Para Planalto, deputado fica sem crédito para pedir impeachment

 

No Palácio do Planalto, a avaliação é que a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tira sua “credibilidade” para fazer movimentos ousados contra a presidente Dilma Rousseff, como levar adiante um pedido de impeachment.

UESLEI MARCELINO/REUTERSDiplomática. Dilma evitou falar sobre Cunha: “A Presidência não faz análise sobre investigações e outros Poderes”

Integrantes da cúpula do governo ouvidos pelo GLOBO afirmaram, reservadamente, que a curto prazo, Cunha vai tentar “incendiar” a Câmara, mas perderá força se fatos novos fragilizarem ainda mais sua situação. Segundo governistas, ele não se afastará do cargo porque tem apoio de muitos parlamentares. No entanto, avaliam que, se houver um “efeito cascata” de acusações contra ele, naturalmente os deputados que lhe dão sustentação política se afastarão para não se contaminarem.

Em atrito com Cunha há meses, Dilma evitou ontem comentar a situação do deputado. Após almoço com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse que não analisa investigações.

— A Presidência da República e o Executivo não fazem análise a respeito de investigações nem a respeito de outros Poderes — disse Dilma.

MINISTRO PREVÊ “GUERRA POLÍTICA” NA CÂMARA

Com as acusações feitas por Cunha de que o governo e a Procuradoria-Geral da República fizeram um acordo para prejudicá-lo, coube ao ministro Edinho Silva (Comunicação Social) reforçar a isenção das instituições que estão investigando o escândalo de corrupção na Petrobras.

— O governo não irá se pronunciar sobre o conteúdo da manifestação do presidente da Câmara dos Deputados. O governo da presidenta Dilma acredita na isenção das instituições que apuram as denúncias — afirmou o ministro, por meio de nota.

No Rio, o ministro Jaques Wagner (Defesa) foi cauteloso ao comentar a situação de Cunha.

— Não existe, por enquanto, condenação. É uma denúncia, que é uma das fases do processo. Vamos aguardar o julgamento — afirmou.

Wagner disse não acreditar que Cunha confunda sua situação pessoal com a institucional e dificulte a vida da presidente Dilma na Câmara, colocando em votações uma agenda de vingança.

— Não imagino que o presidente da Câmara queira se voltar contra o governo. Até porque não está se voltando contra o governo. Está se voltando contra o Brasil, contra a possibilidade de futuro e de prosperidade.

O ministro comentou ainda que o país não pode parar “para assistir à novela Lava-Jato” e ficar paralisado com cada denúncia que surge. Wagner, que já foi deputado, disse que haverá uma guerra política na Câmara sobre o afastamento de Cunha da presidência da Casa:

— Esse é um problema que complica para a Câmara dos Deputados. Mas o fato de estar denunciado não significa uma obrigação de afastamento. Seguramente, vai haver uma guerra política lá dentro, de pessoas defendendo uma posição e pessoas defendendo outra.

A bancada de deputados do PT está dividida quanto à postura a adotar em relação ao presidente da Câmara. A segunda maior corrente interna, a Mensagem ao Partido, quer pedir o afastamento do peemedebista da presidência da Casa, mas a ala majoritária, a Construindo um Novo Brasil (CNB), mantém cautela.

A ponderação de integrantes da CNB é que, apesar da denúncia, Cunha ainda é muito forte na Câmara e mantém potencial de criar problemas para o governo e o PT. O temor desses petistas é, ao atacar o peemedebista, empurrá-lo ainda mais para a oposição e dar lastro a seu discurso de que o governo instrumentalizou as investigações da Lava-Jato.

O argumento dos defensores do afastamento é que Cunha utiliza a presidência e a estrutura da Casa para atrapalhar as investigações. Esses petistas afirmam não haver constrangimento em relação aos deputados José Mentor (PT-SP) e Vander Loubet (PT-MS), também investigados na Lava-Jato, porque não estão defendendo a cassação, e, sim, a saída do comando da Casa.

Mesmo na Mensagem há gradações em relação ao pedido de afastamento da presidência da Câmara. Os deputados Henrique Fontana (PTRS), Alessandro Molon (PT-RJ) e Margarida Salomão (PT-MG), por exemplo, já encamparam o movimento pela saída do peemedebista.

— Ele cria um incômodo para a Câmara. É muito constrangedor que o presidente da Câmara esteja denunciado como alguém diretamente envolvido na Lava-Jato — disse Margarida.

Em reunião da coordenação da bancada do PT, na manhã de ontem, os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS) defenderam, segundo deputados presentes, que o pedido de afastamento tem que ser articulado com outros partidos, para que o PT não fique isolado. Ainda de acordo com eles, a bancada precisa consultar a direção partidária.

Nessa reunião, os deputados Benedita da Silva (PT-RJ) e Assis Carvalho (PT-PI), ambos da CNB, disseram que é preciso aguardar o julgamento de Cunha pelo STF, contaram alguns dos presentes. O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), também estava cauteloso.

— Não precisamos de carrascos — disse um deputado da corrente majoritária, defendendo que o partido deixe Cunha se enforcar por conta própria.

 

Parlamentares buscam assinaturas pelo afastamento

Parlamentares de dez partidos começaram a coletar ontem assinaturas em um manifesto que pede a saída de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara. Liderado pelos deputados Chico Alencar ( PSOL- RJ), Alessandro Molon (PT-RJ), Henrique Fontana (PT-RS) e Júlio Delgado (PSBMG), o grupo considera “gravíssimo” o fato de o presidente da Casa ter sido acusado formalmente de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Integram o grupo pelo afastamento deputados de PSOL, PSB, PT, PPS, PDT, PMDB, PR, PSC, PROS e PTB.

Os deputados esperam reunir o maior número possível de assinaturas para pressionar Cunha a deixar o comando da Câmara. Um eventual processo no Conselho de Ética da Casa, no entanto, somente ocorrerá depois que o STF acatar a denúncia.

— Rezam o bom senso e a preocupação com o Parlamento que ele se afaste até que tudo seja apurado. É uma questão elementar — afirmou Chico Alencar.

“ROBUSTO CONJUNTO PROBATÓRIO”

O manifesto lido no plenário por Alencar diz que a denúncia contra Cunha tem “robusto conjunto probatório” e expõe o Congresso, tornando “insustentável a sua permanência na presidência da Casa”. Segundo o texto, lido pelo deputado Chico Alencar, a responsabilidade de presidir a Câmara é “incompatível com a condição de denunciado” e pede o afastamento imediato de Cunha do cargo.

“A diferença da condição de um investigado em inquérito para a de um denunciado é notória. Neste caso, Cunha é formalmente acusado de ter praticado crimes. Com a denúncia do Ministério Público, a situação torna-se insustentável para o deputado, que já demonstrou utilizar o poder derivado do cargo em sua própria defesa”.

O grupo acredita já contar com o apoio de cerca de 80 deputados, mas somente um partido, o PSOL, com apenas 4 deputados, fechou questão sobre o tema. O PT irá se reunir na próxima segunda- feira para deliberar sobre o assunto. Mas integrantes da legenda acreditam que não haverá uma posição unificada da bancada sobre o afastamento de Cunha.

 

Na linha de sucessão, outro investigado

Na hipótese ainda pouco provável de Eduardo Cunha ( PMDB- RJ) se afastar da presidência da Câmara por conta da denúncia por corrupção e lavagem, assumiria o comando da Casa seu vice, um deputado pouco conhecido, do baixo clero, cuja situação não é muito melhor. Trata-se de Waldir Maranhão ( PP- MA), um dos 32 integrantes do PP que é investigado na Operação Lava-Jato.

Waldir Maranhão foi eleito vice- presidente da Câmara em fevereiro deste ano, com o apoio de Cunha. Se herdar o principal posto na Casa, tornando-se também o segundo homem na linha sucessória da Pre-

Maranhão: substituto de Cunha sidência da República, os constrangimentos devem continuar.

Maranhão foi apontado pelo doleiro Alberto Youssef, condenado por lavagem de dinheiro e investigado por outros crimes na Lava-Jato, como um dos deputados que receberam dinheiro por meio da empresa GFD, usada pelo doleiro para distribuir propina a políticos.

Além de investigado na mesma operação que Eduardo Cunha, Waldir Maranhão também é alvo de outros dois inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal ( STF) em que é acusado de crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos ou valores.

Como não há nas normas da Câmara previsão de instrumento legal para afastar o presidente do cargo, cabe apenas a ele próprio decidir se permanece ou não no comando da Casa. De acordo com a área técnica da Casa, a decisão sobre deixar a presidência, de forma permanente ou temporária, seria tomada apenas por um “ato de vontade” de Cunha.

Apenas no caso do peemedebista resolver se afastar permanentemente da presidência, seriam convocadas novas eleições para a Câmara. Caso contrário, caberá a Waldir Maranhão liderar os deputados.

O deputado não foi localizado pela reportagem