Dólar forte já mostra impacto e evita queda maior da indústria 

 

05/08/2015

Denise Neumann, Camilla Veras Mota e Robson Sales 

O câmbio desvalorizado ajudou a indústria e impediu, no segundo trimestre, uma queda mais expressiva da produção. A ajuda veio tanto por uma tímida recuperação da exportação de manufaturados, especialmente commodities industriais e outros bens de menor valor agregado, quanto pelo começo de substituição de importações em setores específicos.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção da indústria de
transformação caiu 8% no primeiro trimestre em relação ao mesmo intervalo de 2014, ritmo que se
aprofundou para uma retração de 8,7% no segundo trimestre.

O volume exportado de manufaturados, contudo, aumentou 4,5% de abril a junho, um resultado muito diferente da queda de 3,9% registrada nos primeiros três meses. Na importação de matérias­ primas, a queda foi de 6% entre janeiro e março e de 13,8% entre abril e junho, sempre em relação ao ano passado.

Esse movimento, ainda que tímido, faz alguns analistas considerarem a possibilidade de a indústria ter chegado ao “fundo do poço”. “Há indícios de que isso pode estar acontecendo, apesar da demanda interna que ainda rasteja”, diz Braulio Borges, economista­-chefe da LCA Consultores.

A produção pode ter chegado ao piso, mas o momento e a velocidade de saída desse patamar muito baixo de produção “é outra coisa”, acrescenta Borges. Além do pequeno ganho na demanda externa líquida (exportação menos importação de todos os tipos de bens industriais), ele lista como sinais positivos o pequeno aumento da confiança, do indicador de produção prevista e de demanda externa na última sondagem industrial da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os resultados da produção em maio e junho, que surpreenderam positivamente com alta de 0,6% e queda de 0,3% em relação aos meses anteriores, já feito o ajuste sazonal, trazem sinais “menos ruins” de uma crise “muito severa”, na visão do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Parte do desempenho está ligado às categorias de bens semi e não­duráveis, que cresceram 1,2% e 1,7% nos dois períodos, e à de bens intermediários, que apresentaram quedas menores, de 0,3% em maio e de 0,2% em junho, na mesma comparação.

A retração forte da produção no primeiro semestre, de 6,3%, foi puxada pela queda de 20% na categoria de bens de capital, importante antecedente dos investimentos, e de 14,6% entre os bens de consumo duráveis, cuja performance está ligada às restrições de crédito e à queda no rendimento das famílias neste ano. Em junho, a Pesquisa Industrial Mensal ­ Produção Física (PIM­PF) registrou recuo de 3,2% em relação a junho do ano passado e de 5% no acumulado em 12 meses.

Esse cenário, para Thais Zara, economista­chefe da Rosenberg Associados, mostra que a crise na indústria ainda perdurará. A ajuda do câmbio, ela ressalva, é limitada, já que encarece os insumos importados e, muitas vezes, não compensa outros aumentos de custo a que a indústria está sujeita, de salários a energia elétrica.

O economista da LCA observa que é muito difícil identificar o momento de “parada” ou mesmo o “turning point” durante uma crise como a atual. “Mas um primeiro sinal é quando todos os indicadores param de apontar para baixo”, diz ele. nas crises de 1999/2000 e de 2003/2004, diz ele, a recuperação também começou pela demanda externa líquida e, no primeiro momento, não foi acompanhada pela volta da confiança, justamente porque a melhora vinha do setor externo.

O aumento da exportação de manufaturados no segundo trimestre foi influenciada pelo embarque de uma plataforma de petróleo, mas a abertura dos dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) mostra que outros setores aumentaram seus embarques ao exterior. O segmento de produtos de metal, por exemplo, elevou os embarques em 3,7% em relação ao mesmo período de 2014, depois de uma retração de 4,4% nos primeiros três meses do ano. Outros equipamentos de transporte, que inclui ônibus, caminhões e aviões, teve alta de 30%, contra queda de 12,3% no primeiro trimestre. Em produtos de madeira, onde as exportações passaram por dois trimestres positivos e as importações recuaram 17,8% e 10,9% no primeiro e segundo trimestres, nessa ordem, a produção entre abril e junho avançou 0,4%, após cair 5,2% nos três primeiros meses de 2015.

O movimento ainda é bastante restrito a segmentos de baixo valor agregado, pondera Nelson Marconi, professor da FGV, mas é relevante porque ajuda a atenuar a queda forte que a indústria de transformação deve observar neste ano, entre 8% e 9%.

Os produtos mais “simples”, avalia o economista, têm maior facilidade em brigar por mercado em um cenário de desvalorização cambial como atual. “Para os setores de maior valor adicionado, a reversão não acontece no curto prazo. Eles precisam de tempo para reorientar o mix para o exterior”. Com o real estável no patamar atual, essa tendência começaria a aparecer em 2016, diz Marconi.

Por ora, os efeitos positivos do câmbio desvalorizado já começam a aparecer nos índices de rentabilidade das exportações da indústria, ressalta Daiane Santos, economista da Funcex. No primeiro semestre, 15 dos 29 setores acompanhados pela entidade observaram aumento de rentabilidade superior a 10% em relação a igual período de 2014.

Dentro desse grupo, 12 reduziram os preços dos produtos embarcados, reforçando a avaliação de que o real mais fraco permitiu aos exportadores praticar valores mais competitivos ­ e, ainda assim, elevar as margens de lucro. No ramo de couros e calçados, o índice cresceu 13,5% sobre o primeiro semestre de 2014, em metalurgia, 17,6% (neste caso, ajudado por uma retração de 0,9% nos custos, fruto da queda no preço do minério de ferro), em máquinas e equipamentos, 17,9%.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), considera muito tímidos os sinais de recuperação da exportação de manufaturados. Eles estão muito concentrados em semimanufaturados e a alta do segundo trimestre foi muito influenciada pela plataforma de petróleo, avalia. A queda da importação no primeiro trimestre e parte da retração do segundo foi provocada pela simples redução da demanda, observa Castro. “Mas agora já vemos sinais de substituição. Eles ainda são pequenos. mas dependendo do câmbio e à medida em que os contratos mais longos forem encerrados, essa troca do importado pelo nacional pode­se se acentuar”, diz ele.