‘A redução da meta não é para se gastar mais’

 

Um dia depois do anúncio da revisão da meta fiscal que gerou dúvidas sobre divisão na equipe econômica, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, afirmou que está unido com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em busca do reequilíbrio das contas públicas o mais rápido possível. Em entrevista aoEstado, o ministro afirma que não há disputa com Levy e nem divisão da equipe. Aos poucos, afirma, a reprogramação fiscal será assimilada pelos críticos. “A redução da meta não é para se gastar mais”, diz ele, que defende a definição de metas de crescimento para o gasto com o objetivo de barrar a sua expansão. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

A revisão mostrou que há um rombo de R$ 75,9 bilhões nas contas. Esse valor é a distância da meta anterior de R$ 55,3 bilhões para o déficit previsto de R$ 20,6 bilhões com o abatimento. Não é problema estrutural? 

Achamos que vamos fazer o superávit de 0,15%. A meta antiga não é mais uma referência. Ela foi formulada com outro cenário de crescimento e, sobretudo, de receita. Estamos adaptando a estratégia, mas mantendo a mesma direção.

As projeções de queda da dívida pública não convenceram. 

Esse modelo é o que sempre usamos. É feito pelo Banco Central. Entendo que as pessoas possam ter diferentes projeções, porque envolvem várias variáveis. É normal. Mas estamos adotando a mesma metodologia adotada para cálculo na LDO.

A percepção que ficou é que será difícil o País sair do imbróglio fiscal. 

Você sai. No gasto obrigatório, por requerer uma modificação legal, os ajustes são normalmente na margem, na taxa de crescimento é mais devagar. Temos uma agenda de controle do gasto com pessoal e temos uma agenda para a Previdência, que já começou. 

 

 

Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa

Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa

 

O abatimento não fragiliza a credibilidade? 

Não acho. Temos de evoluir para um sistema em que o mais importante é manter o resultado primário sempre. O governo tem que ter um resultado primário compatível com a estabilidade fiscal. Isso é obrigação de qualquer governo. A forma que se obtém o resultado primário também é importante. Por isso, dentro da meta de resultado primário, temos que ter uma meta de crescimento de gasto. Mas isso não é uma meta global. A gente faz isso individualmente.

É algo para o futuro? 

Já estamos tentando fazer isso. Não é uma coisa global. Mas é importante termos uma meta de trajetória de crescimento de gasto.

Mas essa meta de crescimento já foi tentada em outros momentos. 

Foi tentada para o gasto com pessoal. Na prática, o que estamos fazendo é um pouco isso. Não acho que é operacionalmente possível hoje você ter uma meta de crescimento única para todos os gastos. Cada gasto tem uma dinâmica diferente. Como você enfrenta isso? Com propostas para cada tipo de gasto.

O governo pensa em institucionalizar essas metas no futuro? 

Por enquanto, não. Não tem nada definido. Estamos trabalhando mais com pessoal mais como referência. 

Dá para vislumbrar em quanto tempo teremos um quadro fiscal melhor? 

O nível de atividade começa a melhorar até o final do ano e o quadro fiscal vai começar a ficar melhor também. E isso vai ganhando força no ano que vem. 

Os críticos têm falado em enfraquecimento e relaxamento fiscal.

Não tem afrouxamento fiscal quando se faz uma medida que em que há aumento do corte do gasto. Não é só isso que está impactando o mercado hoje, tem fatores internacionais. Com o tempo, à medida que as pessoas perceberem, será assimilado.

O sr. esteve com o presidente do Senado, Renan Calheiros. Ele é critico do ajuste.

Fui apresentar as razões da revisão da meta e quais são os planos, tanto do primário quanto do controle de gasto. E importância de aprovar essas medidas de receita. Ele tem feito sugestões que são incorporadas para tentar melhorar a nossa estratégia. Apresentamos as nossas ações e ele vai avaliar e se manifestar no momento que achar adequado.

O sr. tem uma queda de braço com o ministro Levy? 

As pessoas tendem a personalizar disputas que não existem. Não tem disputa. Está todo mundo trabalhando pelo mesmo objetivo. Uma situação como essa é bem complexa e sujeita a várias interpretações. Toda a equipe econômica, que aliás não se resume aos ministérios da Fazenda e Planejamento, e que inclui nesse caso a Casa Civil, está trabalhando conjuntamente para ter reequilíbrio fiscal mais rápido possível.

Não tem divisão com o ministro Levy? 

Não. As avaliações e decisões de política econômica devem ser debatidas profundamente até se chegar ao consenso. Não se deve confundir esse debate, que é natural, com decisão sobre mérito. Estamos unidos na mesma direção, que é a busca pelo reequilíbrio fiscal, a retomada do crescimento e o aumento da produtividade, que no final das contas e mais importante.

 

Nós não jogamos a toalha, mas temos de fazer uma política realista, diz Levy

 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou na noite desta quinta-feira que é uma pessoa transparente e que não jogou a toalha ao ter que anunciar a redução da meta de superávit primário. "Nós não jogamos a toalha, pelo contrário, nós vamos continuar a nossa política com muito vigor, mas ela tem que ser uma política realista", disse em entrevista à jornalista Miriam Leitão, transmitida nesta quinta-feira pela GloboNews. 

Nesta quarta-feira, o governo reduziu a meta de superávit primário de 1,13% (R$ 66,3 bilhões) para apenas 0,15% (R$ 8,74 bilhões) e fez mais um corte de R$ 8,6 bilhões nas despesas deste ano. Levy, que participou do anúncio, ao lado do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que é "um equívoco" a especulação de que ele teria sido voto vencido, pois preferia anunciar a redução da meta em um momento mais à frente. "Deve ser um equívoco, nunca disse pra deixar para mais tarde. Eu trabalho com transparência", afirmou, destacando que já vinha sinalizando que a meta seria ajustada por conta da frustração de receitas. 

 

 

Ministro da Fazenda, Joaquim Levy

Ministro da Fazenda, Joaquim Levy

 

 

Levy reforçou que o objetivo do governo é diminuir a incerteza da economia e retomar o crescimento do País e que ajustar a meta não significa afrouxar a política fiscal. "A gente tem um rumo e a gente está fazendo um ajuste de como chegar lá", disse. "Não é um afrouxamento, mas também não adianta ter números imaginários." 

 

Segundo Levy, olhar as metas é algo fundamental, mas não se pode deixar de prestar atenção em outros instrumentos para tratar a questão da divida pública. "A gente tem preocupação em como lidar com a trajetória da dívida", disse. O ministro destacou que o realinhamento de preço já começou a trazer resultados que ajudam na mudança na política econômica. 

 

Ao fazer um balanço do seu trabalho no primeiro semestre do ano, Levy disse que a situação deve melhorar daqui para frente. "A gente parou de piorar do ponto de vista estrutural e está começando a melhorar", afirmou. Ele destacou que o governo vai continuar tomando medidas para colocar as contas em ordem. "Na verdade, o governo aumentou o contingenciamento. O governo vai continuar cortando na carne, mas tem coisas que depende do Congresso", disse.  

 

O ministro destacou que agora a decisão da nova meta precisa do aval do Congresso e disse que está conversando com parlamentares explicar a necessidade do ajuste fiscal. "Quem define a meta é Congresso", afirmou. "Nem todo mundo principalmente quando você olha a Câmara dos Deputados, nem todo mundo ali pensa em economia o dia inteiro, o cara tem a agenda A, um olha ecologia, outro olha necessidades especiais de algumas pessoas, outro gosta de relacionamentos internacionais. Quando houve uma mudança, houve uma mudança forte da situação que a gente está vivendo, até dos rumos da economia. Demora um pouco de tempo para as pessoas entenderem", afirmou Levy.

 

Levy reconheceu que o momento no Congresso é duro, mas disse que continuará mostrando a importância do ajuste para os parlamentares. "Vivemos no regime da persuasão na democracia, tentando convencer pessoas", disse. O ministro minimizou as derrotas sofridas no Congresso que dificultaram o ajuste e disse que pode ter havido "equívocos", mas governo está lidando com a situação. "A expectativa com o Congresso no segundo semestre é de que não ocorram esses equívocos."