‘É possível existir cartel em outros setores’, diz novo dirigente do Cade

 

 Efetivado no cargo no mês passado, o novo superintendente-geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Eduardo Frade, revela, em entrevista ao Estado, que o órgão está investigando outros setores e licitações em que as empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato possam ter formado cartéis. Frade diz que está aberto a novos acordos de leniência, pelos quais as empresas delatam o cartel em troca de punição menor. “Estamos procurando evidências em tudo que é tipo de mercado. Isso aí estamos fazendo com a ciência de que é possível, sim, que haja cartéis em outros setores”, afirmou. 

Até agora, o Cade firmou dois acordos no âmbito da Lava Jato, um com a empresa Setal, que denunciou cartel em obras da Petrobrás, e outro com a Camargo Corrêa, sobre combinação de preços em Angra 3. Nesta entrevista, Frade prevê “multas bem altas” para as empresas envolvidas nos cartéis investigados até agora no âmbito da operação. Na avaliação do superintendente, é “uma falácia” dizer que a Operação Lava Jato é baseada apenas em delações. “A gente jamais baseia um caso inteiro meramente em delação”, comentou Frade, que é prata da casa: ocupou os cargos de superintendente adjunto do Cade entre 2012 e 2014 e, depois, foi interino até ser confirmado no cargo no mês passado.

Há provas de que houve cartel nas obras da Petrobrás? E em Angra 3?

No nosso entender, a qualidade dos acordos de leniência foi muito boa, no sentido de estar bem relatado de que forma aconteceram os cartéis e também na entrega de evidências, documentos e demonstrações que comprovam e dão indícios muito fortes a esses cartéis.

O Cade está negociando novos acordos de leniência no âmbito da Lava Jato? E especificamente no setor elétrico, em empresas do grupo Eletrobrás?

Isso é confidencial. O que te digo é que estamos bastante abertos e procurando evidências em tudo o que é tipo de mercado. Se a gente acha um indício em algum mercado que não foi dito ainda, a gente vai investigar. Se alguém ou alguma empresa tiver algo a trazer para o Cade, a gente vai ouvir. Isso aí estamos fazendo com a ciência de que é possível, sim, que tenha cartéis em outros setores. Como a Lava Jato revolve em torno das empreiteiras, o que faria sentido, a princípio, é achar cartéis em setores em que essas empresas atuam. Estamos olhando isso. 

No caso de Angra 3, a Camargo denunciou o cartel em apenas uma licitação? Continuaram as conversas com a empresa sobre cartel em outras licitações?

Foi a empresa que nos procurou para denunciar uma conduta específica. Eles sabem que nós continuamos abertos caso eles tenham outras negociações a fazer. 

Qual a previsão para instaurar os processos nos casos da Petrobrás e de Angra 3?

Estamos nos esforçando para instaurar o processo (que investiga cartel) da Petrobrás neste ano. O caso da Eletronuclear tem um escopo menor, a instauração do processo tende a ser mais simples. É possível que a gente consiga instaurar o processo antes até do da Petrobrás.

Até onde podem chegar as punições para as empreiteiras? De que valor de multa estamos falando?

Aqui no Cade, que analisa exclusivamente a parte do cartel, as empresas estão sujeitas a multa de até 20% de seu faturamento no ramo de atividade envolvida. Tendo em vista que é um caso de cartel e a magnitude dos casos, é possível que estejamos falando de multas bem altas. Pela nossa jurisprudência, estamos falando de multa de pelo menos 15% do faturamento, mas há precedente no Cade de algo maior que isso, como foi o caso do cartel do cimento (quando foram aplicadas multas que totalizam R$ 3,2 bilhões). Tem chance de estarmos falando de multas próximas do máximo permitido pela lei. 

Há muitas críticas ao método da delação premiada, que dá credibilidade a uma pessoa que participou da prática ilegal. No âmbito concorrencial, onde o Cade atua, há provas ou só o relato das empresas?

A gente jamais baseia um caso inteiro meramente em delação, só no que o cara está falando. Necessariamente, todas as nossas leniências vêm acompanhadas de outros elementos probatórios. É uma falácia tentar argumentar que os casos que estão saindo agora são baseados apenas e tão somente em delações. Para além das delações, foram feitas buscas e apreensões. Já estamos na 17.ª fase da Operação Lava Jato e foram apreendidos provas e documentos de todos os tipos. Pelo que vejo do trabalho do MP (Ministério Público) e da PF (Polícia Federal), há um cuidado grande de angariar provas além da delação.

Há mais dificuldade com a atuação em um processo com tanta repercussão na opinião pública?

Sem dúvida é um desafio. Ao longo dos anos, o Cade foi tendo um papel cada vez maior em caso de impactos cada vez maiores. A instituição foi aprendendo a fazer esse tipo de coisa e criou bastante calo.

 Quando o cartel do metrô de SP vai a julgamento? O rol probatório é tão robusto como nos casos da Lava Jato?

As empresas já apresentaram as defesas e estamos em fase de produção de prova. É difícil precisar data. Esse caso também teve leniência e busca e apreensão e também consideramos um caso bastante bom do ponto de vista de qualidade das provas. Tem indícios bastante relevantes da conduta. 

Esse caso ganhou uma conotação política (o Cade foi acusado de instaurar a investigação para prejudicar o governo do Estado, do PSDB). Vocês estão tomando algum cuidado adicional para não parecer que foi politizado?

O cuidado que a gente tem é o que faríamos de qualquer forma, que é a condução técnica e correta do caso. O único meio que o Cade tem de deixar bem claro que isso não tem nada a ver com questões políticas é entregar um resultado tecnicamente embasado. 

Qual a avaliação do Cade da compra do HSBC pelo Bradesco?

Não vou fazer uma avaliação sobre o mérito da fusão. Estamos aguardando a notificação e vamos analisar. Obviamente é uma operação grande que tem de ser vista com cuidado, mas já analisamos outros casos do mercado financeiro.