O Estado de São Paulo, n. 44484, 03/08/2015. Política, p. A6

Dilma tem 'plano B' fora da lista tríplice

Beatriz Bulla, Talita Fernandes / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

03 Agosto 2015 | 02h 02

Planalto confia que Janot será o mais votado, mas se Senado decidir barrar sua condução, presidente estuda escolher nome alternativo

BRASÍLIA - Os procuradores da República vão às urnas na quarta-feira para definir a lista com os três candidatos mais bem votados pelo Ministério Público ao cargo de procurador-geral da República. Embora o cenário previsto pelo governo seja de que o atual chefe da carreira, Rodrigo Janot, irá encabeçar a lista tríplice, o Planalto já trabalha com um "plano B" no caso de a recondução do procurador-geral ser barrada pelos senadores.

Interlocutores da presidente Dilma Rousseff adiantam que ela não nomeará, nesta hipótese, nenhum outro nome da lista tríplice. Segundo um ministro próximo à petista, a avaliação sobre eventual rejeição a Janot é de que a lista já estará "descaracterizada" caso o primeiro nome seja barrado pelos parlamentares, abrindo espaço para a indicação de um procurador que não teve o respaldo da categoria em eleições. Soam como nomes simpáticos ao Planalto o de alguns subprocuradores, como a vice de Janot, Ela Wiecko, e o vice-procurador-geral eleitoral Eugênio Aragão.

Para o governo, Janot será o candidato mais bem votado na quarta-feira. Embora não haja uma exigência, desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT tem convencionado escolher o primeiro nome da lista apresentada pelo Ministério Público ao Executivo. Mas interlocutores do governo disseram ao Estado que Dilma tende a indicar Janot mesmo se ele não for o primeiro colocado.

Depois de passar pelo crivo da categoria, o escolhido deve ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e passar em votação secreta no plenário da Casa. O Planalto reconhece a resistência de senadores a aprovar mais um mandato de Janot.

Lava Jato. O atual procurador-geral da República pediu em março abertura de inquérito contra 13 senadores no âmbito da Operação Lava Jato, que apura corrupção na Petrobrás e, agora, avança sobre suspeitas no setor elétrico. Desde a Operação Politeia - parte da Lava Jato -, deflagrada em meados de junho, na qual a Polícia Federal, a pedido da Procuradoria-Geral da República, realizou buscas e apreensões nas residências e escritórios ligados a três senadores, a hostilidade ao nome de Janot cresceu. Com isso, o governo trabalha com o "plano B" no caso de rejeição a Janot pelo Senado.

Senadores do PMDB, maior bancada da Casa, já levantam a tese de que a lista tríplice formada pelos procuradores não é válida. Para evitar serem taxados como os responsáveis por impedir a recondução de Janot por mera retaliação, justificam, de antemão, que a seleção interna da carreira não está prevista na Constituição.

Até o fim do seu mandato, em 18 de setembro, o procurador-geral da República deve oferecer denúncia contra parte dos políticos investigados, o que abrirá mais uma frente de oposição política. Investigadores ligados ao caso apontam, por exemplo, que as apurações sobre os senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI) estão avançadas.

Por outro lado, pode contar a favor de Janot o fato de que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ainda não deve figurar entre os primeiros denunciados pela Procuradoria. O Executivo tem se fiado nisso para contar com possível aprovação do atual procurador-geral. O governo acompanha com atenção as discussões.

Concorrentes. Além de Janot, concorrem ao cargo os subprocuradores da República Carlos Frederico Santos, Mario Bonsaglia e Raquel Dodge. Entre eles, Mario Bonsaglia é visto como o mais alinhado ao atual procurador-geral. A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, e o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, são nomes considerados respeitados pela categoria para a vaga. Ela já concorreu seis vezes à vaga, tendo recebido 457 votos na última eleição - 54 a menos do que Janot, o primeiro colocado.

Aragão foi responsável pela atuação do Ministério Público Eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral durante o processo eleitoral de 2014 e é visto com bons olhos por parte do PT.

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Delação é alternativa à impunidade, afirma procurador

O procurador da República Deltan Dallagnol, um dos principais integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, afirma que as delações premiadas firmadas geraram um "efeito dominó" que contribui decisivamente para o aprofundamento das investigações. Segundo ele, "a alternativa à colaboração (premiada), em grande parte dos casos, é a impunidade".

"(A delação) Jamais serve sozinha para acusar alguém criminalmente, mas é um excelente início de prova para aprofundar a investigação. Assim aconteceu, por exemplo, no caso da Odebrecht, em que o aprofundamento das investigações nos levou a conseguir depósitos bancários milionários feitos por contas em nome da Odebrecht em favor de ex-diretores da Petrobras, tudo de modo escondido, no exterior", disse o procurador em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Na semana passada, a Justiça Federal no Paraná acolheu denúncia da Procuradoria da República e abriu ação penal contra o empreiteiro Marcelo Bahia Odebrecht e outros cinco acusados ligados à construtora, que vão responder por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A empresa e os ex-diretores negam envolvimento com o esquema de corrupção na Petrobrás.

Ao defender as delações premiadas, Dallagnol destacou que a medida é uma forma de evitar que "advogados renomados de colarinhos-brancos" consigam "protelar processos na Justiça até alcançar a prescrição".

De acordo com ele, no caso da Lava Jato, esse risco está descartado. "Existe um alinhamento muito grande de condições que indicam que não haverá impunidade: excelentes juízes, imparciais, mas firmes. Atuam da primeira à última instância, e há uma perspectiva de celeridade em razão da importância do caso. Se nosso sistema de Justiça penal fosse efetivo, poderíamos ter várias Lava Jatos por todo o País."

O procurador afirmou também que a corrupção é "sistêmica" e não um problema de um partido ou de um governo. Dallagnol condena "a crença ilusória" de que o País vencerá os malfeitos com a mudança de governos ou partidos. "Precisamos de sistemas e instituições saudáveis. A história nos mostra que a corrupção não tem cor ou partido."

Projeto. A meta de Dallagnol e a de seus pares no Ministério Público Federal é levar ao Congresso um projeto de lei que contemple dez medidas contra a corrupção. "Precisamos de um milhão e meio de assinaturas para que essas ideias se transformem em um projeto, assim como a Ficha Limpa."

Uma das propostas é responsabilizar partidos políticos em casos de atos ilícitos, bem como a criminalização do caixa 2. As punições vão desde multa ao cancelamento do registro da legenda envolvida em atos de corrupção. Segundo os procuradores, as legendas podem ser punidas com valor entre 10% e 40% dos repasses do Fundo Partidário (recurso público destinado aos partidos) relativos ao exercício no qual ocorreu o crime. Podem ainda ser suspensos do recebimento de repasses do fundo.