Título: Transparência necessária
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Fonte: Correio Braziliense, 04/09/2011, Opinião, p. 20

Vem em boa hora a decisão da presidente Dilma Rousseff de pôr ponto final no escapismo que se tornou rotina no governo. Descobertos desvios e escândalos envolvendo órgãos do Estado, o titular da pasta dizia ignorar os fatos. A desculpa indignava os eleitores. Mas recebia o aval do Planalto. A prática, banalizada na administração Lula da Silva, emitia sinais de que, no fim do caminho, estaria a impunidade. O crime, de qualquer dimensão, compensaria.

Mudou o titular do Executivo, mas a moda se manteve. Nos recentes escândalos que levaram à operação faxina, os ministros, diante de provas indiscutíveis, apelaram para o refrão. Mesmo os que escaparam da degola, como o titular do Turismo, o repetiram sem constrangimento. Por sorte não convenceram. "Todos devem ter conhecimento do que acontece em suas pastas", ordenou a presidente. E exigiu que assinassem os contratos firmados nas respectivas áreas e os encaminhassem à Casa Civil.

A iniciativa, além de responsabilizar os gestores pelo destino dos recursos, tem dois outros objetivos. Um deles: conhecer o volume dos contratos assinados com organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips). O outro: obter subsídios para estabelecer as normas que regulam os convênios com o terceiro setor. O critério de seleção frouxo permite que os serviços, quando prestados, não sejam auditados nem as prestações de contas conferidas.

É, sem dúvida, bem-vindo o freio que Dilma Rousseff pretende impor à gastança irresponsável, que, além de jogar verbas pelo ralo, priva a sociedade de bens e serviços essenciais. Mas de nada adiantarão os esforços se não se criarem mecanismos efetivos de fiscalização. A Casa Civil não dispõe de quadros técnicos suficientes para examinar contrato por contrato. Sem controle efetivo, a medida irá para o ralo na companhia do dinheiro que pretende conter.

Vale lembrar dado divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU): em 2010, deixaram de ser analisadas cerca de 40 mil prestações de contas de convênios celebrados pelos órgãos federais com estados, municípios e entidades privadas. É sinal verde para a impunidade. Em artigo publicado neste jornal em 1º de setembro, Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas, destaca dois procedimentos importantes para o êxito da medida ora proposta.

O primeiro: o recadastramento das ONGs e Oscips que recebem recursos públicos. O segundo: transparência. O acesso ao Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasses (Siconv) permite que os cidadãos atuem como fiscais. Sugere ele: "Que tal construir portal na internet onde conheçamos as entidades de cada cidade, o que fazem, quem são os responsáveis e quanto recebem dos governos?" Com o controle, a sociedade poderá tomar conta do que é seu ¿ os recursos obtidos com uma das maiores cargas tributárias do mundo. É o olho do dono que engorda o boi.