Da política fiscal à monetária

 

Segue a tentativa que o Executivo federal faz de ajustar suas contas fiscais, de receitas e despesas, ainda que inibida por meta mais modesta. A complicada situação política impede que ele tenha no Congresso Nacional um apoio bem mais eficaz para esse ajuste. Ao contrário, paira no Legislativo a ameaça de uma “pauta bomba”, de projetos de lei voltados para fortes acréscimos de despesas, cuja vigência traria dano adicional às já combalidas contas federais.

Esse quadro é um dos ingredientes da crise econômica em andamento, pois gera incertezas que inibem decisões de consumir e de investir dos agentes econômicos.

Além da política fiscal, governos também podem atuar na macroeconomia por meio de sua política monetária, de taxas de juros e dosagem do crédito. Mas no Brasil os estímulos que poderiam vir desse lado estão tolhidos, pois o Banco Central (BC) “só pensa naquilo”, no combate à inflação, e não tem como atuar de outra forma com as contas federais desajustadas.

Nesta linha, desde a reeleição da presidente Dilma, o BC aumentou sete vezes a taxa básica de juros, também conhecida como Selic, trazendo-a para 14,25% ao ano na sua última decisão sobre o assunto, no dia 29/7, quando disse que vai parar por aí. Ufa! Creio que até exagerou na dose para reafirmar-se perante o mercado financeiro, no qual teve sua credibilidade arranhada no primeiro mandato de Dilma, ao reduzir a Selic, ampliando, assim, o estímulo monetário num momento em que a política fiscal era também expansionista. E ao postergar para a fase pós-eleitoral um aumento da mesma taxa quando a inflação já se mostrava preocupante. Diretores de um banco central que se preze não podem se curvar às conveniências de políticos irresponsáveis.

De qualquer forma, o BC poderá ter um papel mais ativo na recuperação da economia, desde que – e vale enfatizar – o Executivo e o Congresso arrumem as contas federais de modo a abrir espaço para esse outro papel. A arte da política econômica está em tocar estas duas políticas em harmonia e na direção correta.

A partir da crise que assolou a economia mundial na década passada, centrada nos EUA, ganhou importância internacional a política monetária anticrise adotada naquele país, centrada no chamado QE (quantitative easing, ou relaxamento quantitativo). Suas características marcantes foram uma taxa básica de juro próxima de zero, para facilitar a tomada de crédito, e outras ações do banco central local, conhecido como Fed. Este passou a comprar títulos do Tesouro em circulação no mercado, desta forma injetando dinheiro na economia, e, na mesma linha, também adquiriu papéis lastreados em hipotecas imobiliárias em poder do sistema financeiro.

Uma breve retrospectiva da experiência dos EUA com o QE foi objeto de matéria da revista The Economist do dia 25/7, também se referindo à sua adoção na área do euro em 2012. A revista ressaltou aspectos políticos da adoção do QE nos EUA também como resposta a dificuldades encontradas na tomada de medidas fiscais. Logo que veio a crise, houve o resgate de instituições financeiras pelo Congresso, seguido de forte reação contrária de eleitores. Uma contrapartida política dessa reação foi que o Partido Republicano, fiscalmente conservador, passou a dominar a Câmara de Representantes do mesmo Congresso, bloqueando qualquer medida adicional de estímulo fiscal pelo Executivo.

Em compensação, o QE e a política monetária em geral continuaram tendo um papel anticrise forte e continuado, com o cerne da política macroeconômica passando aos tecnocratas do Fed. A propósito, atualmente toda a discussão da macroeconomia dos EUA está centrada em saber quando e como será alterado o rumo de sua política monetária. E a personagem central do noticiário econômico é a presidente da instituição, Janet Yellen. Quem é o ministro da Fazenda dos EUA? Não sei, e percebo que essa senhora tomou o espaço dele, o que não aconteceria se a ênfase fosse na política fiscal. A revista afirma ser “(...) difícil de imaginar uma decisão pelo presidente Obama ou pelo Congresso que fosse qualquer coisa tão influente (...)” como a esperada do Fed. Soube também de experiências com QE no Japão e no Reino Unido.

O artigo assinala que eleitores apreciam coisas inconsistentes, como impostos menores, gastos maiores e um orçamento equilibrado. Cabe aos políticos fazer as duras escolhas, mas eles procrastinam decisões e passam o mico aos tecnocratas dos seus bancos centrais – e às vezes até de instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). No Brasil, tomam até decisões que agravam problemas. Nessas condições, segundo a revista, os políticos perdem o controle do seu próprio destino. E conclui: “Na verdade, o sentimento de que os líderes eleitos perderam o controle pode ser uma razão pela qual os eleitores de alguns países estão com tanta raiva e buscam outros partidos que não os tradicionais”.

Por aqui, o que rola em Brasília já dá essa percepção de que os políticos perderam o controle, pois não conseguem formular soluções concretas para a crise fiscal e econômica em andamento. É sabido que os eleitores brasileiros estão com raiva da presidente, e há muito mais tempo com raiva dos políticos que elegem para o Legislativo.

Nesse contexto, o fracasso dos políticos configura um vácuo decisório que poderá ser preenchido pelo BC. Mas, para que tenha chance de sucesso, seria indispensável que os políticos pelo menos pusessem a casa fiscal em ordem, abandonando por algum tempo o exercício de sua habitual incompetência no controle das contas públicas federais.

Quanto ao BC, seria indispensável que, a exemplo de seus pares em vários outros países, deixasse de pensar só na inflação e refletisse também sobre como contribuir para a retomada do crescimento econômico do País.

 

*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior