Título: Brasil na ESO: nossa ciência no topo dos Andes
Autor: Monserrat Filho, José
Fonte: Correio Braziliense, 05/09/2011, Opinião, p. 13

Chefe da Assessoria de Cooperação Espacial da AEB

O Brasil já é parceiro direto da ciência do Primeiro Mundo. Para tanto, bastou ter assinado o acordo que, se ratificado, o tornará membro pleno da Organização Europeia para Pesquisa Astronômica no Hemisfério Sul (ESO, na sigla em inglês).

O caso é real. Em 29 de dezembro de 2010, o então ministro da Ciência e Tecnologia (MCT) Sérgio Rezende, firmou, em nome do presidente Lula, o acordo de ingresso na ESO. Desde então, nossa comunidade de astrônomos ¿ cerca de 700 pesquisadores ¿ e de físicos cosmólogos vem participando ativamente, em igualdade de condições com os colegas europeus, dessa que é reconhecida, até pelos próprios americanos, como a mais moderna entidade de pesquisas astrofísicas do mundo.

Após exaustivos debates ao longo de 2010 e ciente de sua responsabilidade histórica, a maioria esmagadora de nossos astrônomos apoiou a entrada do Brasil na ESO. A pequena minoria contrária, enredada numa visão imediatista, em projetos meramente pessoais e/ou com estreitos interesses vinculados a soluções americanas, não consegue se pôr à altura do grande salto qualitativo que estamos dando hoje.

A atuação séria e competente dos pesquisadores brasileiros se projetou logo de saída: já na primeira rodada de pedidos de tempo de observação, de que participamos agora em abril, nossa taxa de aprovação (número de noites de observação) foi maior que a média dos europeus.

Ratificado o acordo Brasil-ESO pelo Congresso Nacional ainda em 2011, nosso país será automaticamente coproprietário das moderníssimas instalações e bancos de dados da ESO no Chile e na Europa (avaliados em vários bilhões de euros) e passará a ter assento, voz e voto em todos os órgãos de avaliação e decisão da organização.

Simultaneamente, nossas indústrias de média e alta tecnologia poderão participar de obras únicas e pujantes, como a construção, no Chile, dos dois maiores telescópios de todos os tempos: o ELT (Extremely Large Telescope, ótico) e o Alma (Atacama Large Millimeter Array, rádio-interferômetro gigante, já em construção). Ambos estão avaliados em mais de 1 bilhão de euros. Nossas indústrias também terão total acesso ao desenvolvimento de instrumentação de ponta, regularmente promovido pela ESO.

Esse ascenso qualitativo da nossa C&T em ciências exatas é fruto da notável mudança de mentalidade diante do imenso potencial brasileiro, do avanço das pesquisas científicas e da educação ocorrida no país na presente década: o orçamento do MCT multiplicou-se por seis e foi atualizado o salário dos pesquisadores das universidades públicas, que, por sua vez, tiveram condições de, a cada ano, abrir novos concursos.

A entrada do Brasil na ESO é movimento transformador. Investiremos R$ 550 milhões em 10 anos e subiremos a um patamar bem mais elevado de progresso científico e tecnológico. Essa quantia ¿ que nos permite adquirir um patrimônio material e de oportunidades sem precedentes ¿ representa menos de 1% do orçamento atual do MCT e cerca de 1/6 do valor diário da dívida interna brasileira. Cabe frisar que até 75% das contribuições que cada país membro faz têm retornado a ele por meio dos contratos obtidos por suas indústrias junto à ESO. Trata-se uma virada histórica.

O Brasil pode, deve e precisa internacionalizar sua C&T, enfrentando novos desafios, galgando novas posições no mundo e sabendo proteger seus interesses soberanos. Vivemos uma grande chance com os benefícios sem comparação da ESO.

Gozamos de estabilidade e prosperidade financeiras, que os recursos do pré-sal reforçarão ainda mais. Os países desenvolvidos nos respeitam e fazem de tudo para serem nossos parceiros nesta etapa de mudanças e avanços.

Os governos Lula e Dilma entenderam isso e se engajaram na construção de um país mais sábio, mais produtivo e sem miséria, com base na sociedade e na economia do conhecimento ¿ a fronteira do mundo contemporâneo. O Brasil na ESO marca a responsabilidade, a determinação e a coragem de um novíssimo tempo.