Construção à míngua

17/07/2015

Simone Kafruni

O governo tem um plano ambicioso de concessões, com previsão de investimentos que beiram os R$ 200 bilhões. No entanto, o cenário da construção pesada no país não é mais o mesmo desde que a Polícia Federal deflagrou a Operação Lava-Jato e prendeu executivos das maiores empreiteiras do país. As empresas que não sucumbiram às dificuldades financeiras e entraram em recuperação judicial tiveram seus negócios afetados por notas de crédito rebaixadas pelas agências de classificação de risco.

A situação é tão complicada que o setor de construção civil deve fechar o ano com queda de 8,6%, segundo projeções da GO Associados, influenciada também pela incapacidade do governo de tocar obras.

 

Com a prisão dos presidentes das duas maiores companhias do Brasil — Marcelo Odebrecht, da Odebrecht, e Otávio Marques Azevedo, da Andrade Gutierrez —, cujos tentáculos no poder vão muito além das obras que envolvem a Petrobras, quase não restam empresas do porte necessário para assumir os projetos propostos pela segunda fase do Programa de Investimentos em Logística (PIL). “Não há dúvidas de que as empresas brasileiras têm capacidade de empreender, mas para tocar os megaprojetos das concessões do PIL não há uma empresa sequer no país que não tenha sido citada nas dependências da Polícia Federal em Curitiba” afirmou o presidente da Associação Nacional dos Analistas e Especialistas em Infraestrutura (Aneinfra), Rodolpho Salomão.

Perfil 
As maiores companhias do país são as mais entranhadas no poder, com operações em várias áreas de infraestrutura. Não à toa, ao longo dos anos, é possível ver a ascensão das companhias entre as que mais receberam dinheiro do governo (veja quadro ao lado). Atualmente, há até temor pela conclusão de obras no Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016, de responsabilidade de Andrade Gutierrez e Odebrecht, como a Linha 4 do metrô, o Porto Maravilha, o BRT Transolímpico, o VLT Carioca, a despoluição das Lagoas da Barra, a Vila dos Atletas, o Parque Olímpico da Barra e a duplicação do Elevado do Joá. Mas não para por aí.

Com 70 anos de atuação, a Odebrecht, com receita bruta de R$ 97 bilhões e lucro líquido de R$ 491 milhões em 2013, é responsável por obras de 83 hidrelétricas, sete térmicas, duas usinas nucleares, 75 linhas de transmissão, 750 obras de edificações, mais de 13,5 mil quilômetros de rodovias, 1,5 mil pontes e viadutos, aeroportos, túneis, ferrovias com 2,8 mil quilômetros e quase 500 obras industriais, entre outros megaempreendimentos no país e no mundo.

O Grupo Andrade Gutierrez, fundado em 1948, atua em projetos industriais, obras de infraestrutura, logística, mobilidade urbana, energia, telecomunicações, saneamento, saúde, óleo e gás. Com receita de R$ 8,89 bilhões e lucro de R$ 433 milhões em 2013, a companhia tem participação acionária em negócios nas áreas de transporte e logística, com a concessionária CCR, energia, com a distribuidora Cemig e a hidrelétrica Santo Antonio, saneamento, tecnologia, saúde, detém uma parte da operadora Oi e ainda administra arenas esportivas no país, entre outras centenas de projetos.

A despeito dos caixas robustos de ambas as empresas, o primeiro efeito das prisões dos seus executivos foi o rebaixamento das notas de crédito. Odebrecht e Andrade Gutierrez perderam status pelas agências de classificação Fitch, Moddy’s e Standard and Poor’s. O reflexo disso é o aumento de custo para captar empréstimos no mercado e manter capital de giro para dar prosseguimento às obras.

Impedimento
Entre as companhias gigantes também consta com passagem pela Polícia Federal a Camargo Corrêa, o que mudou completamente o cenário da concorrência em futuras licitações, com a hegemonia das três maiores empresas ameaçada. “O Brasil perdeu a capacidade dos megainvestimentos. Só as grandes companhias, muitas vezes até associadas em consórcios e com o envolvimento de estatais, tinham essa capacidade. E a questão da inidoneidade das envolvidas na Lava-Jato está muito confusa, assim com o acordo de leniência. Há incertezas sobre como elas vão conseguir novos contratos”, explicou Salomão.

Na avaliação do especialista Rodrigo Jansen, do escritório Leal Cotrim, ainda não há nenhuma indicação de que as empresas envolvidas na Lava-Jato sejam impedidas de participar de novas licitações. “Elas precisam ser condenadas antes. As ações são muito iniciais. E ainda não há impedimento legal. O foco do processo criminal tem sido as pessoas físicas, os executivos. Claro que isso abala uma companhia, mas elas precisam tocar em frente, terminar obras em andamento”, observou. Apesar disso, Jansen admitiu que a lei não é muito clara sobre o que acontece quando uma empresa com vários contratos é considerada inidônea.

Dificuldade
As chances de outras grandes construtoras do país participem do programa de concessões diminui na medida em que as investigações da Lava-Jato avançam e a crise econômica do governo causa atraso nos repasses de recursos públicos. Empreiteiras como OAS, UTC, Engevix, Galvão e Queiroz Galvão, por esses motivos, ficaram em situação difícil: ou estão em recuperação judicial ou se desfazendo de ativos que tinham em setores como defesa, construção naval e aeroportos a fim de fazer caixa para se manterem em atividade.