Futebol e corrupção

 

As entidades do futebol brasileiro foram criadas na primeira metade do século XX, e suas estruturas de governança evoluíram muito pouco desde então. O mundo mudou, o esporte se transformou num negócio multibilionário e, paradoxalmente, a legislação brasileira engessou o modelo esportivo num sistema autoritário e ultrapassado. Uma comparação entre as duas Copas do Mundo no Brasil evidencia a diferença entre esses dois momentos: o faturamento da Fifa com 2014 ultrapassou US$ 5 bilhões, bem diferente de 1950, quando Escócia, Portugal, França, Turquia, Birmânia e Índia desistiram de vir pelos altos custos com a viagem.

As estruturas de administração do futebol não acompanharam a evolução da sociedade e, salvo raras exceções, não possuem modelos de governança adequados à complexidade cada vez maior dos negócios no futebol. Embora só recentemente o mundo tenha sido surpreendido pela ação do FBI contra a corrupção no futebol, há algum tempo a OCDE vem alertando que a falta de legislação específica e mecanismos de controle torna o esporte campo fértil para a lavagem de dinheiro, identificando claramente uma série de vulnerabilidades:

1) Complexa rede de proprietários dos direitos federativos de jogadores (clubes, agentes, empresas, fundos de investimento);

2) fluxo internacional de recursos: direitos de transmissão, patrocínios, operações de compra, venda e empréstimo de jogadores num mercado altamente globalizado implica em transações financeiras internacionais, inclusive através de paraísos fiscais;

3) governança amadora: estruturas inadequadas, ultrapassadas, obsoletas, sem profissionalismo e sem mecanismos eficientes de controle, oscilando entre diferentes formas de organização jurídica (fundações, associações, empresas de capital fechado, sociedades anônimas etc);

4) valores elevados: transações cada vez maiores, sendo praticamente impossível identificar, de antemão, a razoabilidade dos valores. Falta de monitoramento das apostas esportivas, potencial instrumento de lavagem de dinheiro e ameaça à integridade esportiva pela manipulação de resultados.

Embora a Lei 12.683/2012 tenha previsto algumas medidas para enfrentar e combater a corrupção ligada ao futebol, ainda não há regulamento relativo à comercialização ou intermediação de contratos esportivos, e a legislação esportiva brasileira é confusa, anacrônica e inadequada para o século XXI. A MP do Futebol, convertida na Lei 13.155, é apenas mais um remendo neste marco regulatório, cujas bases remontam à ditadura do Estado Novo e precisam de um choque de democracia. O Brasil carece de uma Lei Geral para o Esporte, garantindo transparência e participação efetiva a todos que contribuem para o desenvolvimento esportivo nacional. Enquanto o Congresso Nacional continuar medicando sintomas sem tratar das doenças, será muito difícil construir o ambiente necessário ao crescimento do esporte no país.