Com apoio da Suíça, Lava Jato avança sobre núcleo político e setor elétrico

 

A condenação de executivos da Camargo Corrêa e a denúncia formal contra os presidentes e ex-dirigentes das duas maiores empreiteiras do país, Odebrecht e Andrade Gutierrez, abrem nova fase das investigações da Operação Lava Jato. A investigação se aproxima de PT e PMDB como integrantes importantes do esquema de corrupção, em conluio com o comando do cartel empresarial, que fatiava obras da Petrobras mediante o pagamento de propina desde 2004.
 

Com a chegada dos primeiros documentos oficiais da Suíça, após acordo de cooperação internacional entre autoridades brasileiras e suíças, a força-tarefa de procuradores da Lava Jato acredita ter aberto "uma janela" nas apurações que levarão à comprovação do uso de contas secretas dos quatro núcleos do esquema: empresarial, político, de operadores financeiros e de agentes públicos.

Além de chegar às contas secretas das empreiteiras, dos políticos, dos dirigentes da Petrobras e dos operadores de propina, os investigadores vão ampliar a devassa em contratos, antes centrada na estatal, a outras áreas dos governos Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014). Uma das prioridades é o setor energético e envolve as obras de grandes usinas, como Belo Monte, no Pará, e Angra 3, que tiveram investimentos bilionários.

As delações de dois executivos da Camargo Corrêa, que confessaram "cartelização" e pagamentos de propina nessas obras, reforçaram as suspeitas levantadas após o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa confirmar que o esquema de propina era generalizado. Primeiro delator da Lava Jato, Costa era sustentado no cargo por um consórcio entre PP, PMDB e PT e confessou ter agido em nome desses partidos. "Temos elementos para apontar que o esquema de cartel e corrupção foi além da Petrobrás", afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando Lima, um dos integrantes da Lava Jato.

A sentença dos três executivos da Camargo Corrêa, Dalton dos Santos Avancini (ex-presidente), Eduardo Leite (ex-vice-presidente) e João Ricardo Auler (ex-presidente do Conselho de Administração), na última semana, foi a primeira condenação do núcleo empresarial do esquema. "No período compreendido entre 2004 e 2014, uma grande organização criminosa estruturou-se com a finalidade de praticar delitos no seio e em desfavor da Petrobrás", sustenta o MPF. Um prejuízo de pelo menos R$ 19 bilhões.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato, o núcleo empresarial, em conluio com o núcleo político, detinha o comando do esquema. Por meio dessa união, houve uma sistematização da corrupção, à partir do maior caixa de investimentos do governo federal, a Petrobras, nas demais esferas. Avancini e Leite foram condenados pelo juiz da 13.ª Vara Federal, em Curitiba, Sérgio Moro, que conduz os processos em primeiro grau da Lava Jato, a 15 anos e dez meses de reclusão, mas como fizeram delação premiada foi concedido a eles o direito ao regime de prisão domiciliar. Auler pegou nove anos e seis meses de reclusão.

 

Ex-diretor já prestou 118 depoimentos

 

Condenado em duas ações penais ligadas à Operação Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa vive dias de extremo cansaço. Em prisão domiciliar e monitorado por tornozeleira eletrônica desde que deixou a carceragem da Polícia Federal, em 30 de setembro de 2014, o primeiro delator da Lava Jato cumpre uma rotina quase que diária fora de casa.

Desde que escancarou o esquema de corrupção e propinas na estatal, Paulo Roberto Costa prestou 118 depoimentos. De 29 de agosto do ano passado, quando começou a contar o que sabia sobre o cartel na Petrobrás, até a última terça-feira, 21, quando falou à PF sobre o envolvimento de políticos, 326 dias se passaram. É como se ele tivesse prestado um depoimento a cada três dias.

“Hoje (terça-feira, 21), ele está de manhã e à noite fazendo depoimentos para a polícia sobre políticos. O Supremo (Tribunal Federal) mandou que se instaurasse um inquérito mãe e depois inquéritos individuais sobre cada político. Ele está extenuado. Na outra semana, tem CPI, com acareação”, contou o advogado João Mestieri, que defende o delator.

João Mestieri. Foto: Arquivo Pessoal

João Mestieri. Foto: Arquivo Pessoal

Durante oito anos, Paulo Roberto Costa dirigiu uma das áreas mais importantes da Petrobrás. Ele foi preso a primeira vez em 20 de março, três dias depois da deflagração da Lava Jato, e ficou na carceragem da PF até 18 de maio. Foi solto e preso novamente entre 11 de junho e 30 de setembro, quando saiu após firmar o acordo de delação premiada.

A prisão domiciliar do executivo faz parte desta colaboração, que ele firmou com o Ministério Público Federal e foi homologada pelo ministro Teori Zavascki, do STF. Após o acordo de Paulo Roberto Costa, a mulher, as filhas e os genros do ex-diretor também fizeram delação premiada.

“Eu ainda quero ver se consigo mais adiante, livra-lo da tornozeleira. Vamos ver se a gente consegue negociar um outro tipo de preservar a maneira de saber que ele tá cumprindo (a pena)”, afirmou Mestieri. “É muito incômoda. Como ela balança, ele tem de botar uma tornozeleira ortopédica, cortar para proteger a pele. Faz um volume, uma proteção. Machuca.”

Os depoimentos de Costa não têm data para terminar. Segundo o criminalista, ele vai falar até quando houver o que ser esclarecido. Mestieri afirma que há ‘quase 25 frentes de todo lado: criminal, administrativo, cível, TCU (Tribunal de Contas da União), todas as siglas’.

“Como o sistema das colaborações premiadas, você começa, em primeiro lugar, a valorizar a verdade”, diz. “Quando alguém senta lá e faz uma colaboração premiada com detalhes, como é o caso do Paulo Roberto, do Alberto Youssef, doleiro), do (ex-gerente da Petrobrás Pedro) Barusco e de outros, praticamente sela o caminho daquele processo. Não vai mais haver espaço para voltar ao processo anterior. É o primado da verdade.”

Em abril, Paulo Roberto Costa foi condenado a 7 anos de 6 meses de reclusão por organização criminosa e lavagem de dinheiro oriundo de desvios de recursos públicos da Refinaria de Abreu e Lima (RNEST), no município de Ipojuca, em Pernambuco. Na segunda-feira, 20, ele teve sua segunda condenação (12 anos de reclusão), desta vez pelos crimes de corrupção e lavagem em ação envolvendo executivos ligados à empreiteira Camargo Corrêa.

Pelo acordo de delação, ele deverá cumprir 1 ano de prisão domiciliar. O restante, entre 1 e 2 anos, deverá ser no regime semi-aberto.