O Estado de São Paulo, n. 44484, 03/08/2015. Opinião/Notas e Informações, p. A3
03 Agosto 2015 | 03h 00
Que mensagem o governo espera passar para a sociedade quando se esforça para reduzir a punição, prevista em lei, às empresas envolvidas no escândalo de corrupção na Petrobrás? Em nome de que valores a administração petista quer convencer o contribuinte de que pessoas jurídicas flagradas em tenebrosas transações com dinheiro público podem continuar a pleitear lucrativos contratos com o Estado, como se nada tivesse acontecido? É o que se pergunta diante da notícia de que a Petrobrás está fazendo lobby no Congresso para “flexibilizar” a Lei Anticorrupção.
“A Petrobrás tem interesse, sim, de separar o CNPJ do CPF. Liberar as empresas para voltarem a ser contratadas. Há uma preocupação em resolver isso o mais rápido possível”, disse ao Estado o assessor especial de Relações Governamentais da estatal, Armando Toledo. Traduzindo: a Petrobrás - isto é, o governo - espera que apenas os executivos (o tal “CPF”) das empreiteiras envolvidas em corrupção sejam devidamente punidos, enquanto as empresas (o “CNPJ”) possam continuar a fazer seus negócios com o Estado.
Nas negociações com o Congresso, a Petrobrás e integrantes do Planalto apoiam um texto do deputado petista Vicente Cândido (SP) que modifica a Lei Anticorrupção. A proposta, para a qual Cândido diz ter apoio total da bancada petista, substitui as “penas aplicadas diretamente às pessoas jurídicas, relacionadas à continuidade de suas atividades, por medida muito mais adequada, uma vez que a punição de empresários não pode e não deve repercutir necessariamente sobre empresas”.
Tal mudança altera o próprio espírito da Lei Anticorrupção, descaracterizando-a como instrumento inibidor de malfeitos na relação das empresas privadas com o Estado. Sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2013 e em vigor desde janeiro de 2014, a lei inovou justamente ao introduzir a possibilidade de punir as empresas cujos controladores ou executivos participaram de tramoias para lesar os cofres públicos em favor de seus negócios.
Dessa forma, a lei alinhou o Brasil a nações desenvolvidas, como Estados Unidos e Reino Unido, cuja legislação prevê duras sanções contra empresas privadas flagradas em corrupção em contratos públicos. Com a nova norma, as empresas passam a responder objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, “pelos atos lesivos (…) praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”. Dispensa-se assim a comprovação de que os empresários envolvidos tiveram a intenção de cometer os crimes pelos quais a empresa responde.
Essa rigidez jurídica resultou de um veto de Dilma, que suprimiu da lei a necessidade de comprovar a culpa ou o dolo dos executivos para, só então, punir as empresas. Outro veto presidencial derrubou um dispositivo que limitava a um porcentual do contrato celebrado com o governo a multa a ser aplicada às empresas, pois os efeitos econômicos dos desvios, em muitos casos, vão muito além do contrato em si. Assim, graças à caneta de Dilma, a sanção econômica prevista na lei tornou-se alta o bastante para deixar claro às empresas que o crime não compensa.
Portanto, é irônico, mas não chega a ser surpreendente, que tenha partido da própria Dilma a iniciativa de convencer a opinião pública de que a Lei Anticorrupção não é e não deve ser para valer. Seu discurso agora é o de que as empreiteiras envolvidas no petrolão - que, não por coincidência, estão entre as maiores doadoras eleitorais do País - não podem ser punidas como prevê a lei porque isso causaria prejuízos à economia. Com esse argumento, o governo petista está mobilizado para abrandar as punições administrativas a essas empresas, além de impedir que elas sejam declaradas inidôneas e, portanto, barradas em processos de licitação.
Se tiver êxito a dedicação do governo não apenas para salvar essas empreiteiras, mas também para continuar a brindá-las com negócios estatais bilionários, estará claro que a tal luta contra a corrupção no País - na qual o governo petista se diz orgulhosamente engajado - é apenas mais um entre tantos falsos compromissos dessa era de brutal irresponsabilidade no trato da coisa pública.