Título: Supersalários e indenização milionária
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 12/08/2011, Cidades, p. 23

Justiça do Trabalho determina à Terracap o pagamento de R$ 41,6 milhões a 99 servidores que tiveram os rendimentos reduzidos ao teto constitucional em 2009. Governo local estuda saída jurídica para o caso que não comprometa o orçamento da empresa

A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), dona das terras da capital do país, tem um passivo trabalhista estratosférico. A empresa que se tornou a principal investidora em projetos do Governo do Distrito Federal possui uma dívida de R$ 41,6 milhões, que cresce a cada dia, com 99 empregados. Documento a que o Correio teve acesso com exclusividade indica que, ao receberem o que fazem jus por decisão judicial, seis servidores vão se tornar milionários. Para cada um desses afortunados, o montante a ser repassado passa de R$ 1 milhão. O mais abastado vai ter creditado na sua conta R$ 1,3 milhão. Há 20 casos em que a bolada ultrapassa os R$ 500 mil.

A dívida da Terracap é tão alta que a empresa poderia construir com o mesmo montante 14 escolas ou 16 postos de saúde ou até mesmo um hospital. Com esse dinheiro, conseguiria comprar 1,8 mil carros populares para substituir a frota de veículos alugados do GDF ou construir mil casas para famílias de baixa renda. Além do passivo nas alturas, os contracheques desses servidores estão bem acima da média nacional. O teto do funcionalismo público federal é de R$ 26,7 mil, o equivalente ao subsídio pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas na Terracap há quem ganhe, por mês, R$ 43,9 mil de salário. O valor é maior do que recebem os membros da diretoria da empresa, cujo presidente tem remuneração de R$ 32 mil. Os gordos vencimentos haviam sido reduzidos ao limite constitucional em abril de 2009, mas foram restabelecidos em maio deste ano por determinação da Justiça do Trabalho.

A dívida é decorrente de uma disputa que se arrasta há mais de duas décadas relacionada a perdas salariais relativas ao Plano Cruzado. Uma negociação trabalhista estabeleceu a reposição de perdas relativas a março a setembro de 1986, mas há uma discussão sobre o período posterior até novembro de 2002. Como a recuperação das perdas foi decidida em acordo coletivo, a Justiça considerou que não havia como a Terracap recuar. Os atrasos passaram a ser pagos com os salários e, agora, os empregados querem receber a diferença pela suspensão dos pagamentos entre abril de 2009 e maio de 2011.

Os beneficiários do passivo são uma minoria. Representam 10% do quadro de empregados da Terracap. São servidores antigos de vários níveis hierárquicos. Segundo integrantes da companhia, a maioria aguarda o encerramento do caso para pedir a aposentadoria integral e sair da empresa com uma gorda poupança. O problema é que as super aposentadorias vão onerar o Fundo de Previdência Privada da Terracap, o Funterra.

Situação nebulosa O passivo virou problema no primeiro escalão do governo e preocupa o presidente da empresa, Marcelo Piancastelli. Ele se reuniu ontem com a cúpula do Palácio do Buriti para expor a crise. Segundo o secretário de Governo, Paulo Tadeu, o Executivo estuda uma forma de negociar o pagamento da dívida sem comprometer o orçamento da Terracap. "Essa é uma decisão que não depende apenas do componente político. É preciso respaldo técnico e jurídico. Por isso, precisamos mobilizar várias áreas do governo para resolvê-la", acredita Paulo Tadeu.

Pelos cálculos do Executivo, a dívida, com os juros, correções e multas, já ultrapassa o valor de R$ 50 milhões. O procurador-geral do DF, Rogério Leite Chaves, fará uma reunião hoje com os colegas para buscar uma saída jurídica. "Essa é uma situação nebulosa", afirma o procurador-geral. Ele explica que, por causa da personalidade jurídica da Terracap como empresa pública, os advogados próprios cuidaram do processo. Mas, com a gravidade da situação, procuradores do DF foram chamados para atuar no caso em defesa da empresa.

De acordo com Rogério Leite Chaves, no governo anterior, a presidência da Terracap, à revelia da Procuradoria, homologou um acordo, intermediado pela Justiça, que garantiu o encerramento do processo. "Nossa intenção é tentar anular o acordo. Precisamos analisar uma estratégia jurídica", explica o procurador. Ontem, o presidente da empresa não quis comentar o assunto.

Com os superpoderes que a Terracap conquistou recentemente, em função da aprovação de projeto de lei na Câmara Legislativa que alterou o estatuto da empresa, um passivo tão elevado representa perda de investimentos em obras de infraestrutura ou projetos de interesse do Distrito Federal. Aprovada na última sessão da Câmara antes do recesso de julho, a proposta prevê que a Terracap passe a administrar a construção do Estádio Nacional de Brasília, a principal obra do atual governo. A lei sancionada pelo governador Agnelo Queiroz também permite que a Terracap promova parcerias público-privadas (PPPs) para a realização de empreendimentos e concessões públicas.

Empresa pública A Terracap é uma empresa pública que tem como acionistas o Distrito Federal, dono de 51% das ações, e a União, com o restante. Criada em 1972, a companhia administra todas as terras públicas da capital do país, com a prerrogativa de vendê-las e organizar empreendimentos imobiliários. As decisões seguem deliberações da assembleia geral, da diretoria e do Conselho de Administração.