Sem revoluções

Durante tanto tempo tão falada, mas sem que nada acontecesse de concreto, a reforma política foi destampada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como parte de um movimento dele de confronto com o Planalto e o PT. Foi por isso que, até agora, das votações feitas de afogadilho na Câmara não resultou qualquer aperfeiçoamento substancial nas regras eleitorais.

Pelo menos, evitaram-se delírios como a aprovação do voto em lista ou distrital, por exemplo. Mas, diante da virtual eliminação, pelo Supremo, do financiamento de campanha por pessoas jurídicas, num julgamento suspenso por pedido de vista, terminou sendo positiva a aprovação deste tipo de doação, embora apenas para os partidos. Algo que precisará ser alterado, porque é crucial saber-se o destino final desse dinheiro, e como ele será gasto. O saldo, porém, dessa reforma é negativo. Há mesmo o risco de os mandatos ficarem em quatro anos, sem reeleição, um tempo muito curto para qualquer administração.

É nisso que resultou, até agora, uma reforma tocada em clima de feira livre. Ora, o sistema de mandatos de quatro anos com uma reeleição é comprovadamente o melhor, como demonstram os Estados Unidos. Vale destacar que o modelo de reeleição a um segundo mandato de quatro anos significa que o período total de governo pode ser de oito anos, com um recall na metade dele. É razoável que quatro anos sejam tempo suficiente para se avaliar uma administração: se for competente, merecerá a reeleição; caso contrário, não.

Já cinco anos são demasiados para um mau governo. E quatro, insuficientes para um chefe de Executivo bem avaliado. Toda essa construção de tempo de mandatos, uma reeleição e intercalações de pleitos gerais (presidente, governadores, Congresso e Assembleias estaduais) e municipais não deveria ser modificada. Apesar de todo o vozerio e ampla e fragmentada agenda de debates em torno de uma reforma política, as mazelas brasileiras não requerem abrangentes, heroicas e salvacionistas alterações na legislação partidária e eleitoral.

As graves deficiências do sistema de representação brasileiro devem ser corrigidas por algumas poucas, mas objetivas, medidas: uma cláusula de desempenho (percentual mínimo de votos nacionais e em um determinado número de estados) para reduzir a quantidade excessiva de legendas com representação plena nas Casas legislativas; e o fim das coligações em pleitos proporcionais, com objetivo semelhante.

Nada mais que isso. Tampouco uma “Constituinte exclusiva”, já considerada por juristas e até ministros do Supremo como inconstitucional. Pois a Carta só é reformada com quórum não qualificado em casos de rupturas institucionais. Não é do que se trata. E tentar usar este atalho para uma reforma política cheira a golpe.

 

Fortes frustrações

Infelizmente, o resultado da votação da reforma política na Câmara dos Deputados foi marcado por uma reversão de expectativas. Um dos grandes problemas do nosso processo eleitoral, e que está na raiz da maioria dos casos de corrupção e das distorções do sistema, não foi alterado: o abuso do poder econômico nas campanhas e a influência de empresas na política nacional.

A votação, em maio, já começou mal. Em ato autoritário, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), encerrou os trabalhos da Comissão Especial para a Reforma, destituiu o relator e impediu a votação. A seguir, na votação em plenário, quando foi derrotado ao tentar garantir o status de direito constitucional ao financiamento empresarial, manobrou, repetiu a votação de forma ilegal, pressionou deputados e aprovou o financiamento. Mas não foi apenas este elemento que gerou uma forte frustração. As mudanças feitas têm efeitos mais cosméticos que estruturais. Questões graves ficaram em aberto, como a necessária criminalização do caixa dois e o teto de gastos e doações em campanhas, que permanecerá altíssimo.

Mas não é só. Primeiro: candidatos a deputado poderão gastar até o teto de R$ 5,5 milhões, valor correspondente a 65% da campanha mais cara de 2014. Para se ter uma ideia, dos atuais 513 deputados, menos de 10% gastaram isto. Ou seja: nada mudou. Neste caso, mais uma vez o presidente manobrou com a votação de emendas aglutinativas e impediu a votação de emenda de minha autoria e outros deputados que definia como teto 30% a menos que a média dos gastos da última eleição.

Segundo: ficou autorizado que candidatos doem às suas próprias campanhas o valor total do teto, favorecendo os candidatos ricos e ampliando a desigualdade na disputa.

Terceiro: por incrível que pareça, o limite para doação de cada empresa será de R$ 20 milhões por CNPJ. Ou seja, grupos empresariais com diversos CNPJs poderão continuar doando R$ 100 milhões, R$ 200 milhões para campanhas eleitorais.

Quarto: pessoas físicas seguem podendo doar 10% da sua renda bruta do ano anterior. Ou seja, sem definir um valor absoluto por eleitor. Por exemplo, de R$ 700, como propõe o Movimento Eleições Limpas.

Por fim, em outro retrocesso: aprovaram a redução do tempo de campanha e de propaganda em rádio e TV de 90 e 45 dias para 45 e 30, respectivamente, beneficiando os que exercem mandato, ou já são conhecidos, pois reduz o debate e o acesso à informação. O conjunto de medidas aprovadas na reforma política não qualificará a democracia. O fracasso da votação demonstra que é preciso intensificar a mobilização por uma constituinte exclusiva, que promova uma verdadeira reforma política.