O Estado de São Paulo, n. 44470, 20/07/2015. Notas e Informações, p. A3

Derrota do meio ambiente

Com a aprovação pelo Senado de prorrogação do prazo para o fechamento dos lixões a céu aberto, foi dado mais um passo para desacreditar a Lei 12.305 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e tem como um de seus pontos essenciais aquela medida. A falta de empenho de todos os que têm uma parcela de responsabilidade na observância dos prazos fixados por essa lei, em especial dos prefeitos, vem de longe - ela foi sancionada em 2010 - e é um duro golpe na defesa do meio ambiente, da qual é peça fundamental.

A proposta, de autoria do senador Fernando Bezerra (PSB-CE) - que vai agora para a Câmara, onde sua aprovação é dada como certa por causa da pressão dos prefeitos, à qual os parlamentares são sabidamente sensíveis -, estabelece novos e diferenciados prazos para o fim dos lixões, que já deveria ter ocorrido em agosto do ano passado. Para as capitais e os municípios que integram regiões metropolitanas, o prazo termina em 31 de julho de 2018; os municípios de fronteira e de população acima de 100 mil habitantes terão um ano a mais; para os que têm entre 50 mil e 100 mil habitantes, a data-limite é 31 de julho de 2020; e para os que têm menos de 50 mil habitantes o prazo é 31 de julho de 2021.

Segundo Bezerra, esses prazos generosos se justificam pelas dificuldades dos municípios para cumprir a lei. Argumenta que o fechamento de um lixão depende de outras obras, entre as quais a construção de aterros sanitários, de áreas de transbordo e o tratamento de resíduos de construção civil. Na mesma linha, a relatora da matéria, senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), afirma que a lei “não foi realista ao prever um prazo exíguo para que os municípios, especialmente os menores e mais carentes, assumissem a responsabilidade por essa tarefa complexa e dispendiosa”.

Os fatos contrariam esses argumentos. A começar pelos quatro anos que os municípios tiveram para acabar com os lixões, prazo suficiente para vencer os obstáculos, que eram de perfeito conhecimento dos que o fixaram. Isso deixa evidente a falta de empenho dos prefeitos, que não colocaram o problema dos lixões entre as suas prioridades, embora tivessem a obrigação de fazê-lo pela boa e simples razão de se tratar de uma obrigação legal.

Embora a relatora os tenha apresentado para justificar o adiamento, os dados colhidos pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram mesmo é o descaso dos municípios. No começo de 2014, a CNM revelou que pouco mais de 9% das cidades tinham concluído a primeira fase dos processo de eliminação dos lixões, com a elaboração do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (Pgirs). Meses depois, quando venceu em agosto o prazo para o fim dos lixões, a CNM afirmou ter constatado que mais de mil das 2.400 cidades consultadas ainda não dispunham de um Pgirs, indispensável para conseguir verba federal para a obra.

Não é difícil saber por que a grande maioria dos prefeitos agiu assim. Há obras - e também serviços - que, apesar de muito importantes para a população, são desdenhadas por eles, porque não aparecem, não são vistosas e, por isso, não rendem votos. Não lhes interessa cuidar de saneamento e lixões, que não combinam com inaugurações e foguetório. O mesmo se pode dizer de investimento em serviço de fiscalização, embora seja por causa das deficiências desse serviço em todo o País que grande número de leis de boa qualidade vira letra morta. Contratação de fiscais não rende festa.

Os prefeitos, com poucas exceções, agiram assim, apesar das penas previstas pela lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, porque sabem ter as costas quentes com os parlamentares, sempre prontos a livrá-los de obrigações ou a empurrá-las para a frente. A proposta de Bezerra contou com o apoio dos mais diversos partidos, da situação e da oposição, espetáculo que deve se repetir na Câmara.

Quem perde com isso é a população. É ela quem sofre as consequências da degradação do meio ambiente provocada pelos lixões.