O Estado de São Paulo, n. 44467, 17/07/2015. Política, p. A4

 

Acusado de cobrar US$ 5 milhões de propina, Cunha culpa Janot e Planalto

 

  
O lobista Julio Camargo, um dos delatores da Operação Lava Jato, declarou ontem em depoimento à Justiça Federal que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), exigiu US$5 milhões de propina em dois contratos da Petrobrás para a compra de navios-sonda. Foi a primeira vez que Camargo citou Cunha como destinatário de propina.

Segundo o delator, a cobrança foi feita pessoalmente por Cunha em encontro em 2011, no Rio. Camargo afirmou que Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB no esquema de corrupção na estatal, lhe disse que estava sendo pressionado pelo deputado a pagar US$ 10 milhões "atrasados" de um total de US$ 30 milhões de propina - dos quais US$ 5 milhões seriam para o peemedebista. As denúncias também foram feitas em delação à Procuradoria-Geral da República, comandada por Rodrigo Janot.

"Fui bastante apreensivo (ao encontro do parlamentar). O deputado Eduardo Cunha é conhecido como uma pessoa agressiva, mas confesso que comigo foi extremamente amistoso, dizendo que ele não tinha nada pessoal contra mim, mas que havia um débito meu com o Fernando do qual ele era merecedor de 5 milhões de dólares", afirmou Camargo, que depôs em Curitiba na condição de testemunha de defesa de Fernando Baiano em uma das ações penais em curso na 1.a instância da Justiça Federal no Paraná.

Ele disse que por "medo" e "receio" cedeu à pressão do presidente da Câmara a pagar em 2011 um total de US$ 10 milhões em propinas no âmbito de dois contratos na Petrobrás.

Cunha é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal que apura crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. No depoimento ao juiz Sérgio Moro, Camargo afirmou que já havia detalhado em delação à Procuradoria-Geral como foram pagos os US$ 10 milhões. Ele apontou aos investigadores o endereço onde esteve pessoalmente reunido com o presidente da Câmara para tratar dos pagamentos -um prédio comercial no Rio.

Planalto. Cunha reagiu ao depoimento afirmando que o "delator foi obrigado a mentir" e que "há um objetivo claro de constranger o Poder Legislativo", o que "pode ter por trás" o Executivo em articulação com o procurador-geral Rodrigo Janot.

O peemedebista foi eleito para presidência da Câmara em fevereiro e desde então fustiga o governo da presidente Dilma Rousseff imprimindo uma série de derrotas ao Executivo no Congresso Nacional.

O depoimento de Camargo ocorreu na véspera de um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV programado por Cunha para esta noite.

Ontem, o delator disse também que se reuniu pessoalmente com o então ministro Edison Lobão (Minas e Energia) na Base Aérea Santos Dumont, no Rio. Ele disse que exibiu a Lobão cópia de um requerimento de informações da Câmara, subscrito por uma deputada aliada de Cunha - o documento pedia informações sobre contratos da Petrobrás com a Mitsui, da qual Camargo se dizia representante. A empresa nega.

Outro delator da Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef já havia afirmado à Justiça Federal que o presidente da Câmara era um dos "destinatários finais" de propina. Em maio de 2015, o doleiro declarou que Cunha foi o mentor de requerimentos feitos na Câmara para pressionar a empresa Mitsui, que não estaria pagando a propina em 2011. "Fui chamado em 2011 pelo Julio Camargo no seu escritório, onde ele se encontrava muito preocupado e me relatou que o Fernando Soares, através do deputado Eduardo Cunha, havia pedido alguns requerimentos de informações referentes aos contratos da Mitsui, da Toyo e do próprio Julio Camargo, através de outros deputados", relatou na ocasião Youssef.

O peemedebista na Lava Jato

Novembro de 2014 Doleiro

O doleiro Alberto Youssef diz em delação que Eduardo Cunha, então líder do PMDB na Câmara, foi "beneficiário de propinas" do esquema de corrupção na Petrobrás.

Janeiro de 2015 "Carregador de malas"

"Mula" de Youssef, Jayme Alves de Oliveira, o "Careca", afirma que levou dinheiro a uma casa no Rio e que Youssef havia dito que o endereço era de Cunha. Depois, numa retificação, Careca diz que não tinha como saber se o endereço era de deputado. Cunha nega ter recebido dinheiro de Youssef ou de intermediários.

7 de março de 2015 Investigação no Supremo

STF ordena a abertura de investigação criminal contra Cunha por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.

Abril de 2015 Requerimentos

Youssefdiz que Cunha foi o mentor de requerimentos na Câmara para pressionar a empresa Mitsui, que teria suspendido o pagamento de propina ao PMDB em 2011. Segundo registros, o texto que pede investigação da Mitsui foi escrito num terminal do gabinete do peemedebista. Ele nega.

6 de maio de 2015 Buscas em gabinete

Supremo Tribunal Federal autoriza buscas no gabinete do presidente da Câmara como parte das diligências solicitadas pela Procuradoria-Geral da República. Para Eduardo Cunha, as buscas demonstram o "desespero" do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, "para justificar algo que não aconteceu" 11 de maio de 2015 CPI

Youssef diz na CPI da Petrobrás que participou de operação de pagamento de propina para Fernando "Baiano" Soares, apontado como operador do PMDB no esquema na Petrobrás, a pedido do lobista Julio Camargo. A operação envolveria, segundo Youssef, o presidente da Câmara.

13 de maio de 2015 Navios-sonda

O doleiro afirma à Justiça Federal que Cunha era um dos "destinatários finais" da propina de cerca de R$ 4 milhões em contratos de navios-sonda da Petrobrás. O doleiro reafirma que Cunha foi o mentor de requerimentos feitos na Câmara para pressionar a empresa Mitsui, que teria parado de pagar propina em 2011.

16 de julho de 2015 Lobista

O lobista Julio Camargo, delator da Lava Jato, declara à Justiça Federal que Cunha pediu US$ 5 milhões em propina por um contrato de navio-sonda da Petrobrás. "Há um objetivo claro de constranger o Legislativo e que pode ter o Executivo por trás em articulação com o procurador-geral da República", diz o deputado.