Perdão à vista no TCU

 

Integrantes do tribunal querem analisar recurso da AGU à votação que considerou ilegais as manobras nas finanças. Medida ajudaria governo a se livrar de parte das acusações, que integram processo sobre as contas de 2014

AILTON DE FREITAS/ 14- 10- 2014Estratégia. Vital do Rêgo, relator de recursos da AGU e do Banco Central: indicativo de que as principais críticas às “pedaladas” serão anuladas

Uma nova estratégia, em curso no Tribunal de Contas da União, pode ajudar a presidente Dilma Rousseff na votação das contas de 2014 do governo e considerar legais as “pedaladas fiscais”, revela VINICIUS SASSINE. Ministros do tribunal, ligados a PT e PMDB, pretendem retomar a votação do processo que, em abril, condenou os dribles financeiros. A AdvocaciaGeral da União, em seguida, contestou o pedido de explicações feito pelo TCU ao governo, que lista 30 itens. O ministro Vital do Rego, relator do recurso, é um dos que articulam para que a análise da ação sobre as irregularidades ocorra antes da apreciação das contas da presidente. Vital já aceitou rever oito dos 30 itens, num indicativo de que as principais acusações do processo das “pedaladas” poderão ser anuladas. Ontem, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, decidiu que, a partir de agora, as contas de presidentes não poderão mais ser analisadas apenas pela Câmara, mas em sessão conjunta com o Senado. - BRASÍLIA- Dois ministros do Tribunal de Contas da União ( TCU) — Vital do Rêgo, ex- senador do PMDB, e José Múcio Monteiro, ex- ministro do governo Lula — planejam uma estratégia que pode ajudar a presidente Dilma Rousseff a se livrar de parte das acusações de irregularidades nas contas de 2014. Em meio à pressão do governo sobre o TCU, e à atuação do vice- presidente, Michel Temer ( PMDB), e do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), a manobra permitirá retomar o julgamento do processo original que, em abril, condenou as “pedaladas fiscais” do governo.

Vital do Rêgo é o relator de recursos protocolados pela Advocacia- Geral da União ( AGU) e pelo Banco Central que contestam as determinações aprovadas em abril pelo TCU contra as “pedaladas”. As manifestações feitas pelo ministro nos recursos, até agora, são indicativos de que as principais críticas feitas pelo TCU no processo das “pedaladas fiscais” poderão ser anuladas nesta retomada do julgamento.

O tribunal deve recolocar em pauta o processo das “pedaladas fiscais” antes do julgamento das contas de Dilma, segundo três ministros ouvidos pelo GLOBO. As “pedaladas” consistiram em represar o repasse de recursos do Tesouro Nacional a bancos oficiais, que se viram obrigados a arcar com pagamentos de benefícios sociais como o Bolsa Família, o seguro- desemprego e o abono salarial, além de bancar os subsídios em linhas de crédito oficiais.

RESPONSABILIZAÇÃO DE ARNO AUGUSTIN

Em abril deste ano, o plenário do TCU considerou que as manobras feitas pelo governo nas contas do ano passado infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF), e chamou 17 autoridades e exautoridades do governo Dilma para se explicar sobre a suposta irregularidade.

Em seguida, a rejeição das “pedaladas” pelo TCU ajudou a embasar o relatório do ministro Augusto Nardes, que pode levar à reprovação das contas de 2014 da presidente — e essa rejeição poderia servir de argumento para dar início a um processo de impeachment contra a petista. Assim, uma eventual mudança no entendimento do TCU de que as “pedaladas” foram irregulares aliviaria a situação da presidente no julgamento de suas contas.

Com a estratégia adotada por Vital do Rêgo e José Múcio Monteiro, o melhor dos mundos para o governo, segundo fontes do tribunal, seria a responsabilização apenas de Arno Augustin, ex- secretário do Tesouro Nacional, e não Dilma ou outra autoridade do governo. Augustin é apontado como artífice das “pedaladas”, e é uma das 17 autoridades acionadas pelo TCU para se explicar.

No processo sobre as “pedaladas”, o TCU havia determinado que o governo seguisse 30 determinações para corrigir as irregularidades apontadas no julgamento de abril. A decisão teria efeito imediato. Após o recurso do governo, Vital do Rêgo concordou em reanalisar oito das recomendações, praticamente as mais importantes para tentar frear a manobra das “pedaladas”.

Vital seguiu recomendação da área técnica do TCU para admitir a contestação desses oito pontos. Os técnicos entendia, no entanto, que apesar de os temas poderem ser reanalisados, o TCU não deveria conceder efeito suspensivo, ou seja, as determinações de seus ministros deveriam continuar valendo. Mas Vital do Rêgo teve entendimento diferente, e suspendeu os efeitos da decisão em relação a estes oito pontos, desobrigando o governo de cumprir a determinação do TCU até que o caso vá a novo julgamento no plenário.

Vital admitiu os recursos justamente nos pontos que estão no centro das irregularidades que podem levar à rejeição das contas de 2014. Na lista de determinações impostas pelo TCU em abril está a obrigação de o governo quitar débitos com a Caixa Econômica por conta do pagamento de benefícios do Bolsa Família. O TCU também determinou que o Tesouro repasse recursos para o Ministério do Trabalho pagar a Caixa, que adiantou o pagamento de seguro- desemprego e abono salarial.

Vital do Rêgo vem agindo em conjunto com José Múcio, relator do processo original. A ideia é pautar o julgamento do recurso antes do julgamento do parecer sobre as contas de Dilma.

Parte dos ministros do TCU entende que a conclusão de abril de que as “pedaladas” infringiram a LRF — por terem se configurado uma operação de crédito com os bancos — foi definitiva. Outra parte acha que o martelo ainda não está batido.

A disposição de pautar o processo original das “pedaladas” é endossada pelo ministro Augusto Nardes, relator das contas de 2014 da presidente. O temor do relator, manifestado a colegas do tribunal, é que Supremo Tribunal Federal ( STF) decida anular o julgamento das contas pelo TCU, caso essa votação ocorra antes da conclusão do processo sobre as “pedaladas”. Nardes já manifestou a intenção de votar pela rejeição das contas da presidente.

A primeira defesa de Dilma já foi entregue. Na quarta- feira, graças à atuação de Renan e Temer, a presidente ganhou mais 15 dias para explicar dois novos indícios de irregularidades apontados pelo Ministério Público. Esses indícios estão relacionados a gastos autorizados por Dilma sem autorização do Congresso. O julgamento do parecer — pela rejeição das contas ou pela aprovação com ressalvas — só deve ocorrer no fim de setembro.

Diante da possibilidade de o TCU mudar o entendimento sobre “pedaladas”, Nardes agora aposta no aumento de indícios de que a presidente editou decretos para aumentar gastos sem autorização do Congresso. Nardes pediu à área técnica que passasse pente- fino nos decretos editados em 2014. Já teriam sido encontradas dez liberações de crédito em desrespeito ao Orçamento. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, negou ontem pedido feito pela senadora Rose de Freitas ( PMDB- ES) para anular sessão da Câmara que aprovou as contas dos ex- presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula. A parlamentar argumentou que, pela Constituição, as contas de presidente da República devem ser analisadas em sessão conjunta do Congresso Nacional, e não por apenas uma das Casas. Barroso concordou e determinou que, nas próximas votações, a regra seja obedecida.

O ministro ponderou que, desde a Constituição de 1988, a prática tem sido de apenas uma das casas legislativas — Câmara ou Senado — examinar as contas de presidente, e não seria razoável anular todas as decisões até hoje. No entanto, ponderou que as próximas contas — inclusive as de Dilma — deverão ser analisadas em sessão conjunta, no caso, presidida pelo senador Renan Calheiros. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, disse que a Casa vai recorrer da decisão de Barroso.

 

Pressão até pelo celular

 

Em visita ao Rio ontem para um evento do Tribunal de Contas da União ( TCU) sobre as Olimpíadas de 2016, o ministro Augusto Nardes, relator do processo sobre as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff, queixou- se por estar sofrendo pressão “de todos os lados”. Ele se referia a mensagens que recebeu de pessoas que são a favor e contra o governo, e também a visitas feitas ao seu gabinete por autoridades do governo e líderes da oposição.

MARCELO CAMARGO/ AGÊNCIA BRASIL/ 24- 6- 2014Nardes. Dilma tem de explicar irregularidades de R$ 104 bi

— Posso mostrar meu e- mail para vocês: 12.700 mensagens a favor ou contra ( a aprovação), de tudo que é lado — disse Nardes, relator da contas, mostrando o telefone celular. — ( Recebi) Mensagens agressivas, de vários tipos. Não li todas, mas faz parte do jogo, é uma luta pelo poder. Há mensagens pró e contra ( a aprovação das contas).

Nardes disse que, diante disso, reforçou sua segurança pessoal:

— Eu sei que o governo não tem nada a ver com isso, não quero acusar ninguém. Mas posso encontrar alguém, como o Joaquim Barbosa encontrou em um restaurante e foi agredido. Mas eu não acuso ninguém.

Nardes disse que o governo precisa explicar irregularidades no valor de R$ 104 bilhões em sua execução orçamentária, o que inclui as “pedaladas fiscais” e a ausência de contingenciamento de gastos para cumprir a meta fiscal:

— Recebi visitas de todos os lados, de governo e oposição. Mas temos que estar preparados para separar o interesse de grupos partidários e ter condições de colocar o interesse da sociedade em primeiro lugar. A lei vale para prefeito, governador e para a presidente.

Perguntado se havia recebido pressão do Senado para estender o prazo de resposta do governo sobre supostas irregularidades nas contas de 2014, Nardes desconversou:

— Se houve articulação do presidente Renan, não posso afirmar que houve, o que posso afirmar é que R$ 26 bilhões são significativos. Ou seja, se isso vai ajudar ou não a presidente, pode ajudar, como também pode prejudicar, desde que haja explicação plausível do governo.

O valor de R$ 104 bilhões, segundo Nardes, inclui dez decretos aprovados pela presidente sem estar incluídos na Lei Orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional. O montante acrescido foi de R$ 26 bilhões, e seriam advindos de despesas com programas sociais como Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família. Outros R$ 40 bilhões são das “pedaladas”, e R$ 38 bilhões são do contingenciamento de gastos para cumprir a meta fiscal.

Segundo o relator, anteriormente a expectativa era que ele pudesse entregar seu relatório final até o fim deste mês, mas, como Dilma ganhou mais 15 dias para defesa, o relatório deve ficar pronto na primeira ou segunda quinzena de setembro. Tudo depende da avaliação da equipe técnica do tribunal:

— O mais relevante é que os valores significativos são de 2014, ano eleitoral, e a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que não se pode aumentar gastos no período eleitoral. Isso vale para prefeito, governador e também para a presidente da República.