Defesa de Eike conta com parecer de ex-ministro do STJ

 

08/08/2015

Por Francisco Góes | Do Rio

A defesa de Eike Batista nos processos nos quais ele é réu na Justiça Federal, acusado de crimes de uso de informação privilegiada e de manipulação de mercado, considera ter um elemento jurídico capaz de reforçar a tese de absolvição do empresário. A pedido dos advogados Ary Bergher e Rafael Mattos, representantes de Eike na ação penal, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp elaborou um parecer, ainda não anexado ao processo, que dá "embasamento" aos argumentos da defesa. "O parecer demole a acusação e dá suporte ao nosso entendimento [de que Eike não praticou os crimes dos quais é acusado]", disse Bergher ao Valor.

"A denúncia não preenche todos os requisitos legais para configurar os fins pretendidos, já que não descreve todas as condutas e circunstâncias necessárias para imputar a prática dos delitos ao acusado como manda a lei", escreve Dipp nas conclusões do parecer jurídico ao qual o Valor teve acesso. No processo, os advogados de Eike discutem não só o mérito da acusação -se ele cometeu a manipulação de mercado e o chamado "insider trading" -, mas também questionam a competência da Justiça Federal para julgar o caso.

Segundo Bergher, foi Dipp que criou as varas criminais especializadas em crimes de lavagem de dinheiro, contra o sistema financeiro nacional, corrupção e crime organizado. "Ele [Dipp] teve como um de seus alunos o juiz Sérgio Moro [responsável pela Operação Lava-Jato]", disse Bergher. Com base nesse currículo, o jurista foi consultado pelos advogados de Eike a analisar as teses da acusação e da defesa na ação penal contra o empresário. Dipp formulou o parecer, o qual foi concluído no começo de julho. Diz o ex-ministro na conclusão: "(...) Do ponto de vista jurídico penal não se verifica pelos documentos fornecidos pelos consulentes, dentre eles a denúncia ofertada ao juízo da 3ª Vara Federal Criminal da Secção Judiciária do Rio de Janeiro e o processo administrativo em trâmite perante a CVM [Comissão de Valores Mobiliários], que o Sr. Eike Batista tenha praticado condutas que caracterizam os tipos penais previstos no artigo 27-C e 27-D, ambos da Lei 6.385/76 e, consequentemente, punível na esfera criminal." A lei 6.385 criou a CVM e trata sobre o mercado de valores mobiliários. A reportagem tentou, mas não conseguiu falar com Dipp.

O Valor tentou ainda ouvir o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro, autor da denúncia contra Eike. A assessoria do MPF informou que o procurador José Maria Panoeiro, responsável pelo caso, não iria se manifestar. A Justiça Federal disse que o juiz Vitor Valpuesta, da 3ª Vara Federal Criminal, instância onde tramita o processo, só iria se manifestar após o retorno dos autos do MPF.

"O parecer demole a acusação e dá suporte ao nosso entendimento", afirma Ary Bergher, advogado de Eike

Para juristas consultados pelo Valor, um parecer jurídico não tem influência direta sobre a decisão de um juiz. O que pesa mesmo são as teses defendidas no processo judicial. Mas um parecer elaborado por um jurista experiente, como é o caso de Dipp, fortalece os argumentos da defesa. Quase um ano depois de Eike ter se tornado réu em ação penal, a partir de denúncia do MPF do Rio, em setembro de 2014, por suposta prática dos crimes de manipulação do mercado e "insider trading", o processo contra o empresário continua em uma fase de recursos.

A denúncia contra Eike se baseou nos termos de uma acusação da CVM contra o empresário por manipulação de mercado e por ter negociado ações da petroleira OGX com informação privilegiada. Ainda hoje tramitam na CVM 23 processos relacionados às empresas de Eike, entre processos administrativos sancionadores e não sancionadores. Darwin Correa, advogado que representa Eike em processos da CVM, disse que os processos da autarquia que embasaram a denúncia do MPF à Justiça ainda estão em fase probatória.

Dipp relata no parecer que a denúncia do MPF considerou que Eike simulou a contratação de uma cláusula "put" em que se obrigaria a aportar US$ 1 bilhão na petroleira OGX. O anúncio teria causado "dano difuso" aos investidores uma vez que os recursos não foram aportados. Dessa forma, Eike teria evitado a redução de seu patrimônio pessoal em R$ 1,5 bilhão. De acordo com a denúncia, relatada por Dipp em seu parecer, Eike teria usado informações relevantes para obter para si próprio vantagens indevidas. Esse uso de informações teria ocorrido em dois períodos: entre maio e junho de 2013, quando Eike vendeu ações de um fundo de sua propriedade emitidas pela OGX; e entre agosto e setembro de 2013, quando Eike vendeu mais ações da OGX e também de outra empresa do grupo, a OSX, obtendo novamente, lucros indevidos.

Em resposta, a defesa de Eike alegou incompetência da 3ª Vara Federal Criminal em decorrência da violação de artigos da Constituição Federal, entre outros argumentos. Os advogados sustentaram ainda "inépcia" formal da denúncia por ofensa a artigo do Código de Processo Penal (CPP) e alegaram ausência de "justa causa" para a denúncia em decorrência de vários fatores, entre os quais citaram o fato de que não houve negociação em posse de informação privilegiada, nem dolo nos fatos narrados, inexistindo "dano difuso" ao mercado passível de reparação na esfera penal.

Argumentaram ainda que Eike foi o maior investidor individual da OGX, tendo aportado ao todo R$ 2,7 bilhões na petroleira e R$ 1,6 bilhão na OSX. "No período de outubro de 2012 a julho de 2013, ao qual a área técnica da CVM elegeu como 'suspeito', Eike colocou do próprio bolso na OSX cerca de R$ 700 milhões, com a finalidade de atender a demanda de equipamentos da OGX", diz trecho dos contra-argumentos da defesa. Os advogados negam que tenha havido "insider trading" e afirmam que o MPF não entendeu do que se tratou a "put", a qual foi equacionada, segundo a defesa, no plano de recuperação judicial da OGX. "Houve açodamento do MPF ao oferecer a denúncia", disse Bergher.

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Processo teve reviravoltas, juiz titular foi afastado e defesa quer anular atos

 

08/08/2015

Por Francisco Góes | Do Rio

 

 A ação penal contra Eike Batista passou por várias reviravoltas em quase um ano de tramitação. Os movimentos mais recentes ocorreram em junho, quando o Ministério Público Federal no Rio interpôs recurso junto ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região contra a decisão da primeira instância de liberar bens do empresário. O recurso do MPF foi uma reação ao juiz substituto da 3ª Vara Federal Criminal do Rio, Vitor Valpuesta, que em junho determinou o desbloqueio de parte dos bens de Eike. O juiz manteve só uma parcela dos valores do empresário bloqueados (são mais de R$ 162 milhões).

O recurso do MPF pede que o TRF2 determine o bloqueio de bens imóveis e móveis, incluídos valores mobiliários e quaisquer ativos financeiros do empresário, até o montante de R$ 1,026 bilhão. Os advogados Ary Bergher e Rafael Mattos, que representam Eike, pretende contrapor. "Vamos pedir que desbloqueie tudo", disse Bergher. Valpuesta substituiu o juiz titular da 3ª Vara Federal Criminal, Flávio Roberto de Souza, que foi afastado de suas funções depois de denúncias. Souza foi flagrado dirigindo um Porsche de Eike apreendido em uma operação de bloqueio de bens.

Enquanto esteve à frente do processo, Souza chegou a decretar o bloqueio e arresto de todos os bens de Eike e de parentes do empresário, incluindo a ex-mulher, Luma de Oliveira; da atual, Flávia Sampaio;, e dos filhos do empresário com Luma, Thor e Olin. O arresto de bens foi fixado em até R$ 1,5 bilhão. Em novembro, os advogados de Eike entraram com um pedido de suspeição (afastamento) do juiz logo depois de uma audiência na Justiça Federal. Argumentaram que o juiz teria um "pré-conceito" contra o empresário. A defesa pediu a suspensão de todos os atos do juiz, o que levaria o processo à estaca zero. Mas o TRF2 decidiu suspender os atos do juiz a partir da audiência. A defesa de Eike recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a nulidade dos atos do juiz.

Após o pedido de suspeição, o caso foi remetido para o TRF2 e, em dezembro, a 2ª Turma Especializada do Tribunal julgou o pedido de afastamento de Souza. Houve dois votos a favor da suspeição e um pedido de vista dos autos. Em fevereiro deste ano, a Corregedoria Regional da Justiça Federal da 2ª Região instaurou processo de sindicância para apurar os fatos noticiados pela imprensa sobre a conduta de Souza, envolvendo o uso de bens de Eike. Os leilões dos carros do empresário, entre os quais o Porsche, um Toyota e um Land Rover, que ocorreriam em março, foram suspensos. Ainda em fevereiro, a ministra Nancy Andrighi, corregedora nacional de Justiça, ordenou o afastamento do juiz Souza dos processos contra Eike.

Em março, o Órgão Especial do TRF2 decidiu pelo afastamento de Souza de suas funções, bem como decidiu abrir investigação para apurar os indícios de irregularidades na atuação do magistrado. No fim daquele mês, o Órgão Especial decidiu instaurar processos administrativos disciplinares contra o juiz federal Flávio Roberto de Souza, a partir dos fatos apurados nas sindicâncias. O Ministério Público Federal da 2ª Região informou que existem cinco procedimentos disciplinares contra Souza e uma denúncia criminal contra o magistrado. O MPF quer que o TRF2 aposente o juiz.