Título: A CPMF e a rejeição popular
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Fonte: Correio Braziliense, 05/09/2011, Opinião, p. 12

Em debate no Congresso há 11 anos, a regulamentação da Emenda Constitucional (EC) nº 29, que aumenta os aportes financeiros da União, estados e municípios para a saúde, não avançou um milímetro. Com a decisão de submetê-la a votação em 28 de setembro, o alvoroço tomou conta das lideranças do governo e dos partidos aliados. Urge até a data estabelecida indicar as fontes de recursos a serem aditados aos previstos no Orçamento para 2012. O governo insiste em que não há como bancar o novo encargo sem o suprimento de receita adicional nos limites previstos na EC.

A discussão gira em torno de diversas hipóteses para garimpar dinheiro do contribuinte e, com o simplismo de quem vai a um pote sempre disponível, encher as burras do Ministério da Saúde. Em exame há ideias as mais inortodoxas: gravar o prêmio de seguro sobre Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), elevar o Imposto sobre Operação Financeira (IOF), legalizar os jogos de azar, utilizar royaties do pré-sal, taxar as remessas de lucros de empresas estrangeiras ao exterior e maior incidência tributária sobre o lucro dos bancos. O cardápio contempla sabores para todos os gostos.

Todavia, o prato de resistência é a ressurreição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), agora com o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS), no valor de 0,3%. Em suma: impor ao contribuinte recolhimento fiscal da ordem de R$ 32,5 bilhões. Os que propõem a alternativa ultrajante o fazem em tom de prece beneditina, como se o povo fosse água benta capaz de produzir o milagre da resignação ante tamanha violência.

A CPMF ou qualquer das iniquidades que a sucedam é, sem dúvida, a mais perversa obrigação tributária já concebida em país civilizado. Não passa de um câncer financeiro que ataca uma célula, em primeiro impacto, e avança como verdadeira metástase econômica. É incidência que viola dois princípios da doutrina tributária vigente nas nações democráticas: imposto não pode ser sucessivo nem ter fato gerador igual ao de outro. A CPMF é portadora das duas graves anomalias: é sucessiva, por incidir em toda a cadeia das obrigações financeiras e, ao mesmo tempo, estriba-se no fato gerador do IOF. Não por outra razão, a Constituição brasileira repudia ambas as torpezas (art.154).

É insuscetível de dúvida que o Orçamento Público corresponde a um programa de governo. Portando, cabe-lhe estimar e garantir recursos adequados aos órgãos governamentais. Jamais se deveria suplementar qualquer deles com provimentos extraorçamentários. Lembre-se que, à falta de fiscalização eficaz, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação respondem entre 60% e 70% dos desvios criminosos das disponibilidades da União. Quem o afirma é o Departamento de Patrimônio e Improbidade da Advocacia-Geral da União (AGU). Fechem-se os ralos da corrupção antes de transferir os prejuízos ao povo. E que a presidente Dilma cumpra o compromisso feito na campanha de não reeditar a CPMF.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 05/09/2011 02:18