Título: Batalha nos tribunais
Autor: Jeronimo, Josie ; Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 04/09/2011, Política, p. 2/3

Um soldado da Aeronáutica de 18 anos assumiu o volante de um micro-ônibus da instituição mesmo sem ser habilitado para conduzir esse tipo de veículo. O carro tinha um defeito no sistema de freios e, mesmo assim, foi colocado em circulação. Num cruzamento no Gama, o micro-ônibus se chocou com uma Belina. O ano era 1995. Dois jovens que estavam na Belina, um rapaz de 27 anos e uma garota que não havia completado 25, morreram no acidente. Para a União, não resta dúvida sobre a culpabilidade no episódio: "O fator determinante do acidente foi a entrada da Belina no cruzamento, sem a devida atenção por parte do condutor", manifesta a Advocacia-Geral da União (AGU) no processo em curso na Justiça Federal movido pelos pais do jovem morto na tragédia. O pedido de indenização já dura 16 anos. A última manifestação da AGU, na qual culpa a vítima, foi feita no último dia 11.

Em Manaus, uma professora da rede municipal de ensino se dirigia para a confraternização de fim de ano com profissionais de educação. Ao cruzar a BR-174, o Opala que conduzia foi atingido por um veículo da Fundação Universidade do Amazonas. A professora foi socorrida pelo motorista do outro carro, estava consciente e ficou sentada no acostamento da rodovia. Chovia muito na hora. De uma curva fechada, surgiu uma Toyota do Exército, em alta velocidade, que se chocou com a traseira do Opala. O carro explodiu e a professora morreu no local.

Os três filhos, na época já órfãos de pai, moveram uma ação na Justiça em busca de reparação por danos materiais e morais. Para negar o pagamento, a União recorreu a um argumento no mínimo subjetivo: "Ela foi vítima de dois acidentes no mesmo dia, provocados por motivo de força maior. O que ocorreu foi fatídico", cita a AGU num dos pareceres anexados ao processo que tramita desde 1998 na Justiça Federal.

Os dois casos revelam o drama de quem precisa recorrer à Justiça para confrontar a União e exigir reparação por danos materiais e morais em razão de acidentes envolvendo carros oficiais. Os processos se arrastam por anos ¿ chagando a décadas ¿ e, mesmo com as evidências de culpa dos condutores do Estado, a União se recusa a pagar as indenizações.

Contestação O Correio consultou os processos dos casos envolvendo os carros da Aeronáutica e do Exército. Nas duas situações, a primeira instância da Justiça Federal decidiu favoravelmente ao pagamento das indenizações. Os juízes consideraram haver provas da culpa dos motoristas dos veículos da União. Mesmo assim, a AGU contestou as decisões, apresentou recursos e levou as discussões para o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. Até hoje, as indenizações não foram pagas.

O pedido de indenização no caso que envolveu o carro da Aeronáutica é de R$ 30 mil, mais o pagamento de dois salários mínimos até o ano em que o jovem morto no acidente completaria 65 anos. O valor é o mesmo do processo que envolve a moça que morreu na colisão.

Já os três filhos da professora de Manaus, hoje adultos, ganharam em primeira instância o direito de receber uma indenização de R$ 100 mil cada, em setembro de 2004. A AGU recorreu e sugeriu o pagamento de R$ 50 mil por filho. O TRF concordou com o valor e, em outubro do ano passado, determinou o pagamento de R$ 50 mil. Em julho deste ano, a União voltou a se manifestar. Considerou a quantia "exorbitante" e recorreu mais uma vez.

AGU contra as vítimas

R$ 100 mil Valor da indenização determinada pela Justiça, em primeira instância, para cada um dos três filhos de uma professora morta em acidente com carro oficial

R$ 50 mil Valor da indenização sugerido pela AGU e acatado pelo TRF. Depois, a própria AGU considerou a cifra exorbitante