O Estado de São Paulo, n. 44468, 18/07/2015. Opinião, p. A2
As contas do governo de Dilma Rousseff estão sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU), que deverá apresentar um parecer ao Congresso Nacional. Uma das irregularidades apontadas pelo tribunal – a respeito das quais a Corte pediu esclarecimentos à presidente – foi o atraso no repasse de verbas dos programas sociais a bancos públicos, obrigando-os a usar recursos próprios nesses programas. No entanto, as pedaladas – como ficaram conhecidas as operações do governo federal de retardar o cumprimento das obrigações financeiras – não se restringem ao plano interno. O Brasil vem colecionando um conjunto de inadimplências internacionais. Conforme revelou o Estado, a mais recente é a dívida de cerca de US$ 120 milhões com o Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), destinado a financiar obras de infraestrutura entre os países do bloco.
Formado por contribuições dos cinco países-membros plenos do Mercosul, o Focem tem a finalidade de reduzir as desigualdades regionais. Seus recursos foram utilizados, por exemplo, na construção da linha de transmissão de energia entre a Usina de Taipu e Assunção, capital do Paraguai. De acordo com o compromisso firmado entre os países, o Brasil deve destinar a cada ano US$ 70 milhões ao fundo. Argentina e Venezuela devem entrar, cada uma, com US$ 27 milhões; Uruguai, com US$ 2 milhões; e o Paraguai, com US$ 1 milhão. O Brasil, no entanto, não vem honrando seus compromissos com o Focem e, no fim de 2014, suas dívidas alcançavam o montante de US$ 97,07 milhões. Neste ano, o País deixou de pagar outros US$ 24,5 milhões.
O calote brasileiro com o Mercosul contrasta fortemente com o discurso de Dilma Rousseff, que costuma citar o Focem como um dos pontos positivos do bloco. Além disso, ao assumir a presidência do Mercosul em dezembro de 2014, Dilma comprometeu-se a renovar e fortalecer o Focem. Como agora se vê, era apenas mais um discurso de Dilma.
Infelizmente, a dívida brasileira com o Focem não é um caso isolado. No início do ano, o Brasil devia US$ 258,6 milhões às agências da Organização das Nações Unidas (ONU). Conforme revelou o Estado na ocasião, desde 1.º de janeiro de 2015 o Brasil perdeu o direito a voto na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em razão de uma dívida de US$ 35 milhões. O Itamaraty não paga suas contas desde 2012 e, com isso, ficou excluído de votações importantes, como, por exemplo, sobre a questão nuclear do Irã.
O Brasil já havia perdido o direito ao voto na assembleia das partes do Tribunal Penal Internacional, estando impedido de eleger juízes e de votar sobre o orçamento da entidade. No caso, o motivo foi uma dívida de US$ 6 milhões, acumulada ao longo de dois anos.
O governo brasileiro também não está pagando suas contas com a Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 2014, a cota que correspondia ao Brasil era de US$ 8,1 milhões. No entanto, conforme informou o jornal Folha de S.Paulo em março deste ano, o País pagou apenas US$ 1 em 2014, e não tinha previsão para o pagamento da parcela de 2015, no valor de US$ 10 milhões.
Além do descumprimento de suas obrigações com os organismos internacionais, o governo federal também atrasou diversas vezes nos últimos meses o pagamento de despesas relativas às representações diplomáticas brasileiras no exterior. Em algumas ocasiões, o atraso chegou a três meses, obrigando servidores do Itamaraty no exterior a arcar com esses gastos com seus próprios salários. Era uma espécie de pedalada com o dinheiro pessoal dos servidores, o que acabou provocando uma inusitada greve. A principal reivindicação dos servidores era a garantia do pagamento em dia do auxílio-moradia.
Além do descaso da presidente Dilma com a política internacional, esse conjunto de inadimplências revela também uma perigosa confusão desta administração federal, que parece considerar a redução de despesas como sinônimo de não pagamento das contas devidas. Economizar não dispensa ninguém de honrar os seus compromissos.