Ainda um voto de confiança

 

A agência Moody’s rebaixou a nota de crédito do Brasil para Baa3. Com isso, o país está a um degrau de perder a chancela de bom pagador. A Moody’s citou o fraco crescimento, os gastos públicos e a falta de consenso político. Analistas temiam a perda do grau de investimento e dizem que, agora, é preciso apressar o ajuste. - SÃO PAULO- O cenário era esperado pelo mercado. Mas somente se confirmou ontem, quando a agência de classificação de risco Moody’s seguiu a Standard & Poor’s e rebaixou a nota de crédito do Brasil de “Baa2” para “Baa3”, o que deixa o país apenas um degrau acima do nível especulativo. A agência, porém, mudou a perspectiva da economia brasileira de negativa para estável, indicando que, no curto prazo, o Brasil não irá perder o selo de bom pagador. E fez ressalvas. A Moody’s deixou claro que o país precisa voltar a crescer em 2017 e entregar melhores resultados fiscais.

“Um desempenho econômico mais fraco que o esperado, uma tendência de crescimento de gastos públicos e uma falta de consenso político sobre as reformas fiscais impedirão que as autoridades alcancem um superávit primário alto o bastante para segurar e reverter a tendência de alta da dívida este e no próximo ano”, justificou, em nota, a agência.

SEM REBAIXAMENTO A CURTO PRAZO

A recuperação é esperada para 2017 e 2018, quando se espera que a taxa anual de expansão do PIB fique em 2%, com a estabilização da dívida somente no fim do governo da presidente Dilma Rousseff. E o cenário político conturbado também foi levado em consideração pela agência, que citou a Operação Lava- Jato.

“O cenário político tornou- se cada vez mais complicado. A taxa baixa recorde de aprovação para a presidente Dilma tem enfraquecido a posição política dela e os processos judiciais de investigação de corrupção da Lava- Jato têm contribuído para o aumento da tensão entre o Congresso e o Poder Executivo, minando ainda mais os esforços do governo para avançar sua agenda econômica”, disse a Moody’s.

Esse rebaixamento era esperado desde meados de julho, quando técnicos da agência visitaram o Brasil para analisar as contas públicas. Com a deterioração fiscal e a dificuldade de aprovar as medidas de ajuste no Congresso, cresceu, então, a aposta de que a nota do Brasil seria cortada. A expectativa ganhou ainda mais força — sendo cogitada, inclusive, a perda do grau de investimento — quando o Ministério da Fazenda decidiu reduzir de 1,1% para 0,15% do PIB a meta de superávit primário ( economia para o pagamento de juros da dívida) este ano. O menor esforço fiscal contribui para o aumento da relação dívida pública bruta e PIB, um dos pontos analisados pelas agências de risco para aferir a solvência de um país.

Nesse contexto, economistas acreditam que a avaliação da Moody’s sobre o Brasil é até melhor que a esperada, já que afastou, ao menos a curto prazo, o risco de rebaixamento.

— Acho que, no fim, a decisão da Moody’s foi uma surpresa positiva. Houve um alinhamento com a nota da Standard & Poor’s. A segunda surpresa positiva foi a perspectiva neutra, com a justificativa de que a Moody’s vai esperar a estabilização da dívida só em 2018. É uma aposta de que o Brasil pode reverter as coisas mais à frente — avalia Jankiel Santos, economista- chefe do BES Investimentos.

As notas das agências de risco servem como um selo de bom pagador. E são usadas por investidores para tomada de decisões: onde alocar recursos e a que preço são fatores que dependem dessa nota. Quanto pior a nota, mais altos tendem a ser os juros pagos pelos emissores — além de governos, as empresas que emitem títulos de dívida também contratam essas agências. Mas, apesar de o Brasil ter grau de investimento, no mercado financeiro as taxas cobradas do país já eram mais altas, como a de um país considerado junk ( de grau especulativo).

Esse custo mais alto pode ser visto pela negociação dos credit default swaps ( CDS), uma espécie de seguro que os investidores contratam ao comprar um determinado título, para se proteger de um eventual calote. Os CDS de dez anos do Brasil estavam ontem cotados a 370 pontos, acima dos 243 da Índia, 273 da Indonésia e dos 300 da Turquia — todos com classificação “Baa3” pela Moody’s.

A agência fez alertas. Segundo a Moody’s, para não perder o grau de investimento, será necessário um superávit primário de ao menos 2% do PIB na segunda metade do governo Dilma. E a retomada do crescimento, a fim de estabilizar a dívida pública em 2018.

“Um resultado negativo provavelmente seria associado ao fracasso coletivo das autoridades fiscais e monetárias do Brasil para estabelecer e atingir objetivos de políticas claras de suporte, juntamente com um nível mais elevado do que o esperado da instabilidade política”, afirmou a agência.

Essa expectativa de estabilização da dívida em 2018 foi um dos fatores que contribuiu para a manutenção do grau de investimento do Brasil. A justificativa para a nota “Baa3” é que, apesar da piora fiscal e do enfraquecimento da economia, o país tem capacidade de resistir a choques externos, devido às suas reservas internacionais, à baixa exposição à dívida externa, à economia diversificada e a uma baixa participação de investidores estrangeiros no total da dívida.

Foi o segundo rebaixamento do país em duas semanas. No último dia 28, a S& P mudou a perspectiva do Brasil de estável para negativa, mas manteve a nota em “BBB-” — também apenas uma nota acima do nível especulativo. Na ocasião, a agência sinalizou que a falta de avanços nos ajustes fiscais durante o próximo ano “poderia levar ao rebaixamento do rating”, ou seja, à perda do grau de investimento.

Na outra grande agência de classificação, a Fitch, o Brasil continua duas notas acima do nível especulativo. Mas também se espera um corte na nota.

Em Brasília, a decisão da Moody’s foi recebida com um alerta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ):

— Já era um processo esperado, passou de “Baa2” para “Baa3”. Ainda não é a perda do grau de investimento, mas é uma sinalização de que o governo tem que fazer sua parte na economia. Em todo sentido, é uma sinalização que não é boa.