Projeções a longo prazo costumam preconizar problemas que, no fim, só serão sentidos por gerações futuras e, por isso, costumam ser empurrados com a barriga.
Na área de saúde, porém, instalou-se uma bomba-relógio que, se não for desarmada agora, vai estourar logo ali, no colo de todos.
Nos próximos 15 anos, os gastos das empresas privadas de saúde vão quase triplicar, passando de cerca de R$ 106 bilhões por ano para R$ 283 bilhões - com impactos para todo o sistema de saúde suplementar, incluindo sobre os cerca de 54 milhões de beneficiários.
Hoje, por exemplo, menos de um terço dos beneficiários dos planos privados é formado por idosos. Em 2030, vão representar mais da metade, 54% do total. O topo da pirâmide de gastos, os idosos com mais de 80 anos, vão dobrar: passarão de 11% para 23% do total.
Reestruturação
Na avaliação de Mario Scheffer, especialista em sistemas de saúde e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o setor terá "um grande desafio" para enfrentar o envelhecimento do brasileiro. "A maioria dos planos não só foi montada para jovens como expulsa o idoso", diz.
A lista de ineficiências do sistema é longa, segundo ele. As redes credenciadas não têm profissionais e serviços adequados para a terceira idade, as mensalidades encarecem muito à medida que o beneficiário ganha idade, não há sistemas de bônus e preços diferenciados pelo perfil dos usuários, a maioria das empresas não tem nem sequer programas de prevenção.
O estudo do IESS mostra que o perfil da demanda já está mudando. O aumento de idosos, por exemplo, já está transformando o perfil das doenças mais frequentes, com impactos sobre os custos.
À medida que as pessoas envelhecem, crescem as chances de elas sofrerem de diabete, artrite, problemas de coluna, doenças crônicas, em geral, que exigem tratamentos mais caros.
Para se ter uma ideia, apenas 3% dos brasileiros entre 18 e 29 anos sofrem de hipertensão arterial. A doença acomete 55% da população com mais de 75 anos.
A mudança do perfil é acompanhada por duas agravantes. A primeira é que doenças crônicas não vêm sozinhas. Há poucos estudos no Brasil sobre o tema, mas levantamentos feitos na Austrália indicaram que 8% da população com mais de 65 anos tem a propensão a quatro ou mais doenças crônicas ao mesmo tempo.
O segundo problema é que doenças crônicas não só exigem acompanhamento frequente, mas podem levar a complicações que venham a exigir cuidados mais complexos.
Exemplo: a já citada hipertensão pode levar a um AVC, acidente vascular cerebral, que, não raro, compromete a capacidade motora. O paciente pode ter de fazer algum tipo de fisioterapia por meses ou, em caso extremo, terminar internado por um longo período.
Hoje, as terapias representam menos de 6% dos custos. Estima-se que em 2030 a demanda terá triplicado e corresponderá a 18% dos gastos. O peso das internações - um dos atendimentos mais onerosos - tende a passar dos atuais 58% para 64% em 15 anos.
Cenário conservador
Para calcular que a despesa da saúde privada chegaria a R$ 283 bilhões até 2030, o IESS incluiu na conta a variação dos custos médico-hospitalares e da taxa de cobertura dos planos ao longo do tempo.
Mesmo assim, a autora do estudo, a pesquisadora Amanda Reis, considerou o cenário "conservador", pois não foram incluídos nas projeções dois dados que podem encarecer ainda mais as despesas: a adoção de novas tecnologias, que custam mais caro quando surgem, e uma eventual piora nas condições de saúde da população.
O estudo também não estimou o impacto da alta dos custos do sistema sobre o valor da contribuição dos beneficiários, pois os reajustes são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).