Tabu em discussão

 

Diante das dificuldades, principalmente políticas, de promover um ajuste fiscal rápido e amplo o suficiente para evitar uma escalada da relação entre a dívida pública bruta e o PIB, aumentou a possibilidade da perda do “grau de investimento”. Com um superávit fiscal primário menor — se não acabar resultando em déficit —, a sobra de recursos para cobrir os juros da dívida encolhe e, em consequência, não só a dívida cresce em termos absolutos, mas também em relação ao PIB. É esse mecanismo que está por trás do sentimento de que a perda do chamado “grau de investimento” se aproxima, o que significaria supostos maiores obstáculos e custos mais elevados para obter financiamentos externos. Cálculos mais pessimistas apontam que, mantidas as condições atuais, já no fim deste ano, a relação dívida bruta/ PIB poderia ultrapassar 70% — o limite da degola, de acordo com a história pregressa dos países que caíram no despenhadeiro do “grau especulativo".

Haveria, porém, uma saída, aparentemente indolor, para evitar a chegada nesse fim de linha. Que tal usar partes da reservas internacionais brasileiras para desinflar a dívida bruta e trazê- la para uma proporção mais palatável do PIB? Sem paternidade definida, essa ideia começou a circular não faz muito tempo e passou a ganhar mais espaço depois que a agência de classificação de riscos Moody’s rebaixou a nota de crédito brasileira para o último degrau antes da perda do “grau de investimento”.

A queima de parte das reservas para tentar segurar o “grau de investimento”, via redução da relação dívida/ PIB, ainda não é tema de todas as rodas, mas passou da fase dos cochichos. Já há até estudos avaliando o impacto de uma medida dessa natureza. Mesmo quando se considera o temor de mexer com um assunto tabu — reservas existem para não serem usadas —, as conclusões desses estudos revelam que a ideia tem lá seus atrativos.

Para entender o argumento, é preciso observar que o mecanismo de formação das reservas produz dívida pública. Isso ocorre no processo em que o Banco Central, ao trocar por reais os recursos externos que ingressam no país, via comércio ou mercado financeiro, retira (“esteriliza”, no jargão técnico) esses reais de circulação por meio da colocação de títulos públicos — criando, portanto, dívida. Também é preciso entender que o carregamento de reservas tem custos fiscais, o que acaba chegando à dívida pública pelo canal das despesas do governo.

Embora o volume total das reservas brasileiras — cerca de US$ 370 bilhões —, em relação ao PIB seja compatível com o de outros emergentes com ratings até melhores que os do Brasil, a relação dívida externa/ PIB brasileira é muito mais favorável do que a todos os outros, não passando de 15% do PIB para uma média geral de quase 50%. Esse seria um sinal de que poderia haver uma “gordura”, fato destacado pelo economista- chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, que também lembra ter o país suportado bem a crise global de 2008 com reservas no nível de US$ 200 bilhões, o equivalente a 12% do PIB, inferior aos US$ 370 bilhões de hoje, que equivalem a 20% do PIB.

Não é de hoje que se tenta fixar o tamanho ótimo das reservas de um país. Em abril deste ano, o FMI divulgou um relatório em que definiu esse tamanho entre 100% e 150% de uma média ponderada de quatro indicadores, que consideram dívidas e outros passivos com estrangeiros, bem como volume de exportações e agregados monetários. Por esse critério, Borges calculou que estariam sobrando pelo menos US$ 75 bilhões ( 4% do PIB) no atual volume de reservas do país. Vendidos, esses recursos fariam com que a relação dívida bruta/ PIB não passasse de um pico de 66%, em 2017, recuando para 63%, em 2019 — 4,5 pontos porcentuais abaixo do resultado estimado sem a redução das reservas, na beira dos fatídicos 70% do PIB.