências no governo e perda de prestígio do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é reduzir o tamanho da encrenca em que se meteu a economia brasileira e, por consequência, a perda de espaço da área econômica para agir e reparar os erros do primeiro mandato de Dilma Rousseff. O drama que se colocou sobre a mesa da presidente foi muito mais profundo do que eventual disputa entre Levy e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa: a receita com impostos e contribuições está se desmilinguindo.
Previsões oficiais apontam para um corte de cerca de R$ 100 bilhões em relação aos prognósticos de arrecadação feitos pelo fisco em maio. Em relação às projeções do orçamento, a redução de receitas corresponde a R$ 122 bilhões.
"A realidade foi convidada para as reuniões e se impôs. A revisão de receitas para o ano foi feita pela Fazenda", explicou Barbosa ao Valor.
Foi para antecipar que a meta fiscal cairia substancialmente em relação aos 1,13% do PIB originais que o ministro da Fazenda recomendou à Receita Federal que divulgasse, no dia 15, estudo intitulado "Distanciamento da Arrecadação das Estimativas Cíclicas e Estruturais para a Receita Administrada em 2015". No documento, a Fazenda avisou, preparando terreno para a redução da meta que seria anunciada na semana seguinte, que a "quebra" de receita neste ano seria maior do que o 1,66% vistos em 2014. O estudo, porém, já está defasado.
Foi do Ministério da Fazenda a sugestão à presidente Dilma Rousseff de baixar o superávit primário para 0,15% do PIB. A situação é muito preocupante, as empresas não estão pagando impostos - o que sai mais barato do que contratar capital de giro em banco -, apostando em um novo Refis mais adiante. E, no entendimento da área econômica, a deterioração que está levando a esse comportamento não decorre de questões de natureza macroeconômica, mas das gritantes incertezas políticas que estão colocadas diante da fragilidade do governo e das investigações no âmbito do Petrolão.
Pouco depois da divulgação desse estudo, Levy reforçou os sinais ao indicar, em entrevista à "Folha de S.Paulo", que a redução da meta, que seria anunciada naquela semana, não deveria ser vista como relaxamento fiscal. Ao contrário, veio acompanhada de um corte adicional de R$ 8,7 bilhões no gasto.
Levy apoiou a reintrodução da cláusula de abatimento da meta no caso de frustração de R$ 26,4 bilhões de receitas à espera de aprovação no Congresso e de recursos obtidos com concessões. A cláusula é a forma de o governo não ficar refém do Congresso, de quem depende a aprovação de medidas que renderiam as receitas estimadas, e não ter problemas adicionais com o TCU.
Ele disse que a meta fiscal de 0,15% do PIB, que com os abatimentos pode se transformar em déficit, é "piso"; e que fará todos os esforços possíveis para executar superávit maior, mas está mais do que ciente do tamanho das dificuldades para evitar déficit. E chamou a atenção para a existência de desequilíbrio estrutural entre receitas e despesas obrigatórias. Ou seja, o ajuste fiscal dos próximos anos terá que comportar medidas estruturais de aumento da arrecadação ou de diminuição dos gastos obrigatórios.
A decisão de reduzir a meta não foi, portanto, jogo de perde e ganha. Foi aceitar os fatos como eles se apresentaram. "Não houve briga alguma", assegurou Levy aoValor.
Divergências entre a Fazenda e o Planejamento existem. Barbosa, por exemplo, contou que defendeu a criação da banda de variação da meta fiscal que para este ano seria de 0% a 0,4% do PIB. Levy foi contra, mas apoiou a cláusula de abatimento. À notícia de que Levy saíra enfraquecido do embate, Dilma reagiu com palavras de apoio ao ministro. Levy é o ministro forte de um governo fraco.
A verdade simples e trágica é que não há dinheiro para cumprir a meta original, as contas públicas estavam muito piores do que se imaginava e é muito provável que não haja dinheiro sequer para fazer superávit este ano. As empresas não estão tendo bom desempenho sobre o qual pagar tributos. E quando têm, preferem não recolher os impostos à esperar de um novo e generoso programa de refinanciamento.
O Congresso, onde os presidentes da Câmara e do Senado estão sob suspeita de envolvimento no esquema da Petrobras, não se mostra à altura da crise. Hostil ao Palácio do Planalto, faz vista grossa à desintegração das estruturas da economia e sonega a aprovação de medidas que poderiam recolocar as finanças públicas em rota de arrumação. Do PT, pouco se pode esperar. É nesse ambiente que o ministro da Fazenda tenta se mover, mas o fato é que se ele evitou o rebaixamento do país pelas agências de rating quando assumiu, "nos últimos sete meses as coisas só pioraram", na visão de fontes qualificadas da área econômica.
A conta das opções do primeiro mandato de Dilma Rousseff se explicita: recessão, inflação alta, juros em ascensão e esgotamento dos recursos públicos. Associada à crise policial - investigações da Operação Lava-Jato, situação das empreiteiras e temor de lideranças políticas envolvidas no Petrolão -, a situação se complica ainda mais. A economia tem conserto, ainda que a duras penas, mas precisa da política para que este seja implementado.
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Mínimo deve elevar custo da Previdência em até R$ 78 bilhões
Por Flavia Lima e Tainara Machado | De São Paulo
Como se o imbróglio fiscal não fosse suficiente, a inflação de mais de 9% neste ano deve trazer dor de cabeça adicional ao governo no ano que vem. As métricas usadas nas estimativas sobre os efeitos fiscais do reajuste do salário mínimo em 2016 podem até divergir, mas os economistas ouvidos pelo Valor concordam que o estrago nas contas do governo será considerável. Segundo eles, a pesada herança inflacionária de 2015 deve fazer com que os gastos do governo com a Previdência engordem entre R$ 50 bilhões e R$ 78 bilhões. Segundo o boletim Focus, do Banco Central, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), um dos parâmetros para reajuste do piso, deve subir 9,63% em 2015.
A despesa previdenciária, neste cenário, pode até ultrapassar 8% do Produto Interno Bruto (PIB), alta de 1 ponto percentual em relação ao gasto de 2014, o que dificulta ainda mais o aumento do superávit primário no ano que vem.
Para Maurício Oreng, economista do Itaú, o impacto de um aumento de 1% do salário mínimo na despesa previdenciária é de R$ 4,4 bilhões. Como o piso salarial é ajustado pela inflação do ano anterior e o PIB de dois anos antes, o gasto da Previdência em 2016, quando a correção do mínimo deve superar 9%, vai ser ao menos R$ 40 bilhões maior do que o de 2015. A estimativa do Itaú é que essa despesa alcance R$ 439 bilhões ao fim deste ano e suba para R$ 486 bilhões em 2016, um aumento de R$ 47 bilhões.
Na mesma linha, a LCA Consultores estima que cada R$ 1 a mais no salário mínimo acrescenta entre R$ 350 milhões e R$ 400 milhões às despesas anuais do governo federal. Considerando uma inflação de 9,5%, o mínimo sairia de R$ 788 para R$ 862,86 em 2016, adicionado às contas do governo central algo entre R$ 26,250 bilhões e R$ 30 bilhões em 2016.
Nas contas da Tendências, os gastos da Previdência podem sair de R$ 438,7 bilhões em 2015, ou 7,5% do PIB, para chegar a R$ 516,8 bilhões em 2016, ou 8,2% do PIB. Essa variação representaria crescimento real de 11,9%, ou R$ 78,1 bilhões.
Fábio Klein, economista da consultoria, ressalta que os dados, preliminares, estimam para o ano que vem um total de 35,5 milhões de benefícios previdenciários ante cerca de 32,2 milhões de benefícios pagos no fim de 2014. Deste total, prevê Klein, em torno de 70% ou 24,7 milhões de aposentadorias e pensões devem pagar o piso (o mínimo) e, portanto, seguirão a regra de reajuste do salário mínimo, e outros 10,8 milhões de benefícios devem ultrapassam o piso e logo serão reajustados apenas pela inflação.
O impacto sobre as contas do governo é expressivo porque os benefícios previdenciários e de assistência social que pagam o salário mínimo como piso seguem a regra atual de reajuste do mínimo. Já os benefícios acima do mínimo são reajustados apenas pelo INPC. No exercício da Tendências, por exemplo, foi usada uma projeção de 9,12% para o INPC de 2015, mais o pequeno avanço de 0,14% do PIB de 2014. Embora o PIB modesto segure o reajuste real, o prejuízo em 2016, diz Klein, virá da inflação, muito alta em 2015.
Diante do cenário, diz Oreng, do Itaú, o gasto da Previdência deve aumentar 0,3 ponto do PIB no ano que vem, para 7,8% do produto, tanto por causa do aumento do salário mínimo quanto pelo crescimento do número de beneficiários. Para as contas da Previdência, diz o economista, a composição do reajuste do piso salarial em 2016 será mais negativa porque praticamente todo o aumento virá da inflação, que corrige todos os benefícios, inclusive aqueles que superam o mínimo.
Para um economista que preferiu não se identificar, o impacto do reajuste do piso no ano que vem deve ser um aumento de gastos de R$ 49,3 bilhões, considerando despesas com Previdência, abono e seguro-desemprego. Para 2015, o custo estimado é de R$ 42 bilhões. O reajuste, diz, tende a representar pressão importante sobre as contas públicas, já que a inflação de 9% esperada para esse ano deve garantir correção do mínimo equivalente à observada em anos de crescimento mais forte do PIB.
O outro lado dessa moeda, dizem especialistas, é que, a partir de 2017, a regra será favorável para as contas públicas, já que as expectativas são de forte desaceleração da inflação e crescimento baixo. Para Oreng, do Itaú, no momento em que a regra atual vencer, em 2019, haverá espaço para discussão. Uma alternativa, emenda o economista, seria reajustar as aposentadorias apenas pela inflação, sem o repasse de aumento real - ou de ganhos de produtividade - para os aposentados.
Na contramão do sugerido por especialistas, contudo, deputados e senadores buscam estender o reajuste do mínimo aos benefícios de valor superior ao piso pago pela Previdência - regra aprovada pela Câmara e pelo Senado, mas que deve ser vetada pela presidente Dilma. A mudança não teria impacto muito significativo pelo menos nos próximos dois anos, mas é motivo de preocupação no longo prazo.
Segundo Klein, da Tendências, com a nova regra sugerida pelo Congresso (reajuste igual ao mínimo para todos os benefícios), os gastos com benefícios subiriam para R$ 518,4 bilhões em 2016 - uma diferença de apenas 0,3% ou R$ 1,6 bilhão sobre os gastos estimados levando-se em conta a regra vigente. Isso porque o PIB de 2014 - que conta para a regra do mínimo em 2016 - subiu apenas 0,14%.
O impacto fiscal em termos das contas públicas realmente não é grande em 2016, mas é preciso se atentar para o impacto qualitativo da medida, diz Bernardo Fajardo, da Fundação Getulio Vargas. Para ele, após esse "direito" da ampliação do cálculo do reajuste ser adquirido pelos demais benefícios torna-se quase impossível voltar atrás. "Ou seja, esse pequena diferença para 2016 seria prolongada por diversos anos, acarretando um aumento significativo na dívida bruta no longo prazo".
Organizador de um livro sobre o impacto fiscal do reajuste do mínimo, Rodrigo Leandro de Moura, também da FGV, diz que o déficit da Previdência não seria um problema se outras contas do governo cobrissem esse rombo. "Como não é o caso, o que vai acabar ocorrendo é aumento de tributação sobre os trabalhadores que estão na ativa que vão ter que arcar com aposentadoria e pensão de um contingente cada vez maior de aposentados", diz.
Autor de um dos capítulos do livro organizado por Moura, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, diz em artigo que a política de valorização do mínimo cumpriu o seu papel e, a partir de 2016, o desafio do governo é continuar a dar aumentos reais do mínimo, sem gerar "elevação explosiva dos gastos primários". Segundo o artigo, a adoção de uma regra de reajuste real do mínimo pelo PIB per capita ou por um percentual fixo por ano pode, em conjunto com a extinção gradual do abono salarial, estabilizar o gasto federal com transferência de renda como proporção do PIB até 2019.