Uma devolução histórica de R$ 700 milhões

 

 O Ministério Público Federal (MPF) informou ontem que celebrou acordo de leniência com a construtora Camargo Corrêa no qual a empreiteira reconheceu a prática de diversos crimes, inclusive cartel, fraude à licitação, corrupção e lavagem de dinheiro. Ainda no acordo, a construtora se comprometeu a devolver R$ 700 milhões a título de ressarcimento por prejuízos causados à sociedade. No Brasil, esse é o maior valor a ser devolvido por uma empresa acusada de formação de cartel em toda a história. O pagamento pode ser parcelado com juros.

DIVULGAÇÃO/07-02-2013Eletronuclear. Obras em Angra 3 foram orçadas em R$ 3 bilhões: propina iria custar 1% do valor do contrato

A maior parte desse valor será destinado às empresas públicas que foram prejudicadas pela construtora: Petrobras, Eletronuclear e Eletrobras. A empreiteira se obrigou ainda a entregar novas informações e a produzir provas sobre os crimes envolvendo outras 15 empreiteiras que participavam do chamado “clube das 16”.

Até agora, de acordo com o MPF, a Justiça do Paraná já recuperou R$ 870 milhões de empresas ou réus nos processos da Operação Lava-Jato e bloqueou R$ 2,4 bilhões dos réus. Em cinco ações de improbidade administrativa, o MPF pede o ressarcimento de R$ 6,7 bilhões.

EXECUTIVOS DA EMPREITEIRA TERÃO IMUNIDADE

A Camargo Corrêa confessou que participou de cartel nas obras da Refinaria de Abreu e Lima, da Petrobras, em Pernambuco, na construção da usina nuclear de Angra 3, da Eletronuclear, e na usina hidroelétrica de Belo Monte, da Eletrobras. Dois executivos da empreiteira, Dalton Avancini (ex-presidente) e Eduardo Leite (vice-presidente), confessaram que pagaram propinas para funcionários das estatais e para políticos para facilitar sua participação nas obras. Somente nas obras de Abreu e Lima, que custaram aos cofres públicos em torno de R$ 20 bilhões, a Camargo Corrêa pagou R$ 110 milhões em propinas.

Em Belo Monte, a Camargo Corrêa pagou R$ 20 milhões em propinas. Em Angra 3, cujo custo final da obra foi orçado em R$ 3 bilhões, a construtora ficou de pagar 1% do valor do contrato para políticos do PMDB. No entanto, segundo Dalton Avancini, a empresa não chegou a pagar as propinas. Avancini e Eduardo Leite fizeram acordo de delação premiada junto à Justiça do Paraná. Os dois foram condenados pelo juiz Sérgio Moro a penas de 15 anos de prisão. Mas, devido ao acordo, eles cumprirão a pena em regime domiciliar.

Um terceiro executivo da Camargo Corrêa, João Euler, ex-presidente do Conselho de Administração, não fez acordo de delação e foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão. Euler apela em liberdade. Com o acordo, na Lava-Jato, todos os executivos e a empreiteira terão imunidade em novas ações sobre a prática de cartel, corrupção e improbidade administrativa, entre outros crimes.

Segundo o MPF, as provas apresentadas pela empreiteira serão utilizadas para demonstrar crimes cometidos por outras empresas, especialmente os crimes de fraude à licitação e cartel, e também por agentes públicos e operadores ilegais do mercado financeiro. A Camargo denunciou que somente nas obras manipuladas da Petrobras participavam do esquema criminoso, além da construtora, a Andrade Gutierrez, Odebrecht, Mendes Junior, MPE, Promon, Setal, Techint, UTC, OAS, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Queiroz Galvão, Skanska e GDK. O esquema contou com a participação direta de 35 executivos dessas empresas, que deverão ser responsabilizados criminalmente.

O acordo é complementar ao assinado pelas mesmas partes e o Conselho de Desenvolvimento Econômico ( Cade) no último dia 19. Somente no caso das fraudes contra a Petrobras, a Camargo Corrêa pagará uma multa de R$ 104 milhões, dos quais R$ 101,6 milhões serão pagos pela empresa, R$ 1,7 milhão por Avancini e outros R$ 1,7 milhão por Eduardo Leite. A multa foi aplicada porque a construtora foi a segunda empresa a reconhecer o cartel. A primeira foi a Setal, em acordo assinado em março deste ano.

Em outro acordo fechado no dia 31 de julho entre o MPF, o Cade e a Camargo, a empresa confessou de forma pioneira os crimes de cartel nas obras de Angra 3, mas ficou de cumprir uma série de obrigações, inclusive entregando 22 executivos de seis empresas, além da Camargo: Andrade Gutierrez, Odebrecht, Queiroz Galvão, EBE, Techint e UTC. Por ser a primeira empresa a confessar a existência do cartel nas obras da Eletronuclear, a Camargo não foi multada, mas terá que apresentar documentação provando o envolvimento das outras empresas no esquema fraudulento.

Conforme o MPF, “esse acordo estabelece um novo paradigma no direito brasileiro, obediente ao sistema implantado pela legislação contra a corrupção, contra os ilícitos econômicos e lavagem de dinheiro, e alinha-se à prática dos melhores sistemas jurídicos do mundo”.

CAMARGO CORRÊA: INVESTIGAÇÃO INTERNA

A Camargo Corrêa divulgou nota afirmando que a assinatura do acordo com o MPF está “coerente com a decisão de sua administração de identificar e sanar irregularidades”, comprometendo-se a fornecer informações de sua conduta nos processos em investigação “e também a reforçar com mecanismos modernos e eficazes seus programas de controle interno e compliance”. Segundo a construtora, as informações e documentos que estão sendo apresentados às autoridades “são resultado de investigações internas que vêm sendo conduzidas pela companhia, com auxílio de especialistas externos e auditoria forense independente”. A construtora reafirma “sua disposição de colaborar para o esclarecimento dos fatos, assumir responsabilidades com a adoção das medidas necessárias para corrigir desvios e garantir um ambiente de negócios éticos, justos e sustentáveis”.

Com mais de 15.300 funcionários, segundo dados de 2014, a Camargo Côrrea, naquele ano, tinha receita bruta de mais de R$ 4,9 bilhões e patrimônio líquido de R$ 3,07 bilhões. Em relação aos contratos da empreiteira, 65% eram privados e 35% eram contratos com órgãos públicos. Os dados não incluíam participações, e foram publicados na revista “O Empreiteiro”.